Fernando Santos –
Jornal de Notícias, opinião - ontem
Um Estado de
direito rege-se por princípios. Uma república das bananas sobrevive sem rei nem
roque, apunhalando os seus cidadãos comuns sempre e quando for essa a
conveniência dos interesses instalados.
Custa admiti-lo, mas
o Portugal de hoje descarta princípios basilares. O estatuto de país falido
tende a ser justificação para falta de palavra e honradez, como se as decisões
arbitrárias, sustentadas por um discurso demagógico e fomentador de lutas entre
gerações ou classes socioeconómicas, fossem via para resolver os problemas.
Consta de qualquer
manual político: os impostos são a forma transversal e justa de proceder a
equilíbrios na sociedade, transferindo valor económico e condições sociais dos
mais para os menos abastados. Em Portugal, infelizmente, está a enveredar-se
por surripiar aos mais fracos - até no poder reivindicativo.
O que se está a
passar no âmbito da Segurança Social é paradigmático de um país governado por
gentalha capaz de tudo.
Não obstante
pagarem impostos, milhões de cidadãos (e empresas) contribuíram durante dezenas
de anos para os cofres da Segurança Social e da CGA, sob um contrato através do
qual entregaram o esforço do seu trabalho convencidos de uma série de
garantias: subsídios de doença e de desemprego, reforma e, já agora, pensões de
sobrevivência. Mês a mês, descontaram uma percentagem para cada uma dessas
alíneas, longe de imaginarem a hipótese de serem alvo de terrorismo. E no
entanto...
O caso das pensões
de sobrevivência atribuídas a 850 mil portugueses espelha bem o estado a que
chegou o país. Apoiado por bandos de irresponsáveis politicamente corretos, o
Governo anuncia cortes e tenta justificá-los em nome de uma pseudomoral: a de
que, por exemplo, quem recebe dois ou três mil euros - e entregou em tempo
oportuno dinheiro ao Estado a justificá-los agora - vai ficar sem uma parte.
Isto é: não é tolerável roubar a carteira a um viúvo pobre mas é possível -
desejável - fazê-lo a um viúvo rico! Descobriremos um dia destes, enfim, haver
ladroagem boa e ladroagem má.
O que se está a
passar é do domínio da mais absoluta rapina, material e moral.
O(s) Governo(s), a
começar pelo de Paulo Portas, pode(m) tentar disfarçar, mas sem defesa
possível. Tem em curso a implosão da Segurança Social, enveredando por
princípios assistenciais dispensáveis. Uma contribuição paga de boa-fé jamais
deve ser substituída pela admissão de condições de recurso.
P.S. O leitor
subscreve um depósito a prazo com um banco a troco de x de juros anuais. Se
amanhã o banco lhe disser que deixa de lhe pagar os tais juros, que tal? E se a
subscrição de uma apólice de seguros automóvel for suspensa e a companhia
vinculada lhe exigir que prove ser pobrezinho sob pena de não ter direito a ser
indemnizado por lhe terem sacado o autorrádio? Como classificaria? É isso. Não
há ladroagem de primeira e de segunda.
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