Quando
enfraquecimento da potência hegemônica torna-se nítido, abre-se período de caos
geopolítico. Surge, além das oportunidades, risco de loucuras destrutivas
Immanuel Wallersten
- Tradução: Antonio Martins - Imagem: Jacob Jordaens, O Rei Feijão – em Outras
Palavras
Tenho sustentado há
muito que o declínio dos Estados Unidos como potência hegemônica começou por
volta de 1970; e que este processo, no início lento, precipitou-se durante a
presidência de George W. Bush. Comecei a escrever sobre o tema em 1980. À
época, a reação a tal argumento, em todos os campos políticos, foi rejeitá-lo
como absurdo. Nos anos 1990, acreditava-se em todas as faixas do espectro
político que, ao contrário, os EUA tinham alcançado o ápice de seu domínio
unipolar.
No entanto, depois
do estouro da bolha financeira, em 2008, a opinião de políticos, teóricos e do
público em geral começou a mudar. Hoje, uma ampla percentagem das pessoas
(embora não todas) aceita a realidade de ao menos algum declínio relativo do
poder, prestígio e influência norte-americanos. Nos EUA, este fato é aceito com
muita relutância. Políticos e teóricos rivalizam-se em apresentar fórmulas
sobre como o declínio ainda pode ser revertido. Acredito que ele é
irreversível.
A questão real, a
meu ver, é sobre as consequências do declínio. A primeira é uma clara redução
da capacidade dos EUA para controlar a situação mundial, e em particular a
perda de confiança, por parte dos que eram os principais aliados de Washington.
No último mês, devido às evidências apresentadas por Edward Snowden, soube-se
que a Agência de Segurança Nacional norte-americana (NSA) espionou diretamente
os principais líderes da Alemanha, França, México e Brasil, entre outros (assim
como, é claro, inúmeros cidadãos destes países).
Estou certo de que
os EUA envolveram-se em atividades similares em 1950. Mas em 1950, nenhum
destes países teria ousado transformar sua ira em escândalo público, ou em
reivindicar que os EUA interrompessem a ação. Se o fazem hoje, é porque agora
os EUA precisam deles mais do que eles próprios precisam dos EUA. Os líderes
atuais sabem que os EUA não tem outra escolha exceto comprometer-se – como fez
o presidente Obama – a cessar estas práticas (mesmo que os EUA não pretendam
cumprir a promessa…). E os líderes destes quatro países sabem, todos, que sua
posição interna será fortalecida, e não enfraquecida, por apontarem
publicamente para o nariz de Washington.
Até o momento,
enquanto a mídia debate o declínio norte-americano, a maior parte das atenções
voltam-se para a China, como um potencial novo hegemon. Também aqui, há falta
de percepção. A China é, sem dúvida, um país cuja potência geopolítica está em
ascensão. Mas chegar ao papel de potência hegemônica é um processo longo e
árduo. Em condições normais, qualquer país precisaria de ao menos outro meio século
para tornar-se capaz de exercer poder hegemônico. É um longo intervalo, durante
o qual muito pode acontecer.
Num primeiro
momento, não há sucessor imediato para o papel. O que costuma acontecer, quando
o enfraquecimento da antiga potência hegemônica torna-se nítido para outros
países, é que a relativa ordem do sistema-mundo é substituída por uma luta
caótica entre múltiplos polos de poder, nenhum dos quais pode controlar a
situação. Os EUA ainda são um gigante, mas um gigante com pés de barro. Ainda têm
a força militar mais poderosa, mas não são muito capazes de usá-la em seu
proveito. Tentaram minimizar seus riscos concentrando-se em guerras de drones.
O ex-secretário de Defesa Robert Gates acada de denunciar que esta visão é
totalmente irrealista, do ponto de vista militar. Ele lembra que as guerras só
são vencidas com tropas no chão, e o presidente dos EUA está agora sob enorme
pressão, vinda de políticos dos dois partidos e do sentimento popular, para não
usar tropas no chão.
O problema, para
todo mundo, numa situação de caos geopolítico, é o alto nível de ansiedade que
ela produz e os riscos que oferece para que prevaleçam loucuras destrutivas. Os
EUA, por exemplo, podem não ser mais capazes de vencer guerras, mas podem
causar enorme dano para si mesmos e para outros por meio de ações imprudentes.
Todas as suas tentativas de agir no Oriente Médio são derrotadas. No presente,
nenhum dos atores na região (sim, eu disse “nenhum”) aposta mais no taco dos
EUA. Isso inclui Egito, Israel, Turquia, Síria, Arábia Saudita, Iraque, Irã e
Paquistão (para não falar da Rússia e China). Os dilemas políticos resultantes
para os Estados Unidos foram tratados em grande detalhe no New York Times. A
conclusão do debate interno a respeito, no governo Obama, foi um compromisso
muito ambíguo, que leva o presidente a parecer vacilante, ao invés de forte.
Por fim, podemos
estar certos de duas consequências reais, na próxima década. A primeira é o fim
do dólar como moeda de último recurso. Quando isso acontecer, os EUA terão perdido
uma grande proteção para seu orçamento e para o custo de suas operações
econômicas. A segunda é o declínio – provavelmente sério – no padrão de vida
relativo dos cidadãos e residentes nos EUA. As consequências políticas deste
último movimento são difíceis de prever em detalhe, mas não serão irrelevantes.
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