Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
O JN, na sua edição
da passada quinta-feira, utilizou como título uma conclusão que emana dos dados
preliminares de um recente relatório do Observatório da Família e das Políticas
de Família, relativo a 2012: "Estado deixa cair apoio às famílias".
Nas duas páginas
dedicadas a esta importante questão, são postos em relevo dados preocupantes:
os países da OCDE gastam, em média, 2,3% do PIB com as políticas de família,
enquanto Portugal apenas despende 1,5%; as crianças estão a ser fortemente
penalizadas; temos menos 46 342 famílias a receber o rendimento social de
inserção (RSI) do que tínhamos em 2010; o abono de família é pago a menos 546
mil famílias do que há três anos; o complemento solidário para idosos ou até o
subsídio para funeral também são pagos a muito menos cidadãos. Nas políticas de
família - célula vital da sociedade -, estão a ser destruídas condições base da
cidadania.
Como diz Karin Wall
(coordenadora do Observatório), citada no JN, "as políticas de família
estão a ser definidas dentro das políticas sociais viradas para a vertente
assistencialista". Por isso, cresceu exponencialmente o número de cantinas
sociais e "o número de refeições diárias comparticipadas pelo
Estado", pelas autarquias e outras entidades. Por que acontece este
vergonhoso processo de regressão social e humana?
Como já escrevi
neste espaço, em Portugal estamos a regredir, com graves riscos, da sociedade
da cidadania social - construída pela existência e prestação de direitos sociais
fundamentais que são pertença das pessoas - para a sociedade da caridade.
Nesta, as pessoas, já despidas de direitos, são apoiadas, na sua sobrevivência
amputada de dignidade, pela ação de instituições de solidariedade social.
Em definitivo, os
processos de redistribuição da riqueza e de condições de bem-estar estão a ser
dissociados dos valores éticos da modernidade e, mais que isso, o cinismo
político está a ser usado para subverter o papel e as funções dos instrumentos
de políticas públicas, nomeadamente dos impostos e da prestação dos direitos
sociais fundamentais. Perante isto, o povo, os cidadãos, dificilmente conseguem
destrinçar com clareza o que de facto lhes é dado e retirado.
O chamado
"roteiro Paulo Portas" para a "Reforma do Estado" pretende
constituir-se em cartilha ideológica com esse caráter ambivalente e subversivo
que refiro.
O Governo, com o
argumento da redução do défice e da obrigatoriedade de o país pagar as suas
dívidas, aumentou impostos e retirou direitos aos trabalhadores, aos pensionistas
e reformados, aos cidadãos. Os resultados obtidos foram: uma pequena redução do
défice; um aumento brutal da dívida; a quebra do produto interno bruto; e o
crescimento, só em 2013, de 11% do número e do volume das fortunas dos grandes
milionários.
Agora, quando é bem
sentido na sociedade que a carga de impostos - para as pessoas e para a maior
parte das empresas - é insuportável, hipocritamente, em nome da atenuação da
dureza da carga fiscal, o guião de Portas apresenta como solução que o Estado
reduza cada direito social a uma base caritativa e ao princípio da adaptação
dos patamares de saúde, de ensino, de proteção social, de acesso à justiça de
cada indivíduo ao volume da sua carteira.
Numa sociedade que
efetive o Estado de direito democrático, é preciso pagar impostos. Entretanto,
a política de impostos jamais pode dissociar-se das condições que asseguram o
funcionamento da democracia, da participação cidadã, das políticas sociais, das
políticas que garantam o direito ao trabalho digno e das formas como se
processa a apropriação de rendimentos, fator que convoca profunda atenção à
eficácia da justiça.
As políticas do
atual Governo, propositadamente, isolam as medidas adotadas em cada uma das
áreas que mencionei para iludir os portugueses quanto aos seus verdadeiros
custos e efeitos. Os nossos impostos têm de ser utilizados para garantir vida
digna e cidadania, e não serem canalizados para servir negociatas de poderosos,
credores oportunistas ou agiotas.
Sem comentários:
Enviar um comentário