Alcídio Montóia
Pereira – Téla Nón, opinião
Angola ofereceu
burros, bois (e vacas, presumo) vieram do Brasil e porcos não sei de onde
vieram, nem de quem foi a oferta, se é que foi oferta. Galinhas, patos, pombos,
ovelhas e cavalos; não sei de onde virão, nem se foram ou serão convidados para
essa festa do (re)nascimento da pecuária em STP, na busca do quixotesco
objectivo da auto-suficiência alimentar.
Outra hipótese, que
não deixo de lado, é estarmos perante o ensaio de uma versão nacional do famoso
conto de George Orwell, “Animal Farm” (“O Triunfo dos Porcos”, na versão
portuguesa). Se for esse o caso, trata-se de uma reposição, porque já vimos, e
sentimos na pele, essa peça em 1974 e anos seguintes.
Para além dos
bichos, o eterno potencial setor do turismo também esteve na berlinda; houve
uma providência cautelar sobre o caso Agripalma; sob a chancela da Universidade
Lusíada de STP foi publicado “Olhares Cruzados Sobre a Economia de São Tomé e
Príncipe” e, infelizmente, a empresa agrícola Diogo Vaz entrou em insolvência.
O elo de todos
estes assuntos acaba por ser a economia, ou melhor a ausência dela. Esta
encruzilhada, impasse, arrasta-se há já quase 40 anos, num acumular de falsas
partidas, inúmeros casos de insucesso, polvilhado aqui e ali por outros de
sucesso, estes últimos, grande parte, verdade seja dita, por obra e graça de
estrangeiros.
Na agricultura e na
pecuária, por ordem, tentativamente, cronológica, a nacionalização das roças
redundou num monumental falhanço, chineses tentaram cultura de arroz, cubanos
devastaram cafezal e impingiram matabala, a reintrodução de porcos após o surto
da febre suína africana em 1979 começou bem e acabou mal (resta alguma coisa
desse projeto?) o mesmo sucedendo com os aviários (resta algum?). O que ainda
existe do projeto da Mesquita? O palmar de Ribeira Peixe virou ôbô e hoje
ninguém quer que ôbô volte a ser palmar!
A reabilitação das
roças redundou em contratos de gestão ruinosos para o país. Já em desespero de
causa, partiu-se para a disparatada entrega de terras a poucos que dela
precisavam e sabiam cuidar, a muitos que dela precisavam mas que não sabiam
cuidar e sobretudo a uma infinidade de gente que não precisava nem percebia
pevas de agricultura. Voltou-se a experimentar bovinos e suínos e… nada parece
vingar e multiplicar.
Restam umas quantas
cabeças de gado “candrezado” e fustigado por mosquitos e carraças. O cacau,
essa famigerada herança, lá vai percorrendo a sua via sacra rumo ao crucifixo.
Mais um passo foi dado com o anúncio da insolvência da Roça Diogo Vaz, pondo
fim às roças, tal como existem na nossa memória coletiva. Por agora está na
estação do cacau biológico, no estoicismo de Cláudio Corallo e no renascimento
prometido pelos novos operadores que entraram em cena.
É frustrante esse
quadro de falhanço coletivo, mas no qual insistimos em encontrar aspectos
positivos para enaltecer as “conquistas” alcançadas nestes 38 anos. Só muda
quem está desconfortável. Sinto que em STP são demasiados os acomodados, para
não dizer satisfeitos, com a atual situação, ou não suficientemente cientes que
pouco ou nada progredimos e que não estamos melhor que em 1974.
Os paralelismos com
o fim do ciclo da cana-de-açúcar são cada vez mais evidentes e dolorosos. O
efémero reino do Amador no séc. XVI o que conseguiu foi dar a machadada final
na então já decadente produção de cana-de-açúcar. Apressou ainda mais a
debandada de brancos e de mestiços rumo ao Brasil. Poucos anos volvidos, os
engenhos foram soçobrando, um após outro, a selva voltou a tomar conta das
ilhas.
A agricultura
sucumbiu, a sociedade atrofiou-se, ficando acantonada na cidade de São Tomé e
vilas limítrofes (Trindade, Madalena, Santana e Guadalupe). O resto era
paisagem e refúgio para mocambos, fugidos e angolares, que viviam daquilo que a
terra e o mar davam e quando não davam, atacavam as vilas e a cidade. As
cíclicas clivagens entre governadores e bispos recrudesceram. Nada sobrou dessa
sociedade ancestral assente na cana-de-açúcar. Visão colonialista e retrógrada?
Certamente, mas não tem o seu quê de verdade?
Salvaguardando o
detalhe de que somos hoje independentes e das vantagens da(s) modernidade(s ),
não são evidentes as semelhanças? O mesmo declínio (desta feita do cacau),
seguido de uma “revolução” (bem sucedida, deste feita), debandada de brancos e
(também) de mestiços, seguida do colapso da agricultura de plantação, regresso
em força do ôbô, concentração da população na cidade, regresso a uma economia
de recolecção e completa dependência do exterior…
Entre o açúcar e o
cacau andamos meio perdidos durante mais de 2 longos séculos, até que regressaram
brasileiros e portugueses com a cultura do cacau e café.
Uma sociedade
minimamente saudável não consegue sobreviver com tanta acumulação de
insucessos. Deita abaixo qualquer sentimento patriótico e baixa inexoravelmente
a auto-estima individual e colectiva.
É essa a maldição
de decapitar sistematicamente a economia que temos que (saber) quebrar. Não é
glorificando Amador e afins, nem com exercícios de sublimação de defeitos em
qualidade, na vã tentativa de elevar o nosso orgulho, que ultrapassamos essa
espécie de “karma”, mas sim começando por matar o “forro” que há em cada um de
nós.
Pese embora o meu
ceticismo quanto a políticas de substituição de importações, não entender essa
obsessão pela auto-suficiência alimentar em países com as características de
STP e de ainda não encontrar um fio condutor naquilo que se pretende para a
agricultura no país; desejo a melhor das sortes aos bichos e que nos ajudem a
quebrar a maldição.
SubVersivamente
Alcídio Montóia
Pereira
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