sexta-feira, 22 de novembro de 2013

EM BRUXELAS JÁ SE CALAVAM, NÃO?

 


Daniel Oliveira – Expresso, opinião
 
Isto começa a ultrapassar todos os limites. Ontem, mais uma vez, a Comissão Europeia, no relatório da 8ª e 9ª avaliação, decidiu fazer considerações depreciativas sobre as decisões passadas do Tribunal Constitucional português. E, mais grave, achou que fazia sentido desenvolver conjecturas sobre decisões futuras do TC. Coisa que nunca se atreveria a fazer sobre o TC alemão, que muitas decisões já tomou que foram determinantes para a Europa.
 
A ver se nos entendemos duma vez por todas: os manga de alpaca que escrevem relatórios sobre a situação portuguesa, que são assalariados duma instituição de que Portugal também faz parte, não têm de fazer considerações sobre as decisões dum tribunal nacional. Nem boas, nem más, nem sobre o passado, nem sobre o futuro. Esperam, num respeitoso, diplomático e sepulcral silêncio, que se exige a qualquer organismo internacional que tenha de lidar com um Estado soberano, pelas decisões dos órgãos de soberania desse país. Depois, com base nela, tratam das devidas negociações com o governo português. Sem qualquer comentário de cariz político ou institucional, para os quais não estão nem habilitados pelo currículo, nem legitimados pelo voto.
 
O problema não é estes burocratas, que da vida política conhecem uns corredores em Bruxelas e salas de espera de aeroportos, se permitirem a estes enxovalhos a uma nação independente. O problema é termos um primeiro-ministro que aceita, em silêncio, porque até considera útil, uma inaudita pressão externa sobre um tribunal nacional. Que até permite que o presidente da Comissão Europeia faça, ao seu lado, numa conferência de imprensa, parte dessa pressão. De que provavelmente ele era conhecedor prévio. O problema é um Presidente da República que assiste a tudo isto em silêncio. Assim como ouviu, em silêncio, há uns anos, na sua presença e em público, um ralhete do presidente da República Checa sobre a vida política económica interna de Portugal.
 
Nesta matéria, o problema não é estarmos resgatados ou sob protetorado. É termos detentores de cargos públicos, com obrigação de representarem Portugal, que perderam a noção da dignidade institucional e da defesa da soberania. Para Passos Coelho, entre o Tribunal Constitucional e um qualquer político da oposição não há qualquer diferença. Entre um responsável da Comissão Europeia e um articulista também não. Tudo se pode dizer, tudo se pode escrever, tudo é legitimo para pressionar um tribunal a tomar a decisão conveniente. Até permitir ataques à soberania vindos de fora. Desde que usem um pin na lapela com a bandeira nacional e se tomem posições oficiais indignadas por o presidente da FIFA ter desrespeitado Ronaldo, o patriotismo está mais do que garantido. É um patriotismo à Scolari: fica-se pela bandeira e pelo futebol.
 
Passos Coelho e Cavaco Silva não se devem espantar com o crescente desrespeito dos cidadãos, não apenas por eles, mas pelos cargos que ocupam. Se eles são os primeiros a deixar que uma instituição externa pressione abertamente um tribunal português, como podem depois explicar aos portugueses as virtudes do institucionalismo? Quem abandalha o Estado e a República não pode exigir melhor do que abandalhamento. Quem não se dá ao respeito nas relações institucionais com o exterior, não pode ser respeitado. Nem lá fora nem cá dentro.
 
Ontem, assistimos a um sinal significativo da situação nacional, com a polícia a romper um cordão da própria política. Felizmente, tudo acabou em bem. Também ontem, a Aula Magna esteve à pinha, juntando patriotas de todas as esquerdas e de várias direitas, para defender a Constituição. Onde a melhor intervenção que ouvi, e sou insuspeito de simpatia, foi a de Pacheco Pereira. Duma ou doutra forma, há um país que se levanta.

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