quinta-feira, 8 de agosto de 2013

QUEIXA-CRIME CONTRA VICE-PRESIDENTE DE ANGOLA MANUEL VICENTE

 

Deutsche Welle
 
O defensor dos direitos humanos, Rafael Marques, acusa Manuel Vicente de exercer a função de diretor duma empresa privada chinesa, apesar da incompatibilidade com o seu cargo de vice-presidente.
 
A queixa-crime foi entregue por Rafael Marques de Morais à Procuradoria-Geral da República em Luanda no dia 8 de agosto de 2013 e baseia-se na alegada participação de Manuel Vicente na empresa privada chinesa China-Sonangol International Holding Limited.
 
Segundo Rafael Marques, Manuel Vicente exerce atualmente a função de diretor na China-Sonangol International Holding Limited. O cargo seria incompatível com as suas funções de vice-presidente da República de Angola, alega Rafael Marques e cita a definição de Incompatibilidades no artigo 138 da Constituição de Angola. Este artigo proíbe para os Ministros de Estado, Ministros, Secretários de Estado e Vice-Ministros “o exercício de funções de administração, gerência ou de qualquer cargo social em sociedades comerciais e demais instituições que prossigam fins de natureza económica".
 
Manuel Vicente, que nasceu em 1956, foi diretor-geral da Sonangol, a empresa estatal de petróleos, entre 1999 e 2012. Desde então exerce o cargo de vice-presidente de Angola. É tido como um dos possíveis sucessores do Presidente José Eduardo dos Santos e como um dos homens mais ricos e poderosos de África.
 
O alegado envolvimento em negócios privados com empresas chinesas já foi documentado num artigo da DW África do dia 28 de outubro de 2011. O documento explica o alegado uso de empresas privadas chinesas por políticos angolanos para lucrar pessoalmente da concessão de créditos chineses para a recuperação da infraestrutura de Angola.
 
Republicamos o artigo do dia 28 de outubro de 2011:
 
A teia da China International Fund
 
A China International Fund foi criada em 2003 e está sediada numa morada em Hong Kong, na China. Faz parte do chamado grupo de Queensway e entrou em Angola numa altura em que o país estava ainda a recuperar da guerra civil e precisava de infraestruturas.
 
Segundo Deborah Brautigam, professora na American University em Washington, nos Estados Unidos, e autora do livro “The Dragon’s Gift”, “O Presente do Dragão”, fatores pessoais terão influído na escolha da empresa chinesa: “Pelo que percebo, havia redes de conhecimentos e relações pessoais entre as elites angolanas e alguns dos responsáveis do grupo de Queensway. Eles conheciam-se”.
 
Segundo um relatório de uma comissão do Congresso norte-americano, de 2009, a China International Fund já providenciou pelo menos 2,9 mil milhões de dólares a Angola para a reconstrução de infraestruturas.
 
Mas ainda hoje os investigadores têm várias dúvidas quanto ao acordo feito com Angola. Deborah Brautigam diz que não se sabe muito bem qual o tipo de acordo de que estamos a falar. “O que sabemos é que a China International Fund é apenas um veículo de um conglomerado que conhecemos como grupo de Queensway”, diz. “Uma série de empresas que estão à procura de oportunidades. E há responsáveis em Angola que também estão à procura de oportunidades de investimento”.
 
A teia de relacionamentos entre as empresas do grupo Queensway, tal como é apresentada num relatório do centro de estudos inglês Chatham House, de 2009, apresenta uma certa complexidade. De acordo com o relatório, a China International Fund, que foi criada em 2003, pareceria constituir o ramo de construção da Beya International Development Ltd., uma companhia mãe da China Angola Oil Stock Holding Ltd, que negociaria com o petróleo angolano e estaria ligada à China Sonangol International Holding.
 
O mesmo relatório refere ainda que a morada da China International Fund em Queensway, Hong Kong, serviria também de endereço a outros empreendimentos comerciais com ligações a Angola, incluindo a China Sonangol International Limited. Ainda de acordo com o relatório da Chatham House, entre os diretores da China Sonangol International Limited estaria Manuel Vicente.
 
Críticas à transparência
 
Segundo a investigadora da Universidade de Londres, Lucy Corkin, a China International Fund tem financiado projetos em Angola, que utilizam o petróleo como colateral. E isso funciona como garantia para o financiamento.
 
Tendo em conta a sua investigação, Corkin comenta, no entanto, que “porque a China International Fund parece estar a atuar como o financiador e o principal empreiteiro, isso tem implicações na forma como o empréstimo é levado a cabo. Mas como ninguém conseguiu ver o conteúdo dos contratos, é muito difícil perceber como eles funcionam”.
 
A falta de transparência é precisamente uma das críticas à China International Fund e ao grupo inteiro das empresas de Queensway.
 
De acordo com Rafael Marques, só há duas pessoas em Angola que deverão conseguir explicar o que se passa com a China International Fund no país e para onde vai o dinheiro: Manuel Vicente e o General Manuel Hélder Vieira Dias Junior "Kopelipa”. Segundo o jornalista e ativista dos direitos humanos, “estes indivíduos apresentam hoje uma fortuna incalculável. Sobretudo desde que começou este projeto com os chineses. E criaram um império de várias empresas fazendo investimentos colossais sem conseguirem explicar a proveniência desse dinheiro”.
 
De acordo com a revista inglesa The Economist, nos últimos sete anos o grupo de Queensway terá assinado contratos avaliados em milhares de milhões de dólares por petróleo, minérios e diamantes de África. A revista escreve num artigo de agosto de 2011 que estes acordos estão rodeados de secretismo e “parecem garantir ao grupo de Queensway condições bastante favoráveis”.
 
Sobre a situação da China International Fund em Angola, Rafael Marques diz que a empresa normalmente atua “como intermediária”. Segundo Marques, “é o que os próprios chineses aqui têm dito: Têm os projetos, que não vão a concurso público, e depois inflacionam os valores das obras e subcontratam outras empresas chinesas a um valor muito inferior àquele que o contribuinte angolano paga para estas obras”.
 
Projetos de relevo em Angola
 
Os projetos que foram atribuídos à China International Fund podem ser consultados na página online da empresa. Incluem a construção de mais de 215 mil unidades de habitação, de autoestradas ou, por exemplo, da linha de caminho de ferro de Benguela.
 
A linha de caminho de ferro de Benguela, que atravessa o país de Benguela ao Luau, ainda não está totalmente reconstruída, apesar da sua conclusão ter sido inicialmente anunciada para agosto de 2007.
 
A investigadora Lucy Corkin sugere um motivo para o atraso: “Segundo o meu entendimento sobre a forma como o projeto estava a ser conduzido, este era visto como um projeto-piloto. E decidiu-se avançar sem uma série completa de estudos de praticabilidade”, conta. “Penso que muitos aspetos da reconstrução do caminho de ferro não foram tidos em conta. Um deles, o facto de ser necessário desminar a maior parte das áreas em que a linha ia ser reconstruída”.
 
Dificuldades de financiamento
 
Mas as dificuldades não ficaram por aqui. De acordo com Corkin, em 2007/2008 a China International Fund teve também problemas financeiros.
 
Em outubro de 2007, e na sequência de relatos sobre alegadas anomalias no funcionamento da linha de crédito da China, o Ministério das Finanças angolano, emitiu um comunicado em que afirma que tendo-se verificado alguns constrangimentos por parte do Fundo Internacional da China em mobilizar financiamento para completar os projetos em curso e para o início de novos, o governo instruiu o Ministério das Finanças “no sentido de obter no mercado interno um financiamento de 3,5 biliões (ou mil milhões) de dólares americanos através da emissão de Obrigações do Tesouro”.
 
Talvez a China International Fund tenha tomado demasiados projetos em mãos, sugere Markus Weimer, investigador da Chatham House, de Inglaterra, e um dos autores do relatório “Sede de Petróleo Africano”:
 
“A reconstrução da infraestrutura em Angola teve muitos reveses, também pelo facto de não se conseguir transportar mercadorias pelos portos tão rápido quanto era preciso”, conta. “Portanto, houve este género de impedimentos, que restringiram os projetos e os atrasou. Talvez tenha sido um problema de gestão: prometeram demasiadas coisas que não puderam concretizar”.
 
Benefícios?
 
Rafael Marques coloca um ponto de interrogação quanto aos benefícios que os negócios entre a China International Fund e Angola trouxeram para os angolanos: “Caso fosse um negócio transparente, para o benefício do povo angolano, o governo seria o primeiro a publicitá-lo. E o governo não o faz precisamente porque é um acordo extremamente opaco e corrupto”.
 
Sendo assim, uma maioria da população angolana sairia a perder com estes “negócios da China” com cunho angolano.
 
Quando foi escrita a versão original do artigo em 2011, contactámos a China International Fund e a Sonangol, mas as empresas não responderam à nossa proposta de entrevista.
 
Leia mais em Deutsche Welle
 

Sem comentários:

Mais lidas da semana