Vicente Jorge Silva – Sol, opinião
Passos Coelho
voltou a escolher a localidade algarvia de Manta Rota para passar férias e por
aí se deixou tranquilamente ficar, mudo e quedo – tão mudo e tão quedo como
entrava e saía das cimeiras europeias em que se decidiam os impiedosos
programas de austeridade para o país –, enquanto em Lisboa o seu Governo era
abalado por um novo episódio que não apenas punha em causa a credibilidade da
nova equipa das Finanças mas também a autoridade política do primeiro-ministro.
Nem o mais feroz
adversário do actual Governo imaginaria que, poucas semanas depois da sua
remodelação, a «inconsistência problemática» do novo secretário de Estado do
Tesouro iria colocar tão precocemente em xeque a imagem do Executivo e os
critérios de escolha dos responsáveis governamentais.
Não bastavam já os
clamorosos erros de casting do antigo responsável do BPN, Rui Machete, para
ministro dos Estrangeiros, ou de Agostinho Branquinho, ex-gestor da Ongoing,
uma empresa de negócios fantasmagóricos, para novo secretário de Estado da Segurança
Social.
Era preciso ir
ainda mais longe no caminho do conflito de interesses e da promiscuidade entre
o mundo da política e o mundo dos negócios inconfessáveis. Estava escrito que a
tendência suicidária do Governo de Passos Coelho não terminaria com uma
remodelação salvadora.
A ministra das
Finanças não aprendeu a lição do seu envolvimento no caso dos swaps, apesar da
hábil escapatória que encontrou na última comissão parlamentar dedicada ao
assunto. Pelo contrário, persistiu na estratégia vindicativa face à herança
recebida do Governo de José Sócrates e escolheu com invulgar pontaria para seu
sucessor à frente da Secretaria de Estado do Tesouro uma personagem que,
segundo o mais básico critério de bom senso político, deveria ser a última a
ter em conta.
Joaquim Pais Jorge
não era apenas um agente importante do negócio dos swaps especulativos. Foi ele
que, com outras figuras do Citigroup – como Paulo Gray, agora designado para
consultor do Governo precisamente na área dos swaps… –, se reuniu por várias
vezes com membros do Governo de Sócrates para tentar convencê-los a adquirir
esses miraculosos ‘derivados’ que permitiriam camuflar a realidade das contas
do Estado (a exemplo do que o Goldman Sachs fez na Grécia). A tentativa foi
rejeitada mas ficou para a história.
«Não posso
evidenciar sequer que tenha estado nessa apresentação…»: era impossível
imaginar palavras mais involuntariamente denunciadoras do que as de Pais Jorge,
no habitual briefing governamental, sobre as reuniões com o staff de Sócrates
para convencê-lo da magia dos swaps. Embrulhado nas suas sucessivas
contradições e negações, o secretário de Estado do Tesouro acabaria finalmente
por reconhecer a sua presença nos encontros secretos, embora recusando o
protagonismo que lhe fora atribuído na negociação.
Ora sendo Maria
Luís Albuquerque uma familiar da questão dos swaps, deduz-se que, para ela,
nada melhor do que especialistas de swaps tóxicos para controlar esse negócio,
um como secretário de Estado, o outro como consultor. Contratar especuladores
financeiros para combater as acções em que se especializaram pode parecer uma
ideia genial, de inspiração americana, mas não deixa de ser um contra-senso e
uma grosseira imoralidade, susceptível de todas as suspeitas.
No exacto momento
em que pensava deixar para trás o pesadelo que a perseguia, Maria Luís
Albuquerque acabou por não resistir à tentação de mergulhar a fundo nesse
pesadelo e comprometer definitivamente a sua credibilidade como ministra das
Finanças. Ela é responsável pela política do seu ministério e pelas escolhas
que faz. Devia, portanto, acompanhar o seu secretário de Estado na saída do
Governo.
Seguindo o exemplo
de Rui Machete, Pais Jorge apresenta-se como vítima da podridão da vida
política e, de modo mais ínvio, de uma conjura com objectivos pessoais. Ora,
Machete omitiu deliberadamente no seu currículo a ligação ao BPN, enquanto Pais
Jorge tentou ocultar, enquanto pôde, as reuniões em que esteve presente com o
staff de Sócrates. Porque é que o fizeram, se não tinham motivos para se
sentirem culpados ou cúmplices de qualquer transgressão? Porque é que mentiram,
se não havia razões para isso? Afinal, de que lado estava e está a podridão,
num país onde se tolera, para além de todos os limites razoáveis, a
promiscuidade entre o interesse público e os interesses particulares?
É a manta rota do
Estado que ameaça desfazer este Governo remodelado, mesmo que na sua Manta Rota
estival Passos Coelho tente fingir que não é nada com ele.
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