terça-feira, 8 de outubro de 2013

Portugal: NEM OS MORTOS ESCAPAM

 

Eduardo Oliveira Silva - jornal i, opinião
 
Nasceu uma TSU para viúvos, viúvas e órfãos. Antes repor o imposto sucessório
 
O corte nas pensões de viuvez e de orfandade (genericamente chamadas de sobrevivência, e mal) é um atentado à palavra dada, que, aliás, começou pela imprópria escolha do nome.
 
Ora essas pensões são legados deixados a quem de direito pelos que partiram para que os que ficam tenham amparo e não percam muita qualidade de vida.
 
O princípio é esse e ponto final. Tanto faz que a pensão seja de quinhentos como de 5 mil euros. É englobada nos rendimentos sujeitos a IRS. Se é baixa paga pouco; se é alta pode atingir o escalão máximo, cerca de 50%. Nada mais justo. Além disso, as pensões que agora se ataca nunca atingem 100% do vencimento do falecido, antes andam normalmente pelos 60% no caso de viuvez, o que é um valor sensato, podendo ser mais no caso de orfandade.
 
Com o anunciado novo sistema pode dar-se o caso de um pensionista acumular quatro penalizações: o aumento do IRS, a contribuição extraordinária, a convergência das pensões, e agora isto.

Comparar o caso das pensões deixadas a cônjuges e descendentes com outras, como se está a tentar fazer, é misturar só para criar confusão, porque muitas pequenas pensões devem sair do Orçamento do Estado já que se destinam a quem por vezes nunca fez qualquer desconto. São pensões que vêm do regime assistencialista. As que estão agora em causa resultam de contribuições, ou seja, de dinheiro que foi entregue ao Estado. Entre umas e outras não há comparação. Numas o Estado dá, noutras o Estado paga porque recebeu.
 
Atacar estas pensões tem o mesmo valor simbólico que proibir as heranças ou taxá-las de forma absurda, como acontecia até há alguns anos. Em rigor, herdar até não é propriamente uma resultante de mérito, pelo que em termos de justiça relativa um imposto sucessório alto não era certamente mais injusto. Mas mexer nisso ia gerar um problema com alguns potentados familiares que são os verdadeiros donos de Portugal.
 
Do ponto de vista constitucional, é provável que uma medida desta natureza seja uma violação do princípio da confiança, pelo que os juízes do Palácio Ratton têm de se preparar para novo rol de pressões.

A semana passada, quando falou ao país, Paulo Portas não teve a hombridade de falar do assunto, arquivando assim para todo o sempre o discurso democrata-cristão dos defensores da família, dos pensionistas e dos contribuintes.
 
Foi aliás uma estratégia comunicacional já gasta. Primeiro a medida foi escondida. Depois foi posta na imprensa ao fim-de-semana, mas sem pormenores e pontuada com intervenções de dois ministros, Mota Soares e Poiares Maduro, cada qual mais vago e atabalhoado.
 
Por estes dias os pormenores são ainda escassos para que quem governa possa dizer que quem fala do assunto não tem os dados todos. Pois não. Mas quem está seriamente na política não pode atirar medidas cá para fora para ver o efeito e preparar o ambiente. E também não é lícito tentar baralhar a opinião pública confundindo isto com pensões escandalosas, como as de algumas castas que recebem desproporcionalmente em relação ao tempo e ao montante dos descontos efectivos, ou contar a história dos caçadores de pensões que casam com idosos para ficar com a pensão. São casos extremos e pontuais que vêm à baila para justificar generalizações.

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