segunda-feira, 14 de outubro de 2013

SE UM PUTO NITO INCOMODA MUITA GENTE… O MPLA NUNCA RESPEITARÁ A LEI

 

REGIME É UM GIGANTE MEDROSO
 
Orlando Castro, William Tonet – Folha 8 – 12 outubro 2013
 
O regime dete­ve, e assim continua, no dia 12 de Setembro um perigoso agente da luta contra a segurança do Estado. Sem acusação formal, sobretudo por se tratar de alguém altamen­te preparado em técnicas terroristas, o detido estará – dizem os advogados de defesa – a ser torturado. Trata-se de Manuel Nito Alves, um jovem, melhor, um puto de 17 anos de ida­de, activista do Movimen­to Revolucionário.
 
Tudo leva a crer que a de­tenção do jovem se insere no propalado diálogo que o regime diz querer man­ter com a juventude. Isto porque, como se percebe, o diálogo só é possível quando os interlocutores estão sempre de acordo com as teses oficiais. Os que discordarem e te­nham ideias próprias, são enclausurados nas fedo­rentas e discriminatórias masmorras do “revolucio­nário” regime no poder.
 
Neste caso concreto, admite-se que o nome do jovem tenha acciona­do todos os fantasmas que ainda pululam numa maioria de altas figuras do regime, pondo em estado de alerta muitos dos que, impávida e serenamente, procuram ocultar o seu papel no 27 de Maio de 1977, o tal golpe em que morreram muitos milha­res de angolanos, entre os quais o outro Bernardo “Nito” Alves Baptista.
 
E se os acontecimentos de 27 de Maio de 1977 fo­ram o resultado de uma provocação, longa e pa­cientemente planeada, tendo como responsável máximo Agostinho Neto, que temia perder o poder. Não se acreditando que o actual presidente esteja na mesma situação, o que o leva a temer vir a estar, na mesma posição?
 
Naquele tenebroso 27 de Maio, onde o actual pre­sidente da República foi coordenador da Comis­são de Inquérito, o preso mais novo tinha 12 anos; o Joy e escapou à morte “in extremis”. Nas purgas subsequentes, os meno­res conotados e cataloga­dos com outras forças da oposição ou da sociedade civil foram igualmente detidos e muitos cobarde­mente assassinados. Hoje passa-se o mesmo.
 
Nito (Alves), activista do Movimento Revolucioná­rio em Angola, detido no dia 12 de Setembro, tem apenas 17 anos de idade (de luta, a fazer fé nas au­toridades, deve ter para aí 37 anos) e esteve três semanas em isolamento, provavelmente com aulas de reeducação política, nas instalações da Direc­ção Provincial da Investi­gação Criminal (DPIC).
 
Como se sabe, a reedu­cação política impõe um austero regime da apren­dizagem onde, ao contrá­rio do que diz, por exem­plo, Salvador Freire da Associação Mãos Livres, a “tortura” é uma mera dis­ciplina de dignificação do espírito e do necessário reconhecimento reveren­cial ao divino “arquitecto da paz e querido líder”
 
Manuel Baptista Chegon­de Nito Alves sairá, se sair, da prisão já com um diploma de cidadão ree­ducado que jamais man­dará imprimir T-shirts com palavras contra o Presidente José Eduardo dos Santos.
 
Já no fim de Maio, sem­pre no âmbito do diálo­go juvenil superiormente orientado por Eduardo dos Santos, outro jovem - Emiliano Catumbela – foi detido quando participa­va numa vigília organiza­da em protesto contra o Governo e em memória de Elias Cassule e Alves Camulingue, dois mem­bros do movimento e que desapareceram em com­bate.
 
Bem diz o advogado da Associação Mãos Livres, David Mendes, que as “detenções arbitrárias” apenas pretendem “de­sincentivar” os protestos pacíficos dos jovens que, aliás, cumprem quase to­dos os requisitos legais quando pretendem ma­nifestar-se. Quase todos porque, reconheça-se, lhes falta o principal: estar de acordo com o regime.
 
Recorde-se que, na ver­são oficial, amplamente divulgada e todos os anos reiterada pela estratégia do MPLA que visa ir de mentira em mentira até à “verdade” final, os acon­tecimentos do 27 de Maio de 1977 não passaram de um golpe de Estado, cujo fim era destituir e assas­sinar o presidente Agosti­nho Neto.
 
Essa “verdade” oficial esbarra, contudo, na me­mória dos chamados “fraccionistas” que – ao contrário dos desejos dos carrascos de então - escaparam ao massacre. Assim, o que era uma de­monstração cabal de soli­dariedade com Agostinho Neto mas contra o gover­no da então República Popular de Angola, onde grassava a incompetência e a corrupção (herdadas, segundo disse esta sema­na o Procurador-Geral da República, do sistema colonial) foi transformada em tentativa de golpe de Estado.
 
Se há expressão que se coaduna com a realidade dos acontecimento, ela é a de David Birmingham, historiador britânico, quando fala da “Insurrei­ção desarmada de mas­sas”. O romantismo da iniciativa, à qual aderiu maciçamente uma popu­lação que, como hoje, está sequiosa de justiça e equi­dade social, acabou por demonstrar que, afinal, Agostinho Neto estava manietado por um núcleo duro de extremistas.
 
Não será líquido que em caso de sucesso, Nito Al­ves deixasse Agostinho Neto continuar no poder. No entanto, também é crí­vel a tese de que o então ministro da Administração Interna venerava o presi­dente a ponto de, ingenua­mente, acreditar que ele seria incapaz de pactuar com os que faziam da ra­zão da força a força da sua razão, de que é exemplo acabado Lúcio Lara.
 
Sabe-se hoje, até pela própria evolução (ou es­tagnação) do MPLA, que Agostinho Neto só valori­zava todos aqueles que ti­nham total liberdade para pensar como ele. Exacta­mente como agora. Se as­sim não fosse o “cadafal­so” era, como continua a ser hoje, a solução.
 
Que o digam, embora em épocas diferentes, Viria­to da Cruz ou Rodrigues Miguéis e, entre outros, os comandantes da fren­te Leste (Paganini, Joa­quim, Carlos, Roquete), da Rebelião da “Gibóia”, transformada em Revol­ta de Leste, encabeçada respectivamente pelo co­mandante Barreiro Frei­tas, “Gibóia”, substituído mais tarde por Daniel Chipenda.
 
A execução sem julga­mento (mantém-se hoje a tese de que até prova em contrários os adversários são inimigos) de Paganini e companhia, oriundos do Leste, numa zona sob o comando do comandan­te Toca, natural do Norte, foi vista como uma pura eliminação de quadros da região pelos que vinham de fora.
 
Recorde-se que em 1965, Agostinho Neto mandou (e nem os extremismos coloniais chegaram a tan­to) enterrar vivo Matias Miguéis, então vice-pre­sidente que havia trocado o MPLA pela FNLA. Para dar enfâse a tão bárbara crueldade, a vítima ficou com a cabeça de fora para que os mabecos que ali o colocaram pudessem nele cuspir e urinar.
 
O assassinato de Deolin­da Rodrigues, ordenado pelo comandante Gour­gel da FNLA, à revelia de Holden Roberto, poderá ter sido uma retaliação ao que fora feito a Matias Miguéis.
 
Foi com este enquadra­mento que Barreiro Frei­tas, também conhecido por “Katuwa Mitwé”, en­cabeçou em Dezembro de 1969 um movimento de contestação de guer­rilheiros “mbundu” (Sul de Angola), que partiu do Leste com a firme inten­ção de chegar a Lusaka e fazer contas com Agos­tinho Neto. A iniciativa gorou-se na fronteira por desentendimentos inter­nos.
 
O “golpe” do 27 de Maio nada mais foi, na sua gé­nese, do que uma mani­festação que, como as de hoje, causou alergias ao regime. E o que era pe­queno transformou-se em grande, em imenso. E eis quando, no dia seguinte, os corpos carbonizados de Eugénio Veríssimo da Costa (Nzaji), membro do Comité Central do MPLA e da Segurança das FA­PLA; José Gabriel Paiva (Bula), chefe adjunto do Estado-Maior General; major Saydi Mingas (Lu­tuima), membro do Co­mité Central e ministro da Finanças; Paulo Silva Mungungu (Dangereux), membro do Comité Cen­tral e do Estado-Maior Geral; comandante Euri­co Gonçalves, membro do Estado-Maior General, que se suicidou com um tiro na cabeça; António Garcia Neto, director da cooperação internacional; Cristino Santos e João Ro­drigues são encontrados num jipe e numa ambu­lância, na zona da Boa­vista. De acordo com a versão oficial, que é vero­símil, embora existam ou­tras, e até em função dos cargos que ocupavam, a DISA de Onambwe vazou a informação, destes diri­gentes terem sido mortos pelos apoiantes de Nito Alves, quando é consabi­do terem sido eliminados, por um agente infiltrado, precisamente, um dos assessores de Onambwe, que, tendo sido o único que matou, nunca tenha ficado preso, o célebre “Tony Laton”.
 
Durante os meses seguin­tes, milhares de angolanos desapareceram (apesar de estarem, supostamen­te, sob custódia das forças leais a Agostinho Neto), muitos foram torturados, outros mortos, sem qual­quer julgamento ou or­dem do tribunal militar, criado para o efeito, mas cujas semelhanças com um tribunal de Adolph Hitler, que matava indis­criminadamente judeus, não são mera coincidên­cia.
 
NOTA DE IMPRENSA
 
A Associação Mãos Livres, tem vindo a acompanhar com bastan­te preocupação a forma como está a ser dirigido o processo Nº 9848/13 – OP, conhecido como “Caso Nito Alves”, cuja instrução está a cargo do instrutor Mateus André;
 
No dia 1 de Outubro de 2013, os advogados da Associação, remete­ram um requerimento solicitando a liberdade provisória de “ Nito Alves” nos termos do Nº 2 do artº 10º da Lei Nº 18-A/92 de 17 de Julho – Lei da Prisão Pre­ventiva, uma vez que o crime de que vem acusado, “ ultraje ao Presidente da República”, previsto e punível nos termos do art.º 25º da lei nº 23/10 de 03 de Dezembro - Lei dos Crimes contra a Segurança do Estado, a sua moldura penal abstrata, a pena, eventualmente, a ser aplicada, não ultrapassa os três (3) anos de prisão;
 
Os advogados que estão a acompanhar este processo: “Caso Nito Alves” con­tactaram a PGR e lamentavelmente, deles recebemos a informação dos autos terem sido remetidos para um órgão superior não identificado, por isso, não foi decidido o requerimento;
 
A Associação Mãos Livres, condena toda e qualquer forma de interferência de pessoas ou instituições, não ligadas à instrução na determinação de medidas de coacção processual e exige o cumprimento das normas processuais e a liberda­de do jovem menor Nito Alves.
 
Luanda, aos 8 de Outubro de 2013
 
O Presidente - Dr. Salvador Freire dos Santos
 

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