terça-feira, 12 de novembro de 2013

Portugal: A ÚLTIMA OPORTUNIDADE

 


Mário Soares – Diário de Notícias, opinião
 
1. O Governo continua paralisado. Não se entendem o primeiro-ministro e o vice, como é visível para quem tenha um mínimo de atenção. Mas têm consciência de que se um deles se demitisse, ou mesmo um simples ministro, fosse do PSD ou do CDS, o Governo cairia como um castelo de cartas...
 
Têm um objetivo comum: destruir o Estado social, o que tem vindo a ser feito pouco a pouco mas sistematicamente: não respeitar a Constituição da República, apesar de terem jurado cumpri-la, e o Presidente da República fazê-la cumprir como jurou também. O que infelizmente parece não ter até agora acontecido. O que é muitíssimo grave.
 
O País está num impasse, sem saída. Não há qualquer estratégia. Tudo está parado e a incerteza quanto ao futuro é enorme.
 
É óbvio que a crise não é apenas portuguesa. É europeia, em especial da Zona Euro. Mas o Reino Unido também tem graves problemas por resolver e é, ao que parece, cada vez mais antieuropeu.
 
A chanceler Merkel tem gravíssimas responsabilidades no que tem vindo a acontecer. Tem sido a campeã da austeridade para os outros. E agora, depois de ter perdido as eleições - visto que o partido, seu aliado, não conseguiu eleger ninguém para o Parlamento -, está forçada a fazer um acordo com os Sociais Democratas (que tem demorado) para voltar ao poder. E os Verdes recusaram-se logo.
 
Mas a Alemanha começa a ter também os seus problemas económicos internos, o que tem vindo a paralisar e a agravar a crise europeia. A Comissão Europeia, essa, não tem nenhuma visão para vencer a crise. O seu presidente, Durão Barroso, está completamente desprestigiado - como a imprensa francesa e alemã demonstram - e tem, ultimamente (porque está a acabar o seu mandato) procurado intervir no nosso Tribunal Constitucional, sem poder nem o dever fazer.
 
Portugal está, cada vez mais, subordinado à troika, que é quem manda. Mas com que autoridade? Ninguém sabe. O atual Governo, com a sua subserviência e incompetência, obedece ao seu patrão - a troika - e por detrás dela aos mercados usurários, que a comandam, sem discussão.
 
No entanto, como é sabido, o atual Governo mantém-se pela simples razão que é protegido pelo Presidente da República, que ignora o povo e os partidos da oposição, os sindicatos e todas as outras entidades: juízes, militares, académicos, universitários, empresários, etc. Isto é: a grande maioria deste País empobrecido e desesperada, que odeia o Governo Passos Coelho e Portas, como as sondagens demonstram.
 
Esta proteção suspeita do Presidente da República ao Governo, que está há meses paralisado - e submisso à troika -, tem vindo a destruir o prestígio do Chefe do Estado e a torna-lo cúmplice - e responsável - do "descalabro do País" (na expressão de Manuela Ferreira Leite), que tem vindo a agravar-se dia a dia.
 
Na verdade, o Presidente da República está como os membros do Governo, não pode sair à rua, nem sequer passear, com medo de ser vaiado. Que tristeza! Para fugir às dificuldades, tem andado a viajar e quase não fala. Mas está a aproximar--se o momento em que, quer queira quer não, tem de falar e assumir as suas responsabilidades, dada a Constituição que jurou.
 
No passado sábado, o jornal i trouxe uma excelente entrevista - que vale a pena ser lida e relida - de um amigo do Presidente, José da Silva Peneda, presidente do Conselho Económico e Social, que sabe do que fala e o que diz. Aliás, voltou a escrever no Público no domingo. Tem um plano "para a reforma do Estado e o futuro do País". Um modelo para a reforma do Estado que não tem nada que ver com o vazio do guião do Portas, e o futuro do País. Ou seja, um modelo de rutura. É a austeridade que não pode deixar de ser substituída.
 
Segundo diz, as forças sociais já estão de acordo. Mas faltam as pontes entre as forças políticas, o que o preocupa. Pudera! Não é viável fazer um acordo político enquanto este Governo estiver no poder. E acrescenta, cito: "É preciso inventar novas regras, começando pelo modelo económico, que está esgotado. É preciso fazer uma rutura." O que significa: mudar de Governo e acabar com a malfadada austeridade, que só beneficia os mercados usurários e tem vindo a empobrecer e a desgraçar o povo português e a própria classe média.
 
Se assim continuarmos - cito-o de novo - "estamos a aproximar-nos de um País com características do Terceiro Mundo. Muito desequilibrado". É absolutamente certo. Se não formos para uma ditadura.
 
Espero que o Presidente Cavaco Silva leia a entrevista do seu amigo verdadeiro, Silva Peneda, que lhe está a estender a mão para não acabar mal. Porque se isso não acontecer, só se vai esperar, infelizmente, violência. Não haverá outro caminho para a defesa do povo português e de Portugal.
 
Se o Presidente Cavaco Silva continuar a só ver Passos Coelho, Paulo Portas e os seus assessores, ignorando o País real, mais cedo ou mais tarde irromperá subitamente a violência neste país. É inevitável! E o Presidente provavelmente não acabará o seu mandato. Quem o avisa, seu amigo é...
 
Perceba pois a importância da mão que o seu amigo Silva Peneda lhe estendeu. E siga o que ele lhe propõe. A troika e a austeridade estão esgotadas. O Governo moribundo. Não se deixe ficar na mesma posição... Nesse caso, não acabará o seu mandato. E se chegar a sair de cena, será muito mal.
 
2. O IRÃO ESTÁ A MUDAR
 
A eleição do Presidente do Irão, Hassan Rohani, está a modificar profundamente a política interna e externa do Irão, com o beneplácito do líder supremo, ayatollah Khamenei. Para muito melhor, obviamente, e sem os fanatismos anteriores.
 
O Presidente Barack Obama percebeu isso, com a sua habitual argúcia e com o auxílio do seu excelente secretário de Estado, John Kerry. Deste modo, estão a decorrer conversações e mais negociações em Genebra para um bom entendimento entre os dois Estados. Que vai ter consequências benéficas para a paz, numa região até agora tão complexa e onde os terroristas da Al-Qaeda proliferam e as guerras abundam.
 
Não é compreensível assim que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, tenha há dias aparecido nas televisões a tentar impedir que essas negociações progridam, invocando a existência de bombas atómicas no Irão (o que não parece ser certo), quando Israel as tem em abundância, como se sabe.
 
Israel precisa de paz e a região também. A Palestina igualmente, como quase todos os países do Norte de África, onde a guerra - com exceção da Tunísia - e as bombas dos terroristas proliferam, o que é uma intolerável desgraça...
 
Os Estados Unidos, que continuam a ser a grande potência mundial, têm felizmente à sua frente um grande Presidente, Barack Obama, de que muitos não gostam - sobretudo os republicanos racistas e retrógrados -, mas que ficará na história como um grande pacifista, como as negociações com o Irão demonstram. Israel devia estar a seguir esse passo, que contribuirá para a paz no mundo árabe - como seguramente os judeus progressistas estarão. Mas não o primeiro-ministro de Israel. Que quer a guerra, feita pelos outros e com o dinheiro do lobby judaico americano...
 
A verdade é que o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, tem contribuído para as negociações de paz entre os Estados Unidos e o Irão. É significativo. Parti- cipou nas negociações em Genebra e disse que o acordo de paz entre os Estados Unidos e o Irão representa um compromisso histórico. Mas não é só a Rússia - ao contrário da Arábia Saudita - que participa nas negociações. Também a França, o Reino Unido e a própria Alemanha. Trata-se de um compromisso entre o Irão e os Estados Unidos que interessa a todos e vai acalmar, seguramente, uma boa parte do universo árabe.
 
Barack Obama, muito prudente, talvez para acalmar os seus aliados islâmicos, aceita o acordo, mas como um primeiro passo.
 
O chefe da delegação iraniana, Mohammad Javad Zarif, aceitou suspender o programa de enriquecimento de urânio, afirmando que o Irão não tem bomba atómica. Obama diz-se surpreendido por a República Islâmica ter aceitado suspender o seu programa de enriquecimento de urânio. Mas foi o que aconteceu.
 
Há efetivamente condições reais para que se interrompa os dez anos de luta entre os Estados Unidos e a República Islâmica do Irão, com o objetivo de criar um novo entendimento entre os dois Estados.
 
Interessa a todos os pacifistas e trata-se de um primeiro passo, extremamente importante, para que haja paz no universo islâmico e outros Estados, como o Iraque, que sofreu na carne uma guerra injusta (a que, pessoalmente, sempre me opus e que Durão Barroso irresponsavelmente carimbou com Bush, nos Açores) possam respirar de outra maneira...
 
Hassan Rohani e Barack Obama estão de parabéns. A paz é sempre possível e as guerras, se houver bom senso, devem ser sempre evitadas.
 
Como europeu e pacifista, penso ser bom que a Europa em crise ponha os olhos neste bom exemplo e exclua a guerra, que já tivemos duas ou três vezes, com milhões de mortes inúteis...
 
3. MOÇAMBIQUE PREOCUPA-ME
 
Sempre gostei de Moçambique. É um país com grandes possibilidades que agora descobriu gás e, seguramente, também petróleo. Tornou-se uma grande atração não só para portugueses - que sempre teve, dada a nossa língua comum - mas também para outros, europeus e americanos.
 
No tempo de Salazar, quando lançaram napalm contra populações inocentes de Moçambique, com um inglês, padre Hastings, se bem recordo, fizemos em Londres uma sessão de revolta comum, que teve algum êxito e suscitou nos fascistas peninsulares um grande desagrado. Falei então com vários moçambicanos no exílio, como eu, e pusemo-nos rapidamente de acordo contra o colonialismo português, quando a ONU falava no direito dos povos à autodeterminação. Começámos a denunciar Salazar, que se recusou a estabelecer um acordo com Nehru e por isso se lançou numa guerra impossível. Que perdeu, obviamente.
 
Depois do 25 de Abril, no meu regresso a Lisboa, trazia a ideia de acabar com as guerras coloniais o mais depressa possível. E, portanto, descolonizar - antes de democratizar e desenvolver - para acabar de imediato com as guerras, sem saída, de Salazar e Caetano. Assim procurei fazer e orgulho-me disso.
 
No exílio, conheci vários dirigentes da Frelimo, entre os quais o depois presidente Chissano, de quem me tornei amigo. E, depois do 25 de Abril, deu-se o chamado abraço de Lusaca, com Samora Machel, que nos tornou também, e para sempre, amigos.
 
Depois da independência, a que assisti, surgiu o caso Dhlakama, que a Comunidade de Santo Egídio conseguiu, com o acordo de Chissano, então presidente, fazer a paz, que durou até hoje. Mas recomeçou. E isso não se deve ao atual Presidente Armando Guebuza, que conheço bem e estimo pela sua inteligência e bom senso.
 
Sem a descolonização, que alguns portugueses ainda não percebem, não haveria CPLP nem o milagre da lusofonia, tão decisivamente importante para Portugal. Um dia escreverei como mobilizar a CPLP, uma estrutura única que importa dinamizar com total solidariedade entre os Estados que a formam.
 
Voltando a Moçambique, a Comunidade de Santo Egídio, segundo li em jornais estrangeiros, vai - se é que não está já lá - regressar a Moçambique. Oxalá restabeleça de novo a paz, que é bem devida e necessária a todos os moçambicanos, sobretudo num momento em que Moçambique está a descobrir tantas riquezas. E começa a ter não só portugueses mas europeus, indianos e americanos tão interessados em colaborar com os moçambicanos, um povo múltiplo, com diferentes etnias, com numerosos escritores, alguns de génio, como Mia Couto, recentemente premiado, e artistas diversos, como o saudoso Malangatana. A Fundação Mário Soares tem neste momento uma excelente exposição do escultor Makonde -Ntaluma, aberta ao público até ao fim do ano.
 
Moçambique é um Estado admirável e tem de poder viver em paz e sem criminalidade. Que também tem havido. Espero que o Presidente Guebuza - com o apoio da Comunidade de Santo Egídio e, se for útil, da CPLP - possa restabelecer rapidamente a paz e acabe com a criminalidade.
 
São os votos de um amigo que gosta muito de Moçambique.
 
Leia mais em Diário de Notícias
 

Sem comentários:

Mais lidas da semana