Diário de Notícias,
editorial
Quando se fala de
Portugal e da sua saída do programa de assistência (PAEF) em curso, afinal,
quem é que verdadeiramente traduz fielmente o pensamento e a ação da Comissão
Europeia (CE)? É que, num mesmo dia, assistimos a três posições contraditórias.
Olli Rehn, o
comissário europeu para os Assuntos Económicos, louvou-se na redução para
metade dos défices públicos na Europa e, reconhecendo serem ainda incipientes
os sinais de viragem da economia europeia, decretou ter chegado a hora de
abrandar o ritmo das quedas futuras dos défices de Estado na União Europeia e
de apostar em medidas que reforcem o crescimento económico e a criação de
emprego.
Por seu lado, o
relatório da CE com as conclusões das 8.ª e 9.ª avaliações insiste na necessidade
de atingir sem falhas as metas traçadas para 2014 e assinala mesmo os
obstáculos que teriam de ser superados se alguma das medidas de corte na
despesa pública viesse a provocar novo veto do Tribunal Constitucional,
complicando, segundo a CE, a perceção dos credores quanto à capacidade de
Portugal poder regressar autonomamente aos mercados da dívida.
Finalmente, as
sempre solícitas fontes anónimas da troika, entre elas as da burocracia central
de Bruxelas, vão mais longe, sussurrando à imprensa financeira global que a
desconfiança é a moeda de troca perante Portugal e que os credores hesitam em
esperar novo resgate ou um programa cautelar na saída do PAEF, no próximo mês
de junho.
Em que ficamos?
Trava-se, mantém-se a velocidade ou acelera-se a contração orçamental? O que
quer afinal a CE de Portugal e dos portugueses? Bem precisamos que acertem o
discurso e clarifiquem a sua posição, no fim da próxima vinda a Lisboa, daqui a
duas semanas.
A defesa da
Constituição
Nunca como nos
últimos anos, a pretexto do ajustamento imposto, a Constituição da República
Portuguesa e o Tribunal Constitucional (TC) estiveram tão sob escrutínio. De um
lado, o Governo e os seus aliados pressionam para que a interpretação do texto
fundamental seja o menos restritiva possível. Do outro, as oposições
pressionam, igualmente, para que a Constituição se cumpra e o Presidente da
República e os juízes do Palácio Ratton a façam cumprir. A democracia também é
feita destas tensões.
A Constituição,
como é óbvio, não deve nem pode ser sacralizada e, muito menos, considerada
imutável. Mas, num Estado de direito, não pode, em circunstância alguma, deixar
de ser respeitada. E aquilo a que temos assistido durante o consulado da troika
em Portugal, a coberto da "situação de emergência", é, no mínimo, uma
tentativa de atropelo do texto constitucional que só não é mais grave porque os
juízes do TC têm cumprido a missão para que foram empossados: verificar a conformidade
das normas aprovadas com a Constituição.
É evidente que se
trata de um manifesto exagero pretender afirmar que aquilo que se tem passado
nos últimos anos é uma ameaça à democracia. Aliás, a tentação da retórica
radical, que ontem se ouviu na Aula Magna, é que representa um mau sintoma para
o regime. Porém, e em nome da responsabilidade, é bom não desvalorizar os
sucessivos episódios de ataque às instituições democráticas. Sobre este
assunto, aquilo que importa dizer é que quem considera que a Constituição está
desajustada e deve ser alterada tem a obrigação de apresentar propostas e
promover os consensos necessários à sua revisão. Mas enquanto isso não
acontece, manda o dever que se cumpra a Lei que está em vigor.
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