quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Mandela - UMA REFERÊNCIA DA HUMANIDADE

 


Benjamin Formigo – Jornal de Angola, opinião
 
Mais do que a morte de um homem de Estado, escassos nos dias que correm, com a morte de Nelson Mandela desapareceu uma das últimas referências morais não só de África como da Humanidade em geral.
 
A sua luta contra o apartheid foi uma luta de resistência, de vontades, de inabaláveis convicções. No dia do seu desaparecimento físico eram muitos os que viam Nelson Mandela como um homem de armas, um Presidente anos ao leme da África do Sul. Na verdade cumpriu, por sua decisão, apenas um mandato na Presidência.

Preso pelo regime do apartheid e enviado para a prisão da Ilha das Focas em 1964 permanecendo encarcerado até 1990. No cárcere enviou mensagens e escreveu livros que clandestinamente foram passados para o exterior e divulgados sobretudo fora da África do Sul. Mandela, como ele escreveu, tornou-se o preso mais conhecido sem nunca ser visto em público. Da sua mensagem ficou clara a intenção de construir uma Nação onde todos tivessem lugar. Profundo conhecedor da História do seu país fez um enquadramento político do futuro sem esquecer o passado e sabendo relativizar as situações.

Em Agosto de 1990 o Presidente José Eduardo dos Santos usou a sua influência na SADC e junto dos Países da Linha da Frente para que o último Presidente branco da África do Sul tivesse uma oportunidade de mudar pacificamente o regime. “A África do Sul é um país em mudança. O Presidente De Klerk tem manifestado boas intenções e até tem dado alguns passos que fazem crer que está em condições de as realizar.

A nossa posição nesta altura é a de apoiar todos os esforços dos governantes da África do Sul orientados para a abolição do ‘apartheid’, a democratização do Estado e da sociedade sul-africana e, naturalmente, apoiar todas as forças patrióticas do ANC que durante todos estes anos lutaram para que chegasse este momento de contactos, conversações e discussões políticas com os representantes do governo, para o estabelecimento de uma nova ordem na África do Sul.”, afirmou-me numa longa entrevista em que abordou várias questões de política internacional.

Angola foi um dos países que mais sentiu os efeitos da luta do apartheid para sobreviver. Desde a independência, em 1975, o regime de Pretória efectuava raids em território angolano através da fronteira com a Namíbia ocupada ilegalmente, invocando o direito de perseguir os guerrilheiros do ANC apoiados por Angola, mais tarde o envolvimento do regime do apartheid com a UNITA sustentou a guerra no país durante décadas.

Com a independência da Namíbia F.W. De Klerk, Presidente da África do Sul, conseguiu ganhar o benefício da dúvida que permitiu a libertação de Nelson Mandela. De Klerk não estava seguro do apoio do seu próprio partido, o Partido Nacional, às reformas que iniciara. Mas necessitava de um interlocutor representativo e respeitado pela maioria negra, como necessitava de uma abertura internacional que viria através de Luanda e sem a qual a transição teria sido extremamente difícil.

Nelson Mandela mostrou rapidamente o seu valor moral e político para que o seu país conhecesse uma transição tranquila, ou relativamente tranquila.Dois anos depois da sua libertação e da legalização do ANC e outros partidos Mandela viu De Klerk cumprir a primeira etapa do desmantelamento do apartheid: a 17 de Março de 1992 o referendo entre a minoria branca onde o fim do regime segregacionista foi aprovado por 68,73 por cento contra 31,27 por cento, uma percentagem que só foi possível por uma parte considerável dos afrikaners (boers) ter votado contra o apartheid.

Mais uma vez a moderação, o bom senso e o conhecimento histórico do país de Nelson Mandela foi imprescindível para que uma considerável percentagem de boers tivesse votado para pôr termo ao regime do apartheid.

A transição não era, nem foi fácil e só a paciente calma de Mandela e a confiança por ele conquistada conseguiu travar os mais apressados. Dois anos depois em Abril de 1994 realizou-se o sonho de Nelson Mandela, um homem um voto, as primeiras eleições livres e democráticas sul-africanas que levaram o ANC ao Governo e o próprio Mandela à Presidência, um cargo que desde logo anunciou iria ocupar por um só mandato. Quatro anos depois passou a Presidência a Thabo Mbeki. Retirou-se oficialmente para se dedicar a obras sociais, contudo Nelson Mandela estava por detrás dos acontecimentos sempre que uma crise se adivinhava ou quando era necessário intervir internacionalmente.

Durante a sua Presidência teve início o trabalho da Comissão da Verdade e Reconciliação. Nelson Mandela contornou os desejos de vingança de alguns através desta comissão independente que ouviu e convocou a depor os responsáveis dos excessos cometidos pelo regime separatista. Todavia essa comissão não visava acusar e condenar. Visava apenas apurar a verdade, obrigar cada um a assumir as suas responsabilidades e viver publicamente com elas. Por utópico que pudesse parecer resultou.

Nelson Mandela, talvez contra a sua vontade, tornou-se o símbolo da consciência da Nação e a sua reserva moral mas também uma boa consciência da África. Muitos são os que já disputam a sua herança moral, poucos os que a merecem.

Foto AFP
 

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