Irish
Independent, Dublin – Presseurop – imagem AFP
Em 16 de dezembro,
a Irlanda ficou finalmente livre dos três anos de planeamento económico
paralisador da troika. No entanto, apesar de o Governo de Dublin ter recuperado
a soberania financeira, o país irá descobrir que, do mesmo modo que
contribuíram para boa parte da crise, os acontecimentos irão influenciar a política
do período pós-troika.
No auge da crise
financeira, estive presente numa festa, em casa de uma das muitas pessoas que
foram contratadas para pôr em ordem as finanças do país.
Ao fim da noite, a
porta abriu-se e cinco homens atravessaram a sala com uma pose que me fez
pensar que eles tinham acabado de sair de um dos filmes da série Homens de
Preto.
Perguntei quem eram
os convidados que tinham acabado de chegar e responderam-me que eram os
inspetores “do FMI e do BCE”, que estavam no país para avaliar os nossos
progressos.
Os homens, de fato
preto e cabelo penteado para trás, transpiravam confiança.
Enquanto as outras
pessoas olhavam sombriamente para o fundo do copo, usando um tom alegre e um
tanto presunçoso, os tais homens apresentaram o seu julgamento sobre o que
tinha corrido mal no país e informaram-nos de que tínhamos pela frente um
caminho difícil.
Acho que nunca me
senti tão deprimido depois de uma festa como me senti depois daquela.
E, hoje de manhã,
passados três anos, vamos sair de casa para ir trabalhar, sabendo que já não
estamos sob o jugo
da troika.
Crescimento modesto
Todos os gritos e
lamentos que acompanharam a chamada perda de soberania do país, em 2010,
deveriam ser substituídos por uma nova confiança, no momento em que damos os
primeiros passos na tão apregoada via da recuperação. Mas será que, esta manhã,
algum de nós se sente realmente diferente?
Provavelmente não.
É óbvio que a saída
do resgate é um passo positivo, mas, tal como boa parte da crise económica,
esse passo esteve fora do nosso controlo. E o mesmo acontecerá com os próximos
cinco anos de recuperação.
Muitos países da UE
anunciaram o fim da recessão, mas o fraco crescimento de 0,2% registado na UE,
no terceiro trimestre, afirma o contrário. O forte crescimento alemão caiu para
0,3% e a economia francesa desacelerou, caindo para 0,1%.
No bloco dos 17
países que usam o euro, o crescimento diminuiu para apenas 0,1% e a recuperação
ainda está a sofrer uma estabilização lenta, ao fim de quase três anos de
recessão.
O modesto
crescimento foi induzido por um aumento das despesas de consumo, mas as
finanças públicas continuam debilitadas.
É significativo que
o crescimento tenha abrandado em relação aos 0,3% do segundo trimestre de 2013.
Na Alemanha, o
motor económico da zona euro, o PIB cresceu 0,3%, mas, segundo o Serviço
Federal de Estatística, isso deveu-se exclusivamente à procura interna.
A Alemanha continua
a ser o principal motor de crescimento, visto que as despesas de consumo e as
exportações se mantêm fortes.
Frágil
sustentabilidade
Entretanto, no que
se refere ao nosso país, a declaração franca e aberta da diretora-geral do
Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, na noite da passada
sexta-feira, disse tudo.
Embora tenha
admitido que a Irlanda está na via da recuperação, Christine Lagarde afirmou
que a sustentabilidade da dívida pública “continua frágil”.
Não há dúvida de
que os desafios económicos se mantêm. O desemprego é demasiado elevado,
a sustentabilidade da dívida pública continua a ser frágil e as dívidas do
setor privado representam uma carga que dificulta a recuperação.
Os bancos que
estiveram na origem da crise financeira continuam não estar de boa saúde, uma
vez que as prestações hipotecárias em atraso e os empréstimos não reembolsados
continuam e exercer pressão negativa sobre os seus balanços.
“A aplicação
continuada de uma política concertada e, portanto, necessária para a Irlanda
recuperar plenamente da crise”, declarou Christine Lagarde.
O que é uma forma
codificada de dizer: “Preparem-se para mais alguns anos difíceis.”
Na semana passada,
o ministro das Finanças, Michael Noonan, advertiu: “não podemos enlouquecer
outra vez”. Muitas pessoas argumentarão que nunca enlouqueceram.
Vidas viradas do
avesso
Nenhum outro país
da Europa mostrou ser tão flexível e dinâmico. Toda a gente sentiu, a nível
financeiro e a nível mental, o sofrimento
causado pela presença da troika.
A sua saída merece
ser comemorada e, na verdade, aprendemos com ela.
Ao longo dos três
últimos anos, as vidas dos cidadãos foram viradas do avesso, dezenas de
milhares de pessoas perderam os empregos e muitas mais emigraram.
As saídas à noite
foram substituídas por sessões de cinema em casa, os Toyota Avensis que
costumavam ser trocados de três em três ou de quatro em quatro anos continuam a
ser utilizados.
Muitas crianças
foram tiradas das escolas privadas, várias pessoas perderam as casas, as
poupanças e as pensões.
Hoje de manhã,
começamos a seguir um novo
caminho. Todos nós sabemos que não vai ser fácil, mas, pelo menos, sabemos
que o pior já passou.
Se, até agora,
conseguiu manter o seu emprego/casa/negócio, há fortes possibilidades de,
agora, ter ficado livre de problemas.
Devíamos dar
pancadinhas nas costas uns dos outros, por termos ido tão longe, como país.
E, hoje, devíamos
conceder-nos uns instantes, para tentarmos imitar a pose dos Homens de Preto,
que felizmente já se foram embora, à procura de outra “festa”.
Traduzido por
Fernanda Barão
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