Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
Nunca as palavras
igualdade e equidade foram utilizadas de forma tão manipulada e subvertida. Não
há medida do Governo que vise cortar nos salários, nas pensões de reforma, nos
subsídios de desemprego, nas mais diversas prestações sociais, nas condições de
emprego, no acesso à saúde ou ao ensino, nos mais variados direitos das
pessoas, que não seja embrulhada em pretensos objetivos de
"igualdade" e "equidade".
A cada dia,
descemos um degrau no patamar do desenvolvimento da sociedade portuguesa - é o
caminho para uma "equidade" sustentada na injustiça e na pobreza.
Como repetidamente digo, estamos a construir uma harmonização no retrocesso.
A democratização da
sociedade, o progresso social, o desenvolvimento mais harmonioso e humano que
se conseguiu construir em Portugal tomaram, como em qualquer outro país, as
políticas do trabalho e do emprego, da saúde, da educação e formação, da
segurança e proteção social, da igualdade nas suas múltiplas expressões, da
criação e sustentação de infraestruturas de base e da prestação de serviços
essenciais, como políticas que devem assegurar condições de mobilidade social.
Esta mobilidade procura assegurar a grandes massas de indivíduos a passagem a
um patamar um pouco melhor na escala social e propiciar, a toda a sociedade,
avanços com sentido progressista.
Ora, as receitas do
Governo e da troika que o comanda têm assentado na identificação de diferenças
entre as condições das pessoas - excluindo os detentores de efetivo poder e
riqueza - para se definir o menor denominador comum. Trata-se de um nivelar por
baixo, produzindo uma mobilidade descendente. A maioria empobrece em nome da
igualdade e da equidade, mas uns quantos ficam cada vez mais ricos.
Arrepia qualquer
português minimamente informado ouvir, ver e ler, nos últimos dias, as milhares
de repetições da palavra "convergência", a propósito do corte injusto
e ilegal (porque de absoluta unilateralidade e contra a legitimidade
democrática) que o Governo quer aplicar aos futuros e atuais pensionistas da
Caixa Geral de Aposentações.
A estes reformados,
em dois anos, é diminuído o valor das pensões, de forma direta, entre 13,5% e
20%, se contarmos com a "Contribuição Extraordinária de
Solidariedade" que já é aplicada este ano e que o ministro Poiares Maduro
considera se manterá, "em princípio", no futuro.
A estes cortes
associam-se mecanismos de degradação do valor futuro das pensões. Tudo
apresentado como atos de justiça e de convergência. A favor de quem?
Quando analisamos o
setor do ensino, observamos que o abaixamento das condições de vida das
pessoas, o desemprego, a redução dos salários e das pensões, a emigração, o
encerramento de empresas, fizeram desaparecer, sem deixar rasto, muitos
milhares de potenciais alunos para as nossas escolas. Agora, qualquer cidadão
menos atento aplaude a ideia de que se há menos alunos, não é preciso contratar
professores.
Entretanto, os
professores foram sendo estigmatizados como privilegiados e pouco ocupados. E
os fazedores de opinião de serviço não se cansaram de zurzir na escola pública.
Criaram-se assim condições para constituir turmas enormes, acabar com
disciplinas "sem utilidade", com apoios ao estudo e ao funcionamento
estabilizado das escolas e para lançar essa medida de retrocesso conceptual do
sistema de ensino que é o cheque-ensino.
É uma burla afirmar
que se vai assegurar às famílias a igualdade e a liberdade de escolha de escola
para os seus filhos. A liberdade afirmada sem reconhecimento das diferenças em
que os cidadãos - neste caso, as crianças e as suas famílias - se encontram, oprime,
não liberta.
A uma escola
privada pode dar jeito ter alguns poucos casos de alunos carenciados para
publicidade, mas as "leis do mercado" por que se rege, o objetivo do
lucro, jamais lhe permitem ser uma escola de qualidade para todos.
O que está em curso
no nosso país é um programa violento de austeridade associado a um processo de
privatização de tudo o que possa dar lucro, de liberalização, de transformação
profunda do país debaixo de uma conceção ideológica que põe em causa o Estado
de direito democrático e nos fará regredir.
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