Mário Soares – Diário
de Notícias, opinião
1. O Governo
continua paralisado. Não se entendem o primeiro-ministro e o vice, como é
visível para quem tenha um mínimo de atenção. Mas têm consciência de que se um
deles se demitisse, ou mesmo um simples ministro, fosse do PSD ou do CDS, o
Governo cairia como um castelo de cartas...
Têm um objetivo
comum: destruir o Estado social, o que tem vindo a ser feito pouco a pouco mas
sistematicamente: não respeitar a Constituição da República, apesar de terem
jurado cumpri-la, e o Presidente da República fazê-la cumprir como jurou
também. O que infelizmente parece não ter até agora acontecido. O que é
muitíssimo grave.
O País está num
impasse, sem saída. Não há qualquer estratégia. Tudo está parado e a incerteza
quanto ao futuro é enorme.
É óbvio que a crise
não é apenas portuguesa. É europeia, em especial da Zona Euro. Mas o Reino
Unido também tem graves problemas por resolver e é, ao que parece, cada vez
mais antieuropeu.
A chanceler Merkel
tem gravíssimas responsabilidades no que tem vindo a acontecer. Tem sido a
campeã da austeridade para os outros. E agora, depois de ter perdido as
eleições - visto que o partido, seu aliado, não conseguiu eleger ninguém para o
Parlamento -, está forçada a fazer um acordo com os Sociais Democratas (que tem
demorado) para voltar ao poder. E os Verdes recusaram-se logo.
Mas a Alemanha
começa a ter também os seus problemas económicos internos, o que tem vindo a
paralisar e a agravar a crise europeia. A Comissão Europeia, essa, não tem
nenhuma visão para vencer a crise. O seu presidente, Durão Barroso, está
completamente desprestigiado - como a imprensa francesa e alemã demonstram - e
tem, ultimamente (porque está a acabar o seu mandato) procurado intervir no
nosso Tribunal Constitucional, sem poder nem o dever fazer.
Portugal está, cada
vez mais, subordinado à troika, que é quem manda. Mas com que autoridade?
Ninguém sabe. O atual Governo, com a sua subserviência e incompetência, obedece
ao seu patrão - a troika - e por detrás dela aos mercados usurários, que a
comandam, sem discussão.
No entanto, como é
sabido, o atual Governo mantém-se pela simples razão que é protegido pelo
Presidente da República, que ignora o povo e os partidos da oposição, os
sindicatos e todas as outras entidades: juízes, militares, académicos,
universitários, empresários, etc. Isto é: a grande maioria deste País
empobrecido e desesperada, que odeia o Governo Passos Coelho e Portas, como as
sondagens demonstram.
Esta proteção
suspeita do Presidente da República ao Governo, que está há meses paralisado -
e submisso à troika -, tem vindo a destruir o prestígio do Chefe do Estado e a
torna-lo cúmplice - e responsável - do "descalabro do País" (na
expressão de Manuela Ferreira Leite), que tem vindo a agravar-se dia a dia.
Na verdade, o Presidente
da República está como os membros do Governo, não pode sair à rua, nem sequer
passear, com medo de ser vaiado. Que tristeza! Para fugir às dificuldades, tem
andado a viajar e quase não fala. Mas está a aproximar--se o momento em que,
quer queira quer não, tem de falar e assumir as suas responsabilidades, dada a
Constituição que jurou.
No passado sábado,
o jornal i trouxe uma excelente entrevista - que vale a pena ser lida e relida
- de um amigo do Presidente, José da Silva Peneda, presidente do Conselho
Económico e Social, que sabe do que fala e o que diz. Aliás, voltou a escrever
no Público no domingo. Tem um plano "para a reforma do Estado e o futuro
do País". Um modelo para a reforma do Estado que não tem nada que ver com
o vazio do guião do Portas, e o futuro do País. Ou seja, um modelo de rutura. É
a austeridade que não pode deixar de ser substituída.
Segundo diz, as
forças sociais já estão de acordo. Mas faltam as pontes entre as forças
políticas, o que o preocupa. Pudera! Não é viável fazer um acordo político
enquanto este Governo estiver no poder. E acrescenta, cito: "É preciso
inventar novas regras, começando pelo modelo económico, que está esgotado. É
preciso fazer uma rutura." O que significa: mudar de Governo e acabar com
a malfadada austeridade, que só beneficia os mercados usurários e tem vindo a
empobrecer e a desgraçar o povo português e a própria classe média.
Se assim
continuarmos - cito-o de novo - "estamos a aproximar-nos de um País com
características do Terceiro Mundo. Muito desequilibrado". É absolutamente
certo. Se não formos para uma ditadura.
Espero que o
Presidente Cavaco Silva leia a entrevista do seu amigo verdadeiro, Silva
Peneda, que lhe está a estender a mão para não acabar mal. Porque se isso não
acontecer, só se vai esperar, infelizmente, violência. Não haverá outro caminho
para a defesa do povo português e de Portugal.
Se o Presidente
Cavaco Silva continuar a só ver Passos Coelho, Paulo Portas e os seus
assessores, ignorando o País real, mais cedo ou mais tarde irromperá
subitamente a violência neste país. É inevitável! E o Presidente provavelmente
não acabará o seu mandato. Quem o avisa, seu amigo é...
Perceba pois a
importância da mão que o seu amigo Silva Peneda lhe estendeu. E siga o que ele
lhe propõe. A troika e a austeridade estão esgotadas. O Governo moribundo. Não
se deixe ficar na mesma posição... Nesse caso, não acabará o seu mandato. E se
chegar a sair de cena, será muito mal.
2. O IRÃO ESTÁ A
MUDAR
A eleição do
Presidente do Irão, Hassan Rohani, está a modificar profundamente a política
interna e externa do Irão, com o beneplácito do líder supremo, ayatollah
Khamenei. Para muito melhor, obviamente, e sem os fanatismos anteriores.
O Presidente Barack
Obama percebeu isso, com a sua habitual argúcia e com o auxílio do seu
excelente secretário de Estado, John Kerry. Deste modo, estão a decorrer
conversações e mais negociações em Genebra para um bom entendimento entre os
dois Estados. Que vai ter consequências benéficas para a paz, numa região até
agora tão complexa e onde os terroristas da Al-Qaeda proliferam e as guerras
abundam.
Não é compreensível
assim que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, tenha há dias
aparecido nas televisões a tentar impedir que essas negociações progridam,
invocando a existência de bombas atómicas no Irão (o que não parece ser certo),
quando Israel as tem em abundância, como se sabe.
Israel precisa de
paz e a região também. A Palestina igualmente, como quase todos os países do
Norte de África, onde a guerra - com exceção da Tunísia - e as bombas dos
terroristas proliferam, o que é uma intolerável desgraça...
Os Estados Unidos,
que continuam a ser a grande potência mundial, têm felizmente à sua frente um
grande Presidente, Barack Obama, de que muitos não gostam - sobretudo os
republicanos racistas e retrógrados -, mas que ficará na história como um
grande pacifista, como as negociações com o Irão demonstram. Israel devia estar
a seguir esse passo, que contribuirá para a paz no mundo árabe - como
seguramente os judeus progressistas estarão. Mas não o primeiro-ministro de
Israel. Que quer a guerra, feita pelos outros e com o dinheiro do lobby judaico
americano...
A verdade é que o
ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, tem contribuído para
as negociações de paz entre os Estados Unidos e o Irão. É significativo. Parti-
cipou nas negociações em Genebra e disse que o acordo de paz entre os Estados
Unidos e o Irão representa um compromisso histórico. Mas não é só a Rússia - ao
contrário da Arábia Saudita - que participa nas negociações. Também a França, o
Reino Unido e a própria Alemanha. Trata-se de um compromisso entre o Irão e os
Estados Unidos que interessa a todos e vai acalmar, seguramente, uma boa parte
do universo árabe.
Barack Obama, muito
prudente, talvez para acalmar os seus aliados islâmicos, aceita o acordo, mas
como um primeiro passo.
O chefe da
delegação iraniana, Mohammad Javad Zarif, aceitou suspender o programa de
enriquecimento de urânio, afirmando que o Irão não tem bomba atómica. Obama
diz-se surpreendido por a República Islâmica ter aceitado suspender o seu
programa de enriquecimento de urânio. Mas foi o que aconteceu.
Há efetivamente
condições reais para que se interrompa os dez anos de luta entre os Estados Unidos
e a República Islâmica do Irão, com o objetivo de criar um novo entendimento
entre os dois Estados.
Interessa a todos
os pacifistas e trata-se de um primeiro passo, extremamente importante, para
que haja paz no universo islâmico e outros Estados, como o Iraque, que sofreu
na carne uma guerra injusta (a que, pessoalmente, sempre me opus e que Durão
Barroso irresponsavelmente carimbou com Bush, nos Açores) possam respirar de
outra maneira...
Hassan Rohani e
Barack Obama estão de parabéns. A paz é sempre possível e as guerras, se houver
bom senso, devem ser sempre evitadas.
Como europeu e
pacifista, penso ser bom que a Europa em crise ponha os olhos neste bom exemplo
e exclua a guerra, que já tivemos duas ou três vezes, com milhões de mortes
inúteis...
3. MOÇAMBIQUE
PREOCUPA-ME
Sempre gostei de
Moçambique. É um país com grandes possibilidades que agora descobriu gás e,
seguramente, também petróleo. Tornou-se uma grande atração não só para
portugueses - que sempre teve, dada a nossa língua comum - mas também para
outros, europeus e americanos.
No tempo de
Salazar, quando lançaram napalm contra populações inocentes de Moçambique, com
um inglês, padre Hastings, se bem recordo, fizemos em Londres uma sessão de
revolta comum, que teve algum êxito e suscitou nos fascistas peninsulares um
grande desagrado. Falei então com vários moçambicanos no exílio, como eu, e
pusemo-nos rapidamente de acordo contra o colonialismo português, quando a ONU
falava no direito dos povos à autodeterminação. Começámos a denunciar Salazar,
que se recusou a estabelecer um acordo com Nehru e por isso se lançou numa
guerra impossível. Que perdeu, obviamente.
Depois do 25 de
Abril, no meu regresso a Lisboa, trazia a ideia de acabar com as guerras
coloniais o mais depressa possível. E, portanto, descolonizar - antes de
democratizar e desenvolver - para acabar de imediato com as guerras, sem saída,
de Salazar e Caetano. Assim procurei fazer e orgulho-me disso.
No exílio, conheci
vários dirigentes da Frelimo, entre os quais o depois presidente Chissano, de
quem me tornei amigo. E, depois do 25 de Abril, deu-se o chamado abraço de
Lusaca, com Samora Machel, que nos tornou também, e para sempre, amigos.
Depois da
independência, a que assisti, surgiu o caso Dhlakama, que a Comunidade de Santo
Egídio conseguiu, com o acordo de Chissano, então presidente, fazer a paz, que
durou até hoje. Mas recomeçou. E isso não se deve ao atual Presidente Armando
Guebuza, que conheço bem e estimo pela sua inteligência e bom senso.
Sem a
descolonização, que alguns portugueses ainda não percebem, não haveria CPLP nem
o milagre da lusofonia, tão decisivamente importante para Portugal. Um dia
escreverei como mobilizar a CPLP, uma estrutura única que importa dinamizar com
total solidariedade entre os Estados que a formam.
Voltando a
Moçambique, a Comunidade de Santo Egídio, segundo li em jornais estrangeiros,
vai - se é que não está já lá - regressar a Moçambique. Oxalá restabeleça de
novo a paz, que é bem devida e necessária a todos os moçambicanos, sobretudo
num momento em que Moçambique está a descobrir tantas riquezas. E começa a ter
não só portugueses mas europeus, indianos e americanos tão interessados em
colaborar com os moçambicanos, um povo múltiplo, com diferentes etnias, com
numerosos escritores, alguns de génio, como Mia Couto, recentemente premiado, e
artistas diversos, como o saudoso Malangatana. A Fundação Mário Soares tem
neste momento uma excelente exposição do escultor Makonde -Ntaluma, aberta ao
público até ao fim do ano.
Moçambique é um
Estado admirável e tem de poder viver em paz e sem criminalidade. Que também
tem havido. Espero que o Presidente Guebuza - com o apoio da Comunidade de
Santo Egídio e, se for útil, da CPLP - possa restabelecer rapidamente a paz e
acabe com a criminalidade.
São os votos de um
amigo que gosta muito de Moçambique.
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