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O defensor dos
direitos humanos, Rafael Marques, acusa Manuel Vicente de exercer a função de
diretor duma empresa privada chinesa, apesar da incompatibilidade com o seu
cargo de vice-presidente.
A queixa-crime foi
entregue por Rafael Marques de Morais à Procuradoria-Geral da República em
Luanda no dia 8 de agosto de 2013 e baseia-se na alegada participação de Manuel
Vicente na empresa privada chinesa China-Sonangol International Holding
Limited.
Segundo Rafael
Marques, Manuel Vicente exerce atualmente a função de diretor na China-Sonangol
International Holding Limited. O cargo seria incompatível com as suas funções
de vice-presidente da República de Angola, alega Rafael Marques e cita a
definição de Incompatibilidades no artigo 138 da Constituição de Angola. Este
artigo proíbe para os Ministros de Estado, Ministros, Secretários de Estado e
Vice-Ministros “o exercício de funções de administração, gerência ou de
qualquer cargo social em sociedades comerciais e demais instituições que
prossigam fins de natureza económica".
Manuel Vicente, que
nasceu em 1956, foi diretor-geral da Sonangol, a empresa estatal de petróleos,
entre 1999 e 2012. Desde então exerce o cargo de vice-presidente de Angola. É
tido como um dos possíveis sucessores do Presidente José Eduardo dos Santos e
como um dos homens mais ricos e poderosos de África.
O alegado
envolvimento em negócios privados com empresas chinesas já foi documentado num
artigo da DW África do dia 28 de outubro de 2011. O documento explica o alegado
uso de empresas privadas chinesas por políticos angolanos para lucrar
pessoalmente da concessão de créditos chineses para a recuperação da
infraestrutura de Angola.
Republicamos o
artigo do dia 28 de outubro de 2011:
A teia da China
International Fund
A China
International Fund foi criada em 2003 e está sediada numa morada em Hong Kong,
na China. Faz parte do chamado grupo de Queensway e entrou em Angola numa altura
em que o país estava ainda a recuperar da guerra civil e precisava de
infraestruturas.
Segundo Deborah
Brautigam, professora na American University em Washington, nos Estados Unidos,
e autora do livro “The Dragon’s Gift”, “O Presente do Dragão”, fatores pessoais
terão influído na escolha da empresa chinesa: “Pelo que percebo, havia redes de
conhecimentos e relações pessoais entre as elites angolanas e alguns dos
responsáveis do grupo de Queensway. Eles conheciam-se”.
Segundo um
relatório de uma comissão do Congresso norte-americano, de 2009, a China
International Fund já providenciou pelo menos 2,9 mil milhões de dólares a
Angola para a reconstrução de infraestruturas.
Mas ainda hoje os
investigadores têm várias dúvidas quanto ao acordo feito com Angola. Deborah
Brautigam diz que não se sabe muito bem qual o tipo de acordo de que estamos a
falar. “O que sabemos é que a China International Fund é apenas um veículo de
um conglomerado que conhecemos como grupo de Queensway”, diz. “Uma série de
empresas que estão à procura de oportunidades. E há responsáveis em Angola que
também estão à procura de oportunidades de investimento”.
A teia de
relacionamentos entre as empresas do grupo Queensway, tal como é apresentada
num relatório do centro de estudos inglês Chatham House, de 2009, apresenta uma
certa complexidade. De acordo com o relatório, a China International Fund, que
foi criada em 2003, pareceria constituir o ramo de construção da Beya
International Development Ltd., uma companhia mãe da China Angola Oil Stock
Holding Ltd, que negociaria com o petróleo angolano e estaria ligada à China
Sonangol International Holding.
O mesmo relatório
refere ainda que a morada da China International Fund em Queensway, Hong Kong,
serviria também de endereço a outros empreendimentos comerciais com ligações a
Angola, incluindo a China Sonangol International Limited. Ainda de acordo com o
relatório da Chatham House, entre os diretores da China Sonangol International
Limited estaria Manuel Vicente.
Críticas à
transparência
Segundo a
investigadora da Universidade de Londres, Lucy Corkin, a China International
Fund tem financiado projetos em Angola, que utilizam o petróleo como colateral.
E isso funciona como garantia para o financiamento.
Tendo em conta a
sua investigação, Corkin comenta, no entanto, que “porque a China International
Fund parece estar a atuar como o financiador e o principal empreiteiro, isso
tem implicações na forma como o empréstimo é levado a cabo. Mas como ninguém
conseguiu ver o conteúdo dos contratos, é muito difícil perceber como eles
funcionam”.
A falta de
transparência é precisamente uma das críticas à China International Fund e ao
grupo inteiro das empresas de Queensway.
De acordo com
Rafael Marques, só há duas pessoas em Angola que deverão conseguir explicar o
que se passa com a China International Fund no país e para onde vai o dinheiro:
Manuel Vicente e o General Manuel Hélder Vieira Dias Junior "Kopelipa”.
Segundo o jornalista e ativista dos direitos humanos, “estes indivíduos
apresentam hoje uma fortuna incalculável. Sobretudo desde que começou este
projeto com os chineses. E criaram um império de várias empresas fazendo
investimentos colossais sem conseguirem explicar a proveniência desse
dinheiro”.
De acordo com a
revista inglesa The Economist, nos últimos sete anos o grupo de Queensway terá
assinado contratos avaliados em milhares de milhões de dólares por petróleo,
minérios e diamantes de África. A revista escreve num artigo de agosto de 2011
que estes acordos estão rodeados de secretismo e “parecem garantir ao grupo de
Queensway condições bastante favoráveis”.
Sobre a situação da
China International Fund em Angola, Rafael Marques diz que a empresa
normalmente atua “como intermediária”. Segundo Marques, “é o que os próprios
chineses aqui têm dito: Têm os projetos, que não vão a concurso público, e
depois inflacionam os valores das obras e subcontratam outras empresas chinesas
a um valor muito inferior àquele que o contribuinte angolano paga para estas
obras”.
Projetos de relevo
em Angola
Os projetos que
foram atribuídos à China International Fund podem ser consultados na página
online da empresa. Incluem a construção de mais de 215 mil unidades de
habitação, de autoestradas ou, por exemplo, da linha de caminho de ferro de
Benguela.
A linha de caminho
de ferro de Benguela, que atravessa o país de Benguela ao Luau, ainda não está
totalmente reconstruída, apesar da sua conclusão ter sido inicialmente
anunciada para agosto de 2007.
A investigadora
Lucy Corkin sugere um motivo para o atraso: “Segundo o meu entendimento sobre a
forma como o projeto estava a ser conduzido, este era visto como um
projeto-piloto. E decidiu-se avançar sem uma série completa de estudos de
praticabilidade”, conta. “Penso que muitos aspetos da reconstrução do caminho de
ferro não foram tidos em conta. Um deles, o facto de ser necessário desminar a
maior parte das áreas em que a linha ia ser reconstruída”.
Dificuldades de
financiamento
Mas as dificuldades
não ficaram por aqui. De acordo com Corkin, em 2007/2008 a China International
Fund teve também problemas financeiros.
Em outubro de 2007,
e na sequência de relatos sobre alegadas anomalias no funcionamento da linha de
crédito da China, o Ministério das Finanças angolano, emitiu um comunicado em
que afirma que tendo-se verificado alguns constrangimentos por parte do Fundo
Internacional da China em mobilizar financiamento para completar os projetos em
curso e para o início de novos, o governo instruiu o Ministério das Finanças
“no sentido de obter no mercado interno um financiamento de 3,5 biliões (ou mil
milhões) de dólares americanos através da emissão de Obrigações do Tesouro”.
Talvez a China
International Fund tenha tomado demasiados projetos em mãos, sugere Markus
Weimer, investigador da Chatham House, de Inglaterra, e um dos autores do
relatório “Sede de Petróleo Africano”:
“A reconstrução da
infraestrutura em Angola teve muitos reveses, também pelo facto de não se
conseguir transportar mercadorias pelos portos tão rápido quanto era preciso”,
conta. “Portanto, houve este género de impedimentos, que restringiram os
projetos e os atrasou. Talvez tenha sido um problema de gestão: prometeram
demasiadas coisas que não puderam concretizar”.
Benefícios?
Rafael Marques
coloca um ponto de interrogação quanto aos benefícios que os negócios entre a
China International Fund e Angola trouxeram para os angolanos: “Caso fosse um
negócio transparente, para o benefício do povo angolano, o governo seria o
primeiro a publicitá-lo. E o governo não o faz precisamente porque é um acordo
extremamente opaco e corrupto”.
Sendo assim, uma
maioria da população angolana sairia a perder com estes “negócios da China” com
cunho angolano.
Quando foi escrita
a versão original do artigo em 2011, contactámos a China International Fund e a
Sonangol, mas as empresas não responderam à nossa proposta de entrevista.
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