A investigadora e
escritora portuguesa Margarida Paredes teve "o privilégio", há 38
anos, de assistir ao nascimento de Angola, lamentando hoje que o país pelo qual
ajudou a lutar se tenha tornado "extremamente autoritário".
Em 1973, tinha 19
anos, Margarida Paredes aderiu ao lado do MPLA (Movimento Popular de Libertação
de Angola), tendo sido instrutora política no Centro de Instrução
Revolucionária Hoji ya Henda e combatido nas FAPLA (Forças Armadas Populares de
Libertação de Angola).
No dia 11 de
novembro de 1975, Margarida Paredes estava na praça onde foi declarada a
independência de Angola, integrando o protocolo que recebia os convidados
internacionais para a cerimónia.
"Luanda, nessa
altura, estava praticamente debaixo de fogo", recorda, em declarações à Lusa,
contando que se deslocava à frente de combate em Kifangondo, no seu carro, para
abastecer de alimentos os combatentes do MPLA.
"A festa da
independência foi à noite, muito emotiva, porque estávamos numa situação de
guerra", lembra, comparando a "alegria" de "ver nascer um
país" à do nascimento do filho.
Ficaram muito
poucos portugueses em Angola, os "brancos" eram raros na praça e,
portanto, assistir àquele momento teve também um "valor simbólico",
porque "não houve um ritual de passagem de um poder colonial para um poder
angolano", recorda. "Portugal foi-se embora sem passar a
soberania" e, por isso, Margarida Paredes costuma dizer que "fechou a
porta do império em África".
A investigadora,
que está a terminar uma tese de doutoramento sobre o papel das mulheres
angolanas na luta armada, confessa ter tido "alguma dificuldade" no
regresso ao país pelo qual lutou.
Margarida Paredes
permaneceu em Angola até ao início dos anos 1980 e só regressou em 2010 e 2011,
para fazer trabalho de campo para a tese. Durante um ano, trabalhou com
mulheres envolvidas na luta armada angolana, sobretudo militares e polícias,
circulando "entre a elite e o musseque", o que "não foi
fácil", porque andava "entre dois mundos completamente
diferentes", conta.
"Angola
construiu-se como um país extremamente autoritário, militarista e com grandes
desigualdades sociais", constata, resumindo o atual cenário numa palavra
composta: "democratura, democracia para fora e ditadura lá dentro".
Apesar das
dificuldades, a investigadora foi "agradavelmente surpreendida pelas
dinâmicas sociais" que encontrou, "extremamente inovadoras, sobretudo
nas mulheres", elogiando "a maneira como elas respondem aos desafios
da modernidade, como reconfiguram as suas vidas, nas lutas que estão
envolvidas, pela igualdade e pela emancipação".
Porém, "num
país onde o poder é autoritário, a liberdade de expressão é controlada",
denuncia, reconhecendo que hoje os jornais já não são censurados "como o
eram no tempo do colonialismo", mas são indiretamente coartados na sua
liberdade, porque "são controlados pelos grandes grupos económicos".
Sublinhando que
"uma pessoa não se sente muito segura" em Angola, porque "nunca
sabe o que lhe pode acontecer", a autora do romance "O Tibete de
África", licenciada em Estudos Africanos, recorda com saudade os
primórdios do MPLA, a "mística da revolução" e a "aspiração ao
Homem novo".
Margarida Paredes
continua a reconhecer-se na "família MPLA, como comunidade de afetos",
mas admite que, se fosse angolana, não seria militante do partido hoje em dia.
Embora o MPLA tenha
sido "uma vanguarda na luta de libertação, agora é uma vanguarda envelhecida
a navegar em águas muito turvas", compara.
Lusa
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