Mário Augusto
Jakobskind – Direto da Redação
Qual a semelhança
entre o deputado Natan Donadon, do PMDB, que está cumprindo pena por peculato e
formação de quadrilha no presídio de Papuda, em Brasília, e o Senador boliviano
Roger Pinto Molina, que conseguiu fugir da embaixada brasileira em La Paz e
percorrer 1600 quilômetros sem ser molestado?
Donadon foi poupado
pelos seus pares e não perdeu o mandato parlamentar. Tanto o deputado
brasileiro como o senador boliviano juram inocência. Pergunta-se: qual o réu
acusado por crimes de corrupção admite culpa?
Roger Pinto Molina
já estava condenado a um ano de prisão em um processo por corrupção e deveria
responder a outros 20. Além de ser acusado de crimes ambientais, Molina
responde na Justiça por delitos econômicos no valor de 6 milhões de dólares,
cometidos quando governou o Departamento de Pando.
O Senador boliviano
também está envolvido em um massacre que resultou na morte de 13 indígenas e em
centenas de feridos. Ou seja, o parlamentar boliviano não é propriamente um
perseguido político, da mesma forma que o deputado brasileiro.
Esteve mais de 15
meses na Embaixada brasileira, tendo recebido asilo político pelo governo de
Dilma Rousseff, mas não salvo conduto por parte da Bolívia. Na semana passada,
em uma operação rocambolesca, que tem todos ingredientes de participação de
serviço de inteligência associado com setores conservadores do brasileiro e
boliviano, Molina ingressou em território do Brasil e em seguida foi de avião
particular para Brasília em companhia do Deputado Ricardo Ferraço, presidente
da Comissão de Relações Exteriores do Senado.
O coordenador da
operação de fuga, o encarregado de negócios brasileiro em La Paz, diplomata
Eduardo Saboia, passou a ser considerado pela mídia de mercado um “herói”. Os
defensores da fuga chegaram a alegar que a ação foi feita por “razões
humanitárias”, já que Molina estava doente e em estado de depressão. Tão doente
que ao chegar ao Brasil nem um médico foi procurar e a sua alegria não lembrava
em nada o “estado depressivo” alegado.
Os defensores de
Molina, alguns colunistas de sempre, estão sendo contraditórios. Enquanto
criticam com toda a veemência o fato de a Câmara dos Deputados ter mantido o
mandato do parlamentar presidiário Donaton, defendem com o máximo ardor o agora
ex-Senador Molina, na verdade, não propriamente um perseguido político, mas sim
um acusado, que tem todo o direito de defesa, de delitos econômicos contra a
nação boliviana e de direitos humanos.
Baseado em
informações incorretas da própria representação diplomática brasileira em La
Paz, o Itamaraty aprovou a concessão do asilo político, portanto não a um
perseguido político, mas a um político acusado de corrupção. O então Ministro
Antonio Patriota poderia ter recorrido a outras fontes antes de levar a posição
ao governo e conceder o asilo político. Patriota, agora ex-ministro virou
embaixador na ONU.
Esse episódio
lembra o modo de agir bizarro do conservadorismo brasileiro, que defendeu uma
ação militar contra o governo de Evo Morales quando a Bolívia decidiu defender
os seus interesses e adotar medidas restritivas contra a ação da Petrobras.
Ninguém foge de um
país percorrendo mais de 1600 quilômetros sem ser admoestado. É preciso saber
quem protegeu o senador. Se isso não for feito, seguirá pairando a dúvida de
que a ação foi mesmo coordenada por grupamentos conservadores interessados em
criar fatos no sentido de impedir a continuidade da integração
latino-americana, que passa pelo entendimento entre brasileiros e bolivianos.
E quem estaria
interessado em dividir as nações latino-americanas se não os setores
conservadores associados aos serviços de inteligência dos Estados Unidos, cujo
governo pretende que o nosso continente volte a ser o pátio traseiro ou quintal
de Washington, como declarou recentemente o secretário de Estado
norte-americano, John Kerry?
Uma pergunta que
não quer calar: se por um acaso o deputado-presidiário Natan Donadon para fugir
da sentença que o condenou a 13 anos de prisão pedisse asilo político a uma
embaixada estrangeira no Brasil, qual seria a reação popular e das autoridades?
E o que diria a mesma mídia de mercado que tenta incutir na opinião pública que
Roger Molina é um perseguido político?
“Você finge que
aprende e eu finjo que ensino” - As recentes declarações da professora e
doutora da Faculdade de Direito de São Paulo, Maristela Basso sobre o episódio
da fuga do senador boliviano remetem ao que dizia o saudoso mestre Darci
Ribeiro ao criticar a academia: “você finge que aprende eu finjo que ensino”.
A professora
doutora disse que “a Bolívia é insignificante em todas as perspectivas. É um
país, sim, que tem uma fronteira enorme com o Brasil, são nossos vizinhos que
têm maior fronteira terrestre, mas nós não temos nenhuma relação estratégica
com a Bolívia, nós não temos nenhum interesse comercial com a Bolívia”. E ainda
por cima acrescentou: “os brasileiros não querem ir para a Bolívia. Os
bolivianos que vêm de lá vêm tentando uma vida melhor aqui, [eles] não
contribuem para o desenvolvimento tecnológico, cultural, social e
desenvolvimentista do Brasil. Então, Bolívia é um assunto menor”.
Além de demonstrar
racismo e preconceito, a professora doutora, fã de Fernando Henrique Cardoso,
simplesmente demonstrou ignorância sobre o fato de que três quartos do gás
natural consumido pelas indústrias paulistas provêm da Bolívia, por um gasoduto
de mais de 3.000 quilômetros.
Se estivesse entre
nós mestre Darci Ribeiro certamente repetiria o que disse ao longo dos anos.
*É correspondente no
Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da
Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o
Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros,
de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE
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