António Marinho e
Pinto – Jornal de Notícias, opinião
Os dados
recentemente divulgados pelo Banco de Portugal sobre a dívida pública revelam
que esta entrou numa espiral, aparentemente, incontrolável. Com efeito, no
final do primeiro semestre deste ano a dívida ultrapassou o nível recorde de
214 500 000 de euros (duzentos e catorze mil e quinhentos milhões de euros), o
que corresponde a 131,4% do nosso PIB (produto interno bruto). Sublinhe-se que
em dezembro de 2012 o total da dívida correspondia a 123,8% do PIB e que em
março já era superior a 127%.
De salientar ainda
que esse agravamento aumentou de forma incomportável para um país como Portugal
- pobre e sujeito a medidas de austeridade que tornam ainda mais insustentável
e incompreensível esse progressivo endividamento. Só nos primeiros seis meses
de 2013 a dívida pública cresceu a um ritmo superior a 67 milhões de euros por
dia, ou seja, por cada dia que passou acrescentou-se mais de 67 milhões de
euros ao seu total acumulado, enquanto em 2012 o agravamento era de 53,6
milhões de euros por dia. Esta situação revela que, no mínimo, são levianas as
promessas de superação da crise que têm sido feitas aos portugueses pelos
atuais governantes e por alguns dos seus seguidores. Por isso, torna-se
inevitável a pergunta: a dívida pública teria crescido tanto, em relação ao
PIB, se tivesse sido adotada uma política diferente da que foi seguida pelo
Governo do PSD e do CDS, ou seja, uma política de expansão da economia, com
forte investimento público e sem empobrecimento deliberado da classe média?
Sejamos ainda mais incisivos: este aumento da dívida pública ocorreu apesar das
medidas de austeridade ou, justamente, por causa das medidas de austeridade? É
óbvio que as respostas a estas perguntas dificilmente se conterão nos
parâmetros de rigor próprios da ciência económica e financeira e, facilmente,
resvalarão para o terreno movediço da mentira e da demagogia políticas. Mas nem
por isso deixa de ser pertinente (quase diria premente) perguntar: como é
possível este progressivo endividamento do país quando todo o discurso público
do Governo (e dos partidos que o constituem) nos garantia que os sacrifícios
impostos ao povo português, sobretudo aos mais desfavorecidos, seriam a única
via para nos libertarmos dos grilhões asfixiantes da própria dívida?
O grande
responsável pela política financeira do Governo era o anterior ministro das
Finanças, Vítor Gaspar, que bateu estrondosamente com a porta cansado que
estava de esperar que o substituíssem na nave de loucos em que se transformara
o Governo. E o que nos deixa perplexos nem é tanto a forma espalhafatosa como
ele abandonou o Executivo, divulgando ao país a carta de demissão que acabava
de enviar ao primeiro-ministro. O que verdadeiramente espanta é que ele tenha
saído sozinho como se mais ninguém tivesse a ver com a política de austeridade
do Governo. Por isso, novas interrogações se nos deparam: se a política seguida
pelo Governo era correta e estava em vias de dar os seus benfazejos resultados,
por que é que o seu principal responsável não esperou para colher ele próprio
os bons frutos dos sacrifícios que impusera ao povo português? Por que é que,
estando em vias de alcançar os tão desejados leite e mel da sua árdua caminhada
ele desertou, precisamente quando as trombetas do próprio Governo já anunciavam
que a terra prometida estava à vista? Algo está muito mal contado nesta
história. Ou estamos perante um homem que foge do seu próprio triunfo ou então
perante uma gigantesca fraude política como não há memória na história da
República.
O mais certo é
estarmos perante uma burla continuada ao povo português que, entre outros
efeitos, conduziu à entronização do setor mais aventureiro e oportunista do
próprio bloco do poder. Uma coisa é certa: a saída do antigo ministro das Finanças
possibilitou a ascensão de pessoas pouco recomendáveis devido aos escândalos em
que estão envolvidos. Algumas delas têm (senão as mãos, pelo menos) as
reputações manchadas pela suspeita de recebimento de luvas em aquisições de
equipamentos para o Estado, por swaps fraudulentos em empresas públicas e pela
fuligem de negociatas leoninas com o BPN.
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