Urariano Mota, Recife
– Direto da Redação
Recife (PE) - Nas
notícias do voto do ministro Celso de Mello, boa parte da grande mídia preferiu
destacar um aparente desprezo do ministro pela opinião pública. Segundo
jornalistas dos veículos de grande massa, Celso de Mello, ao desempatar no STF
uma decisão a favor dos réus, teria agido como um ser imperial, ou imperador,
que dá as costas ao povo e à cidadania. Calma, amigos, esse tipo de relato que
acusa pela distorção é típica de madrastas de cruéis quadros da infância.
Maledicência de menos e mais verdade e justiça seriam bem-vindas.
Notem que antes do
esperado voto de minerva, ninguém viu ou leu nos magníficos colunistas qualquer
condenação às artimanhas da sessão anterior de 11 de setembro, quando os
ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa manobraram para adiar
o voto que adivinhavam discordante para outro dia. Nada demais, até porque
esses modelos de moralidade articulavam com o maior desembaraço a favor da
condenação dos réus, na maior cara de pau e chicana. Mas tudo conforme a ética
de torcedores de time de futebol, para que desabassem sobre Celso de Mello as
mais desonestas e covardes pressões, da mídia, dos amigos e da população.
Nos artigos de
hoje, nas reportagens, perde-se uma oportunidade de ouro para analisar os
conflitos entre ética pública e privada. Eu deveria escrever, para ser mais
preciso, ética da privada. Seria um oásis para a inteligência e sensibilidade
de todo o povo se comentassem os julgamentos do passado que na verdade foram
autênticos linchamentos, na justiça cega das ruas, que terminavam em forca,
sangue, faca e pedras. Seria didático trazer para o grande público a discussão
da peça Um Inimigo do Povo, de Ibsen, onde um médico honrado se vê transformado
em inimigo público número 1 de uma cidade, pela simples razão de falar a
verdade contra os interesses comerciais do lugar.
Mas devo estar
sonhando. Menos, voltemos ao chão. O fato é que não se atentou para um momento
raro de homem público, que se envolveu ele próprio no destino comum dos réus ao
atrair contra si a fúria de um linchamento político. Preferiram, os formadores
de opinião, destacar o trecho em que o ministro afirma que as decisões
judiciais não podem se curvar às manifestações do povo, uma vez que “O
Judiciário não pode se contaminar pela opinião pública”, conforme o relato
maldoso das madrastas de contos infantis.
Cabe uma pergunta:
que diabo é mesmo essa tal de “opinião pública”? Os dicionários a definem como
“o conjunto de todas as ideias, opiniões, critérios de valor etc. de uma
sociedade, com relação a qualquer campo de interesse”. Ou desta maneira: “a
opinião prevalecente da maioria dos membros de uma sociedade sobre determinado
assunto, e que expressa sua vontade, seu critério, sua tendência”. Mas esse não
é o conceito de “opinião pública” dos grandes comunicadores. No que se refere
ao julgamento de petistas no STF, a maioria dos jornais confunde opinião
pública com opinião publicada. Se os editores olhassem mais críticos para suas
“cartas à redação”, veriam a partir delas que as letras saídas nos jornais não
são bem a voz da sociedade, porque mais de uma vez as cartas se inventam. As
opiniões ali são falsas ou por claro exercício da mentira, ou por seleção
rigorosa do que interessa publicar, o que é outra forma de invenção. Disso os
editores até sabem. Digamos, numa concessão à sua inocência, que eles parecem
não ver é outra coisa.
Na verdade, os
formadores de opinião, os mais bem pagos jornalistas brasileiros moram bem
longe do povo do Brasil. Em mais de um sentido, alguns repórteres e colunistas
se tornam desfazedores da opinião. Em um sentido familiar, nordestino, desfazem
de, zombam, diminuem, depreciam a opinião pública. A verdade, acreditam, é aquilo
que o jornal noticia. A verdade é a sua versão, repetida até o limite que
sature, até um limite que, aí sim, gere descerebrados. "O sucesso de um
jantar é o que sair no jornal", falam. Ou seja, o leitor seria um perfeito
idiota, uma tábula rasa, que receberia passivo a imagem e as palavras que lhe
forem impressas. A opinião pública é a opinião da imprensa, acreditam, e caem
no mais profundo erro.
Daí que em lugar de
uma análise pedagógica, de uma discussão política e filosófica, sonha, menino,
os formadores preferem açular a massa contra o PT e passam a incentivar
opiniões do gênero “ladrão comum, no Brasil, vai para a cadeia, já os políticos
petralhas fazem dos tribunais um circo”. E concluem que o voto do ministro
Celso de Mello levou a quadrilha de mensaleiros a zombar do povo brasileiro.
Mas nem tudo está perdido, amigos. Recomendo aos raros leitores que passem um
olho, pelo menos no resumo de Um Inimigo do Povo, aqui Clique aqui . Nada mais pedagógico hoje, neste momento
dos 92 anos do educador Paulo Freire.
É pernambucano,
jornalista e autor dos livros "Soledad no Recife" e “O filho renegado
de Deus”. O primeiro, recria os últimos dias de Soledad Barrett. O segundo, seu
mais novo romance, é uma longa oração de amor para as mulheres vítimas da
opressão de classes no Brasil.
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