segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Angola: DIVINA CLARIVIDÊNCIA DO “ESCOLHIDO DE DEUS”

 

Orlando Castro – Folha 8, 2 novembro 2013
 
A Comunicação Social tem reflectido na dinâmica de desenvolvi­mento eco­nómico, social, cultural e político que Angola tem vindo a trilhar sob a clari­vidente liderança do Pre­sidente José Eduardo dos Santos. Nem mais. Não foi o eco de uma conversa ao espelho do Presidente da República mas, apenas, a expressão esclavagista de um dos seus acólitos, José Luís de Matos.
 
A afirmação, constatação ou seja lá o que for, foi efectuada durante a sessão de abertura da 8ª Reunião Ordinária do Conselho Consultivo do Ministério da Comunicação Social, no centro de Convenções de Talatona, em Luanda.
 
Como todos os seus cole­gas, o ministro que tutela, por delegação de funções do Presidente, a Comu­nicação Social, diz que se afigura um momento oportuno para avaliar o presente e perspectivar acções futuras, no sentido de melhorar a actuação do sector, no quadro da vida nacional, tendo em conta a importância dos meios de comunicação social na consolidação da democracia e no processo de desenvolvimento eco­nómico, social, político e cultural.
 
Se José Luís de Matos quisesse perspectivar as acções passadas o caso se­ria mais grave. Mas como, afinal, o que ele quer é ser mais um dos subscritores da candidatura de José Eduardo dos Santos ao Prémio Nobel (da Paz ou de qualquer outra catego­ria), até se compreende que não distinga entre co­municação social e propa­ganda, entre jornalismo e comércio jornalístico, en­tre liberdade de imprensa e acefalia invertebrada.
 
“A Comunicação Social tem sido um dos grandes promotores da construção da nova Angola, ao garan­tir a todos os angolanos o exercício da cidadania par­ticipativa e ao estimular o investimento e o cresci­mento acelerado de no­vos sectores da economia, posicionando-se, também, como uma área de mer­cado das mais atractivas”, argumentou o Ministro re­verencialmente.
 
Nem José Ribeiro e mui­to menos Artur Queiroz conseguiriam dizer me­lhor. Ministro é ministro e, desde logo, sabe melhor do que ninguém o que o “querido líder” gosta que digam. É uma questão de sobrevivência. Se assim não for, a carta de alforria pode nunca mais chegar.
 
Segundo o governante, muito recentemente, ao pronunciar-se sobre o es­tado da nação, na abertura do ano legislativo, o Pre­sidente da República, José Eduardo dos Santos, des­tacou que o Executivo está fortemente empenhado na concretização dos gran­des objectivos, que visam consolidar a paz, reforçar a democracia, preservar a unidade nacional, promo­ver o desenvolvimento e melhorar a qualidade de vida dos angolanos.
 
Participam na reunião, di­rectores nacionais do sec­tor, presidentes dos Con­selhos de Administração dos órgãos públicos e res­pectivos administradores, directores provinciais de órgãos públicos e priva­dos, entre outros funcioná­rios do referido Ministério.
 
Certamente que o Minis­tro José Luís de Matos também gostaria de citar, porque também é uma obra-prima do Mestre José Eduardo dos Santos, o “Jor­nal de Angola” como um exemplo paradigmático da filosofia que o regime pre­tende para a comunicação social do país.
 
Aliás, José Luís de Ma­tos bem poderia liderar a campanha Nobel do Pre­sidente e a candidatura do “Jornal de Angola” no seu todo (são tantos os textos dignos que seria incorrec­to escolher um) ao Prémio Pulitzer. Mas, no caso de ter de escolher um desses textos (tarefa difícil pela altíssima qualidade de to­dos os que diariamente se podem ler), sugerimos aquele em que JA diz que os órgãos de informação privados nada mais são do que um “Cavalo de Tróia que vomitava do seu seio a subversão dos mais ele­mentares valores que re­gem o jornalismo.”
 
Dando como adquirido (no que certamente so­mos corroborados por José Luís de Matos) que tal como José Eduardo dos Santos está para os angola­nos (e não só) como Deus está para os cristãos, e que o JA está para o jornalismo como o MPLA está para Eduardo dos Santos, todos os jornalistas do mundo são obrigados a aceitar a superioridade moral, ética, deontológica e o que mais por aí houver deste legíti­mo filho do Pravda.
 
Diz nesse texto que, en­tre outros, figura nos ma­nuais das mais honoráveis universidades do mundo que leccionam jornalismo, o JA que no seu reino, e certamente com o bene­plácito do Comité Central do MPLA, que em Angola “a liberdade de impren­sa convive com abusos repugnantes e os novos jornais até começaram a servir para crimes de chantagem e extorsão”, para além de que ”quase sempre são palcos de in­trigas, veículos de ataques pessoais, mananciais de insultos, calúnias e difama­ções.”
 
Crê-se que um desses cri­mes tem a ver com o 27 de Maio de 1977, uma purga que os jornais privados di­zem ter sacrificado milha­res de angolanos mas que, na verdade e certamente segundo a análise do JA, nem sequer existiu. Isso mesmo é do conhecimen­to do Ministro José Luís de Matos.
 
Diz o JA que “o Presidente da República é o alvo pri­vilegiado dos jornais pri­vados. Há entre eles uma competição estranha que consiste em ver qual de­les fere mais a honra e o bom-nome de José Eduar­do dos Santos. O mais alto magistrado da Nação é tratado como um pária ante a indiferença dos ór­gãos de Justiça, das orga­nizações dos jornalistas, das associações patronais e, pasme-se, do Conselho Nacional da Comunicação Social.”
 
Mais um ponto a favor do “Jornal de Angola”. Estão todos conluiados para de­negrir a imagem do impo­luto Presidente da Repú­blica, não compreendendo que estar há 32 anos no poder sem nunca ter sido eleito é a mais sublime prova da vitalidade demo­crática do regime.
 
Da brilhante (como sem­pre) análise do JA resulta que “de 2008 para cá as coisas melhoraram”. Isto é, “os jornais privados que mais se destacavam na ca­lúnia e no insulto ao Chefe de Estado abandonaram esse caminho. Mas em compensação outros redo­braram os crimes de abuso de liberdade de imprensa. Sabe-se agora porquê.”
 
O jornal não explica, cer­tamente no cumprimento das mais puras e transpa­rentes regras éticas e deon­tológicas agora enaltecidas por José Luís de Matos, a razão pela qual alguns jornais abandonaram esse caminho. Também não precisa de explicar. Todos sabem que foram compra­dos e ou silenciados pelo regime. A bem, acrescen­te-se, da democracia, paz e desenvolvimento social dos angolanos.
 
Escreve o JA que “o “Fo­lha 8” é o órgão oficial da CASA-CE e dá uma mão à UNITA, nas suas inves­tidas contra o Estado De­mocrático e de Direito. O “Novo Jornal” é o suporte de “manifestantes” que têm uma única mensagem à sociedade: insultos gros­seiros ao Presidente da República e o objectivo de derrubá-lo.”
 
Em cheio. Não há dúvida. Nenhum jornal no mundo, e até ficaria bem ao Mi­nistro José Luís de Matos recordá-lo, bate o “Jornal de Angola”. É que não só analisa como dá notícias em primeiríssima mão. Então não é que Angola é um Estado Democrático e de Direito? Ora tomem!
 
Ao fim e ao cabo, todos os jornais “se encarregam de fazer alastrar a mancha da calúnia e do insulto. Com mais ou menos competên­cia. Mas seguramente com resultados catastróficos para o jornalismo angola­no.” Valha-nos ao menos a existência desse paradig­ma de nobreza e altruísmo, verdadeira catedral do jor­nalismo, que dá pelo nome de “Jornal de Angola” e a quem, estamos em crer, o Ministro José Luís de Ma­tos atribuirá por estes dias mais uma medalha de hon­ra do MPLA.
 
O JA insurge-se con­tra algo que os políticos aprenderam com o MPLA mas que – obviamente – só deve ser aplicado em relação aos outros. Então não é que “com um sorriso próprio dos porcos”, os di­rigentes do PRS “chamam aos membros do Execu­tivo mafiosos e ladrões” e “acusam instituições do Estado de envenenarem e assassinarem cidadãos”?
 
“A UNITA segue o mes­mo caminho mas com um pouco mais de compostu­ra. Tem como mentor um qualquer Rafael Marques. A CASA-CE faz dos tem­pos de antena sucursais do “F8” mas um pouco mais primários. São vio­lentíssimos ataques à in­teligência dos eleitores e golpes fatais contra a ética política. Se não ha­via ética no “jornalismo” que faziam, muito menos existe agora, quando vive­mos num período em que os salteadores da política agem como se valesse tudo menos tirar olhos”, escreve o JA.
 
Ficamos também a saber, graças – corrobore-se – à honorabilidade do JA, que os leitores têm inteligên­cia e que Rafael Marques e William Tonet estão a desgraçar o país e come­ter crimes contra tudo, nomeadamente contra a segurança do Estado. E estão mesmo, reconheça­mos. É que eles pensam que Angola é mesmo um Estado de Direito Demo­crático. E como não é, todos os que teimam em pensar de forma diferente são culpados de tudo e até prova em contrário.
 

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