sábado, 23 de novembro de 2013

ANGOLA, COMO DIZ BOB GELDOF, É OU NÃO UM ESTADO CRIMINOSO?

 

Folha 8 – 23 novembro 2013
 
Não é possível negar, persiste no país a onda de perseguições políticas a jornalistas e activistas cívicos, assim como o envolvimento de alguns sectores das Forças Armadas Angolanas, Polícia Nacional e actuais Serviços de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE), em actos de violência, por causa de intolerância política e falta de convicções democráticas da parte de alguns dirigentes do MPLA.
 
SINSE ASSASSINOU CASSULE E KAMULINGUE
 
Numa só palavra, a violência política resulta da incompetência governativado regime liderado por José Eduardo dos Santos, soberana e miseravelmente manifesta, por exemplo,nessa querela em que dirigentes do partido no poder apresentaram, durante as eleições de 2012, uma lista com os nomes de 20 sobas de várias aldeias dos municípios do Bailundo, Caála, Longojo, Ukuma e Luondimbali, exonerados por alegadamente sustentarem ligações com o partido de Isaías Samakuva.
 
“Aqui a razão é simples”, disse então o alto responsável da UNITA Liberty Chiyaka, “nestas aldeias a UNITA ganhou as eleições e como os sobas tinham orientações de não permitir que as pessoas votassem na UNITA, o MPLA contava que iria ganhar, mas perdeu e os sobas foram exonerados.” Assim sendo, não admira que os assassinatos de dois membros da Unidade da Guarda Presidencial (UGP), Alves Kamulingue e Isaías Kassule, raptados pelo SINSE respectivamente nos dias 27 e 29 de Maio de 2012 quando organizavam uma manifestação de ex-militares em Luanda, nunca tenham merecido um esclarecimento plausível. Silêncio tumular reinou sobre o caso, até ao dia 08.11.2013 quando vazou a informação verdadeira!
 
A sociedade civil, que reclamava pelo seu paradeiro e a sua condição, ou a entrega dos corpos, por suspeitar desde há muito tempo que eles tivessem sido assassinados apesar de as autoridades dizerem desconhecer o que tinha acontecido, ficaram enfim a saber a verdade, nesse dia 08 de Novembro em que é divulgado um comunicado com base num relatório de polícia a dar conta de os mesmos terem sido assassinados pelos serviços de segurança, não se sabendo então ao certo o destino dado aos corpos. Estupefacção geral. Será isso possível? Será que a autoridade que age assim não é criminosa só por ser autoridade?
 
E logo esvoaçaram as funestas palavras a denegrir justamente esta selvática repressão, «Estão a dar continuidade à chacina do 27 de Maio». E o que mais foi sublinhado referia-se ao facto de o autor não poder ser da arraia-miúda mas sim da igualha dos grandes dirigentes de quem sempre emanam as ordens superiores.
 
A sujar
 
Por outro lado, multiplicaram- se no Facebook as notícias sobre a ocorrência, entre as quais uma que dava conta de que «(…) altos funcionários do gabinete presidencial promoveram a justificação, em meios políticos, segundo as quais o Presidente José Eduardo dos Santos somente teve conhecimento da detenção do menor, Nito Alves, nos últimos dias da sua detenção, por intermédio de uma notícia crítica avançada pelo jornal francês ( !!...)“Le Monde” e que logo a seguir mandou soltar o rapaz. Isto seria o fim da picada se fosse verdade, e o mais incrível é que os promotores desta justificação, avançaram considerações absurdas para defender o nome de JES, aludindo ainda ao facto de a detenção de Nito Alves ter sido orientada por uma alta patente do regime que terá feito crer às restantes cadeias de transmissão de a mesma corresponder a uma “orientação superior” oriunda da Cidade Alta (quartel general de JES).
 
“Isso é pura mentira, o Presidente soube desde sempre da prisão do Nito Alves, então ele não viu os cartazes dos deputados quando fez o discurso de Estado da Nação”, exclamou uma fonte critica ao regime solicitada para comentar, numa altura em que Eugénio Alexandre, Director Nacional da Investigação Criminal, não aceitava falar à imprensa, remetendo a batata-quente ao porta-voz da Polícia Nacional, Aristófanes dos Santos, o qual, sem gravar entrevista, não desmentiu nem confirmou a informação publicada, tendo adiantando que apenas poderia se pronunciar após uma reunião com as entidades de direito durante a tarde do dia 12.11.13.
 
Entretanto, no dia anterior (11) Noémia da Silva, mãe de Alves Kamulingue, disse que os familiares das vítimas estavam já há um ano e seis meses sem qualquer informação das autoridades angolanas, que, no entanto, lhes tinham garantido explicações.
 
Como foram atraídos para a morte
 
O Folha 8 tem, em exclusivo, parte das informações secretas que estavam em posse do esquadrão da morte, cuja capital operativa é a polícia secreta, o SINSE e a estratégica a judiciária, DNIC e passa a relatar com dados, nomes, locais e datas, como ocorreram os assassinatos destes dois jovens, que em vida pertenceram à Guarda presidencial da Presidência da República, (UGP) , cuja implicação neste drama, como inicialmente se chegou a supor, não é mencionada em nenhuma parte do extenso dossiê a que aqui aludimos. Vamos à história contada na primeira pessoa por um dos algozes.
 
No dia 27 de Maio de 2012, pelas 14h00, o agente secreto Tucayano, do SINSE, liga para Alves Kamulingue, propondo-lhe um encontro para uma suposta entrevista nas bombas de combustível da Sonangol junto aos Bombeiros, por detrás do Hospital Militar de Luanda. Kamulingue aceita e aí chegado, surge uma viatura Chevrolet Spark, com elementos no interior que o chamam e ele, ao aproximar-se, é empurrado rapidamente para o interior da viatura, que arranca de imediato em alta velocidade.
 
Os raptores são António Manuel Gamboa Vieira Lopes, delegado do SINSE em Luanda, Paulo Mota, delegado adjunto do SINSE Luanda, Comissário Dias do Nascimento, 2.º comandante provincial de Luanda, Manuel Miranda, chefe de Investigação Criminal da Ingombota, Luís Miranda, chefe dos Serviços Sectores do Comando de Divisão da Ingombota; a viatura seguiu em direcção ao Km 44, zona da Barra do Kwanza e, pelo caminho, ligaram para o agente, Francisco Pimentel Tenda Daniel, tcp Kiko, que deveria juntar-se a eles, o que ele fez no meio do percurso, já mata adentro. O qual, como veremos, também caiu numa armadilha. Sigam-nos!
 
Postos no local combinado, os agentes do SINSE e da DNIC empreendem uma acalorada discussão sobre quem deveria fuzilar Alves Kamulingue. Depois de algum tempo escolheram o oficial operativo da DPIC, Kiko, tendo este sido obrigado, enquanto inferior hierárquico, a cumprir a ordem de disparar para matar a vítima. Ligeiramente contrariado, lê-se no documento em nossa posse, o agente cumpriu, tendo logo depois todos os presentes abandonado o local, deixando o corpo estendido no solo, à mercê de animais predadores.
 
No dia 29.05.12, isto é, dois dias mais tarde, o mesmo agente Tucayanu liga por volta das 18h00 para Isaías Cassule, alegando ter informações sobre o Kamulingue e uma gravação em vídeo da última manifestação, pelo que deveriam encontrar-se defronte ao fontanário da Escola Angola e Cuba, no Cazenga. Cassule, talvez na ânsia de obter informações, sobre o amigo e colega, vai ao encontro na companhia de Alberto António dos Santos, mecânico da UGP. Mas, postos no local, este último apercebe-se de que o encontro é uma cilada e empreende uma repentina fuga, coisa que Cassule não conseguiu, ficando à mercê dos assassinos, que o levaram, naquela mesma noite, para uma zona afastada do Rio Dande, a bordo de uma viatura Hilux de cor preta, conduzida pelo agente Tcheu, chefe de escolta do governador e secretário provincial do MPLA de Luanda. Faziam ainda parte dos raptores, Lourenço Sebastião, chefe do SINSE de Viana, Fragoso, agente do SINSE de Luanda e mais três elementos, cujos nomes constam na documentação que os identifica apenas como agentes 020, 030, 060, sendo, em todo o caso, esta operação apenas efectuada por agentes do SINSE.
 
Entretanto, depois do cometimento do crime, o agente Kiko, inconformado com a decisão de o terem empurrado para o papel de “matador”, para além de lamentar cabisbaixo nos corredores da DPIC e DNIC, também desabafou com familiares e com Tucayanu, agente do SINSE, que não deixou de comentar a informação. Neste percurso, sem ordem judicial, tal como acontece muitas vezes com as operações comandadas pela DNIC, eis que esta instituição, em colaboração com a PGR, inicia o rastreio telefónico deste agente, conseguindo obter mais elementos sobre quem e como foram raptados Cassule e Kamulingue. Em virtude deste acervo judicial, Tucayanu foi preso e o ministro do Interior comunicou os factos ao Presidente da República, que, na sua qualidade de Comandante em Chefe, deu ordens expressas no sentido de a DNIC, em conjunto com a PGR, desencadear diligências para o esclarecimento dos factos.
 
Com base nessas requisitadas diligências, no dia 05.11.13, processaram- se as primeiras detenções de Lourenço Sebastião, chefe do SINSE/ Viana, Paulo Mota, delegado adjunto do SINSE/Luanda e Loy, agente do SINSE/Luanda. nas suas primeiras declarações, em acto de interrogatório, na PGR, todos foram unânimes em acusar Sebastião Martins e António Manuel Gamboa Vieira Lopes, como mandantes dos assassinatos.
 
Provas do crime
 
Os investigadores já realizaram diligências de busca e captura nas residências de Francisco Pimentel Tenda Daniel tcp Kiko, para recolher a arma que disparou contra Alves Kamulingue, tendo a mesma sido entregue pela mulher deste a Manuel Miranda, chefe da Investigação Criminal da Ingombota, um dos que também participou no assassinato. Na casa de Paulo Mota foi apreendido o seu computador, com um volume de informação invejável, pois tinha planos operativos sobre a actividade de inteligência do SINSE, realizada ao longo dos últimos anos contra elementos da oposição e da sociedade civil. Foi encontrada, por exemplo uma lista de elementos a abater,destacando-se o mecânico da UGP, Alberto António dos Santos, Luaty Beirão, Nito Alves, Brigadeiro 10 pacotes, entre outros, cuja lista divulgaremos mais tarde.
 
Neste momento, já foram ouvidos Vieira Lopes, Dias do Nascimento, Manuel Miranda, Luís Miranda e, muito provavelmente Sebastião Martins, exonerado no 14.11, todos já constituídos arguidos, segundo fonte operativa, mas continuando em liberdade pese a sua implicação nos horrendos e cobardes assassinatos. Muito provavelmente, poderá também vir a ser ouvido, o governador provincial de Luanda, Bento Bento.
 
QUEM ESTÁ DETIDO
 
Neste momento encontram- se já detidos os seguintes elementos: 1- Tcheu - ex-chefe de escolta do governador de Luanda, Bento Bento; 2 - Paulo Mota, delegado adjunto do SINSE/Luanda; 3 - Francisco Pimentel Tenda Miguel, tcp Kiko, agente; DPIC 4 - A.Loy, agente SINSE/Luanda. Todos os aqui mencionados encontram-se na cadeia de São Paulo, em Luanda.
 
5 - Lourenço Sebastião, chefe do SINSE/Viana; 6 - Tucayanu, agente SINSE/Luanda; 7 - Fragoso, agente SINSE/Luanda. Todos estes encontram-se na cadeia do Supremo Tribunal Militar.
 
Uma das mais antigas e odientas tradições de alguns chefes guerrilheiros e novatos bajuladores do MPLA é matar para reinar, como foram os casos de Alves Kassulingue e Isaias Sebastião Cassule, antigos militares da UGP (Unidade da Guarda Presidencial) e, anteriormente, no caso abafado do suicídio do engenheiro António Belarmino Brito no dia 22 de Fevereiro de 2012, quando foi encontrado morto no novo edifício sede da SONANGOL.
 
A questão que se pôs então e se põe ainda até hoje, é de saber como pôde um funcionário superior da petrolífera estatal, inspector de projectos, sucumbir subitamente “em plena luz do dia”, no seu próprio local de trabalho, sem que alguém fosse ao seu socorro? Correram várias versões sobre o local exacto onde a vítima foi encontrada morta na sede da empresa. A esse respeito, o Prof Ngola Kiluange diz ter sido encontrado no seu próprio escritório. Por outro lado, segundo a mesma fonte, «durante o funeral, três funcionários da Sonangol, que se identificaram como colegas da vítima, terão aparecido em tempos alternados, o primeiro dizendo que o engenheiro foi encontrado morto no elevador, o segundo afirmando ter visto Berlarmino morto num outro andar, e o terceiro confessou ter tentado ajudar e levá-lo para a clínica do edifício, mas “acabou por morrer quando chegou à clínica Girassol”. Estranho, não?
 
Este é um sistema de assassinato clássico no que toca aos métodos do MPLA. O fuzilamento de Sotto Mayor, no campo da Revolução, em Luanda, nos anos 80 e em tempos mais recentes, os assassinatos de Adão da Silva, Ricardo de Melo, Mfulumpinga Landu Victor e tantos outros pelos esquadrões de morte, que ensombram a imagem de qualquer regime.
 
Assassinatos em cadeia contínuam no tempo
 
Desgraçadamente, a realidade que será legada pelo desempenho do MPLA será prenhe de uma sucessão de variantes de um só tema, que regularmente, vem à tona: os crimes cometidos pelos sucessivos governos sob sua liderança, seja antes da tomada do poder com os assassinatos, entre muitos outros, de Matias Miguéis, enterrado vivo e deixado dois dias com a cabeça de fora, a mando de Agostinho Neto, tal como a do comandante Paganini, na Frente Leste, acusado de feitiçaria e tentativa de golpe a Neto, foi atirado vivo, numa fogueira em 1966.
 
Houve ainda a tragédia do 27 de Maio de 1977, onde cerca de 80.000 mil jovens, foram assassinados sem julgamento, por Neto não “querer perder tempo com julgamentos”. Temos ainda os assassinatos que brotaram do nada em 1992 e se multiplicaram por trás de sucessivas máscaras de uma democracia sui generis num palco altamente inclinado, no qual o MPLA acabou por manter o seu lugar avassalador, lá em cima, num festivo ambiente de multipartidarismo falsíssimo e mais que balofo.
 
São de relembrar casos que nem sequer são ocultos (o mais curioso é que ninguém os comenta), como, por exemplo, a morte de Serra Van Dunem, os acidentes armadilhados por homens da Secreta, alegadamente sob controlo dos kaenches do Palanca que já mataram religiosos, milícias ao serviço da própria secreta para se eliminar possíveis testemunhas do massacre contra Filomeno V. Lopes, a eliminação de certos quadros nacionais e estrangeiros por envenenamento, isto sem esquecer a morte de Nelson, pessoa querida do antigo ministro das relações exteriores, Paulo Jorge, por envenenamento no MIREX pelos próprios colegas, depois de este ter discutido com um camarada de partido que o tinha ameaçado de prisão… ao que podemos juntar o já aqui mencionado pseudo-suicídio do engenheiro Bernardino Brito, discretamente seguido de ordens superiores para queimarem o vídeo que retratava o acto criminoso por ordens supostamente de Manuel Vicente, que temia que os segredos em posse de Brito sobre os seus negócios com a China e outros países viessem à luz do dia; a eliminação de dirigentes da UNITA já depois dos acordos de paz, na sua maioria por envenenamento dentro de suas próprias casas e em hospitais dentro e fora do país…. e tutti quanti amarfanhado, ocultado e evaporado pelo regime. Que nos ecrãs da TPA só comunica ao povo de Angola lisura, civismo e honestidade! Cinismo puríssimo.
 
Desrespeito dos Direitos Humanos é recorrente no candidato
 
Dizer que Angola chegou mesmo a pagar e a fazer corredores para estar na Comissão de Direitos Humanos da ONU dá vontade de rir às gargalhadas. Nem que seja apenas para escorraçar da nossa mente o medo de ver o poder do dinheiro a violentar a ONU, fazendo nela entrar o nosso país, cujo “governo” atípico, a que dá, por atavismo, o nome de Executivo, diariamente, comete crimes contra os direitos humanos, que assim serão, doravante, perpetrados sob cumplicidade desta prestigiosa organização. Esperemos que não, que isso nunca possa acontecer.
 

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