Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Saberia toda a
gente que, com os atuais indicadores financeiros e económicos, só poderíamos ir
aos mercados com o apoio do BCE ou do Mecanismo Europeu de Estabilidade,
garantido desde o anúncio de 2012. Anúncio que teve, aliás, um efeito positivo
nos juros das dívidas de todos os países intervencionados. Vale sempre a pena
recordar, para prevenir oportunismos argumentativos de circunstância, que todas
as variações fundamentais dos nossos juros dependeram de condicionantes
externas e não dos nossos dramas domésticos. Mas este apoio, que passa por
garantias de segurança dadas aos mercados, dependerá da aceitação de condições
e metas por parte do governo português. Mais coisa menos coisa, não andarão
longe das da troika. Ou seja, a autonomia portuguesa não seria muito diferente
da que teria com um segundo resgate. Portugal poderia vir a ter condições um
pouco menos apertadas, mas estaria mais exposto às pressões dos mercados e
pagaria, em princípio, juros mais altos. Já não sei do que falava Pires de Lima,
no meio de afirmações e desmentidos. Mas é a isto que podemos chamar de
programa cautelar, seja qual for a modalidade encontrada.
Uma coisa o
programa cautelar não é de certeza: o fim do "protetorado" e a
autonomia prometida, depois de todos os sacrifícios. Vender este novo programa,
no momento em que deveríamos ficar livres da intervenção externa, como uma
vitória e não como a demonstração de que a receita que aplicámos nos últimos
três anos não atingiu os seus objetivos é de mestre. Com segundo resgate ou
programa cautelar, o fundamental da política portuguesa continuará a ser
determinada no exterior. E toda ela continuará a centrar-se nos interesses
imediatos dos credores, ignorando a sustentabilidade económica do país.
Chamar a um
processo que dependerá da disponibilidade de financiamento e das condições
impostas pelo BCE e pela Comissão Europeia de "pós-troika", só se for
pela saída de cena do FMI. No fundamental, Comissão e Banco Central continuarão
a decidir quase tudo.
Para este programa
cautelar entrar em vigor, o governo teria de ter notas positivas até junho de
2014. Isso não deverá ser problema. Todos os números deste orçamento e todas as
previsões da troika são conscientemente aldrabados. Apenas um entre muitos
exemplos: apesar dos brutais cortes nos rendimentos de reformados e
funcionários públicos, o consumo privado, nestas cabeças delirantes, irá
estabilizar. Não é de prever, por isso, que a troika vá pôr fim a esta farsa,
onde a avalia sua própria incompetência com base numa completa falta de rigor e
de realismo.
Mas os recados
começaram a chegar: se o Tribunal Constitucional chumbar as medidas
apresentadas (sendo que o chumbo de pelo menos uma delas - os cortes salariais
na função pública - só não acontecerá se o TC der uma enorme cambalhota em
relação ao disse no passado) será difícil evitar o segundo resgate. Ou seja, é
fundamental que o nosso Tribunal Constitucional se demita das suas funções.
Depois, teremos de esperar pela decisão do Tribunal Constitucional alemão, que
aprovará ou não a existência de um fundo de resgate. Ou seja, temos de
continuar a tolerar as pressões externas sobre o nosso Tribunal Constitucional
e esperar pacientemente pela decisão do Tribunal Constitucional deles, esse
sim, merecedor de respeito institucional. Porque o nosso é formado por
"ativistas" e o deles por juízes.
Vale a pena
desdramatizar. Apesar de, este ano, termos ficado a léguas da sacrossanta meta
do défice, a troika continua a querer que Portugal não tenha um segundo
resgate. É uma decisão política sem qualquer relação com a nossa desastrosa
prestação económica e financeira. Se o diretório europeu quiser mesmo que
Portugal tenha um programa cautelar, Portugal terá um programa cautelar. Com ou
sem chumbo do Constitucional português (já a decisão do TC alemão é crucial).
Porque nesta decisão não é Portugal, mas a própria credibilidade das
instituições europeias, que está em causa.
A decisão de
garantir para Portugal e para a Irlanda um programa cautelar, que a Grécia não
teve, é uma forma desesperada de esconder que fizeram aqui a mesma borrada que
fizeram na Grécia. E, no entanto, cá estão os indicadores sociais e económicos
para o desmentir. Não digo que não seja preferível o programa cautelar ao
segundo resgate. Tem, como disse, vantagens e desvantagens. Digo apenas que
virá ou não virá independentemente do que der nós. Porque é determinado por
razões que nos são estranhas.
Do lado português,
Passos Coelho também precisa desesperadamente disto. Enquanto o segundo resgate
obrigaria, como obrigou o primeiro, à demissão do governo, o programa cautelar
pode ser vendido como um novo ciclo. E é isso, e não o interesse nacional, que
determinará o comportamento negocial deste governo.
O primeiro resgate
foi uma decisão política da Europa. Que decidiu não travar a crise na Grécia,
usando instrumentos rápidos de solidariedade europeia. Em vez de estancar a
crise, tratou de isolar os países mais frágeis, em fortíssima dificuldades por
causa da crise financeira internacional: Grécia, Irlanda e Portugal. Para controlar
a situação, o BCE fechou a torneira aos bancos nacionais que nos continuavam a
comprar dívida, pondo o Estado português entre a espada e a parede e
obrigando-o a por-se nas mãos da troika para conseguir cumprir as suas
obrigações imediatas. Por razões que a psicologia explicará, só em Portugal
isto foi visto como um pedido de regate. Grécia e Irlanda - e a Espanha, que
teve peso político para o evitar - viram-no como uma rendição a um ataque. E
foi assim que se procedeu à transferência da dívida aos bancos franceses e
alemães (principais credores dos países periféricos) para as instituições
europeias, munidas dos instrumentos necessários para a cobrar, à custa da
destruição das economias nacionais. O resgate à banca francesa e alemã, pago,
primeiro, com o dinheiro dos contribuintes dos países ricos, que financiaram os
programas de ajuda, e, depois, com a miséria dos países pobres, que os estão os
a pagar com juros, foi uma escolha política.
Será uma escolha
política a não existência do segundo resgate. Depois de ter acontecido na
Grécia, ele lançaria o descrédito absoluto sobre o euro e a suspeita de que as
instituições europeias não conseguiriam controlar esta crise E será uma escolha
política avançar com este programa cautelar. Ele é a alternativa que sobra à
assunção do falhanço das intervenções nos países periféricos. Mas mantém os
países intervencionados debaixo de enorme pressão austeritária, presos por uma
trela invisível.
Também foi uma
escolha política impor metas impossíveis de cumprir e depois ignorar o seu
incumprimento. Porque essas metas não são metas. São instrumentos de uma
política de contração das economias (desvalorização interna) dos países
periféricos, levando-os a pagar as suas dívidas através da destruição do seu
futuro. Isto sem terem de sair do euro, o que traria demasiados riscos para os
países do centro.
Foram tudo escolhas
políticas que têm muito pouco a ver com o que se faça ou tente fazer em
Portugal. E essa é a principal razão porque os economistas mais despolitizados
e provincianos não acertam uma. É tudo política e ela tem sempre e quase
exclusivamente uma escala europeia. Saber fazer contas ajuda, neste caso, muito
pouco.
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