Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Isto começa a
ultrapassar todos os limites. Ontem, mais uma vez, a Comissão Europeia, no
relatório da 8ª e 9ª avaliação, decidiu fazer considerações depreciativas sobre
as decisões passadas do Tribunal Constitucional português. E, mais grave, achou
que fazia sentido desenvolver conjecturas sobre decisões futuras do TC. Coisa
que nunca se atreveria a fazer sobre o TC alemão, que muitas decisões já tomou
que foram determinantes para a Europa.
A ver se nos
entendemos duma vez por todas: os manga de alpaca que escrevem relatórios sobre
a situação portuguesa, que são assalariados duma instituição de que Portugal
também faz parte, não têm de fazer considerações sobre as decisões dum tribunal
nacional. Nem boas, nem más, nem sobre o passado, nem sobre o futuro. Esperam,
num respeitoso, diplomático e sepulcral silêncio, que se exige a qualquer
organismo internacional que tenha de lidar com um Estado soberano, pelas
decisões dos órgãos de soberania desse país. Depois, com base nela, tratam das
devidas negociações com o governo português. Sem qualquer comentário de cariz
político ou institucional, para os quais não estão nem habilitados pelo
currículo, nem legitimados pelo voto.
O problema não é
estes burocratas, que da vida política conhecem uns corredores em Bruxelas e
salas de espera de aeroportos, se permitirem a estes enxovalhos a uma nação
independente. O problema é termos um primeiro-ministro que aceita, em silêncio,
porque até considera útil, uma inaudita pressão externa sobre um tribunal
nacional. Que até permite que o presidente da Comissão Europeia faça, ao seu
lado, numa conferência de imprensa, parte dessa pressão. De que provavelmente
ele era conhecedor prévio. O problema é um Presidente da República que assiste
a tudo isto em silêncio. Assim como ouviu, em silêncio, há uns anos, na sua
presença e em público, um ralhete do presidente da República Checa sobre a vida
política económica interna de Portugal.
Nesta matéria, o
problema não é estarmos resgatados ou sob protetorado. É termos detentores de
cargos públicos, com obrigação de representarem Portugal, que perderam a noção
da dignidade institucional e da defesa da soberania. Para Passos Coelho, entre
o Tribunal Constitucional e um qualquer político da oposição não há qualquer
diferença. Entre um responsável da Comissão Europeia e um articulista também
não. Tudo se pode dizer, tudo se pode escrever, tudo é legitimo para pressionar
um tribunal a tomar a decisão conveniente. Até permitir ataques à soberania
vindos de fora. Desde que usem um pin na lapela com a bandeira nacional e se
tomem posições oficiais indignadas por o presidente da FIFA ter desrespeitado
Ronaldo, o patriotismo está mais do que garantido. É um patriotismo à Scolari:
fica-se pela bandeira e pelo futebol.
Passos Coelho e
Cavaco Silva não se devem espantar com o crescente desrespeito dos cidadãos,
não apenas por eles, mas pelos cargos que ocupam. Se eles são os primeiros a
deixar que uma instituição externa pressione abertamente um tribunal português,
como podem depois explicar aos portugueses as virtudes do institucionalismo?
Quem abandalha o Estado e a República não pode exigir melhor do que
abandalhamento. Quem não se dá ao respeito nas relações institucionais com o
exterior, não pode ser respeitado. Nem lá fora nem cá dentro.
Ontem, assistimos a
um sinal significativo da situação nacional, com a polícia a romper um cordão
da própria política. Felizmente, tudo acabou em bem. Também ontem, a Aula Magna
esteve à pinha, juntando patriotas de todas as esquerdas e de várias direitas,
para defender a Constituição. Onde a melhor intervenção que ouvi, e sou
insuspeito de simpatia, foi a de Pacheco Pereira. Duma ou doutra forma, há um
país que se levanta.
Leia relacionado em Página Global
Sem comentários:
Enviar um comentário