Daniel Deusdado –
Jornal de Notícias, opinião
A superficialidade
da análise do primeiro-ministro não pode neutralizar a procura da
responsabilidade pelas mortes dos bombeiros e do alastrar de tantos incêndios.
Porque Pedro Passos Coelho tem razão em dizer que é precipitado e absurdo
procurarem-se os culpados em concreto, mas parecer ignorar que o Governo a que
preside tem pronta uma legislação que liberaliza a plantação de eucaliptos,
deitando gasolina em cima deste território despovoado, desertificado e pronto a
arder que é Portugal.
Se o
primeiro-ministro tivesse um pouco mais de profundidade no que diz - e não
apenas esta ligeireza endémica que o caracteriza -, saberia que é possível uma
resposta concreta e séria: olhar para o território de outra maneira e travar
este ciclo infernal de plantação de espécies que tornam a floresta num barril
de pólvora.
Porque,
evidentemente, Pedro Passos Coelho sabe que não é por acaso que o "Jornal
de Negócios" considera Pedro Queirós Pereira, presidente da principal
holding das celuloses portuguesas, a Semapa, como o 11.o homem mais influente
de Portugal. As celuloses instalaram em Portugal fábricas de tamanha capacidade
que, naturalmente, fomentaram o alastrar de povoamentos de eucaliptos que se
espalharam como uma doença. Não apenas por ser uma espécie de origem
australiana que atualmente já é invasora, ou seja, que se multiplica a si
própria e alastra como mancha de óleo, mas também porque foi muito fácil
seduzir os proprietários florestais a alinharem no cultivo de uma droga natural:
deixar os eucaliptos crescerem sozinhos e de sete em sete ou de dez em dez anos
mandar alguém cortá-los e receber um dinheiro certo (ainda por cima pouco).
Porque, na nossa
pobreza endémica, restam poucas vias à maioria dos proprietários dos terrenos:
ou se vende o terreno às celuloses (e aí não há incêndios); ou se plantam
eucaliptais para lhes vender a seguir a matéria-prima; ou ficam abandonados até
arderem e chegar o eucalipto espontâneo. Mesmo a indústria da biomassa, que foi
"vendida" como solução para a limpeza das matas, falhou. Não há quem
vá buscar os resíduos da limpeza porque são volumosos e não chegam para
rentabilizar o custo do transporte.
Mandar limpar um
hectare de mata custa mais de mil euros. A maioria dos proprietários não quer
ou não pode gastar esse dinheiro. Aliás, vai fazê-lo para quê? Para repetir
essa operação de dois em dois anos a bem da nação? E se arder, qual é o
problema, se as árvores que estão no terreno não servem para quase nada?
Portanto, que arda.
Diz o ministro da
Administração Interna que em parte é "natural" que a floresta arda. O
que é verdade - a floresta mediterrânica sempre ardeu de tempos a tempos como
fator de regeneração natural. Mas o drama destes incêndios do nosso tempo não é
apenas o fogo, é a sua velocidade. O eucalipto tem no fogo um amigo: ao arder
propaga-se cada vez para mais longe e ocupa o terreno das espécies naturais que
não se refazem com a mesma rapidez. Muitos destes fogos não são então
"naturais". São uma sucessão de erros governativos, década após
década, no território.
Poderíamos ir atrás
dos teorizadores da indústria do petróleo verde do cavaquismo e da via para
esta monocultura florestal. No essencial, o modelo funciona - é um êxito - e há
quem aplauda exportarmos muito papel. Nessa medida, morrerem bombeiros é um
dano colateral, como em qualquer país subdesenvolvido morrer gente em
atividades de risco. Mau para as famílias das vítimas mas apenas uma
circunstância de negócios. Portugal vende floresta (e bombeiros). Com um
orgulho anacrónico. A Portucel já é a terceira maior exportadora nacional.
Mudar algo, sr.
primeiro-ministro? É melhor não perguntar ao seu novo ministro do Ambiente. Não
vá ele dizer-lhe que o melhor é desistir da ideia de liberalizar a plantação de
eucaliptos em qualquer área do país. Não vá acontecer daqui a 10 anos estarmos
a perguntar como arderam vilas inteiras, já despovoadas, rodeadas de
"desertos" de árvores sem ecossistemas, em cima de campos outrora
agrícolas, junto a leitos de rios com algas geradas por sucessivas vagas de
cinzas. Um país ainda mais miserável no interior e com cada vez com menos água
limpa nas cidades. Culpados, sr. primeiro-ministro? Não. Nenhum. Nunca.
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