domingo, 29 de dezembro de 2013

“O ESTADO DA NAÇÃO É PREOCUPANTE”, diz analista sobre Moçambique

 


Depois de começar com cheias e uma greve de médicos, em Moçambique, 2013 ficou marcado pelas eleições autárquicas, os raptos nas grandes cidades e a morte de civis no conflito político-militar entre o Governo e a RENAMO.
 
De acordo com o analista político do Centro de Estudos Moçambicanos e Internacionais, Henriques Viola, o estado da Nação é, “no mínimo, preocupante”.
 
DW África: Qual é, para si, o estado da Nação?

Henriques Viola (HV): Assistimos, neste momento, a graves problemas a nível da estabilidade política e militar, que eram os principais ganhos que Moçambique tinha conseguido desde os Acordos de Roma em 1992. Assiste-se, neste momento, a uma grande insegurança a nível das capitais [provinciais] com a situação dos raptos. A nível económico estamos a assistir à subida galopante dos preços ao consumidor, principalmente nas zonas centro e norte para aqueles produtos que vêm do sul e também na zona sul para os produtos que vêm do norte. Portanto, o estado atual da Nação é, no mínimo, preocupante.

Apesar de que, a nível macroeconómico, é preciso salientar que começamos a ter um crescimento económico bom, mas é preciso notar que esse crescimento parte de uma base muito baixa.

DW África: Considera que houve ganhos para Moçambique e os moçambicanos em 2013?
 
HV: Ganhos propriamente é muito difícil encontrar, mas é preciso, por exemplo, elogiar em parte, o facto de os processos de exploração dos recursos minerais estarem a avançar. Por outro lado, são ganhos bastante ténues, porque têm um grande problema sob o ponto de vista de redistribuição desta riqueza criada ao nível dos megaprojetos.

Agora, um outro ganho que é preciso salientar, embora também ainda muito ténue, é a lição que os moçambicanos deram recentemente aos políticos de quererem ver um país mais democrático, de quererem ver um país mais aberto, através da sua participação nas últimas eleições.

DW África: Há pouco mencionou também os megaprojetos. O estado da Nação também tem vindo a ser marcado pelos megaprojetos ao longo dos últimos anos. Como é que o Governo pode garantir que a população beneficie dos megaprojetos?

HV: O ponto fundamental dos megaprojetos tem duas vertentes: a primeira vertente que eu acho fundamental é que é preciso preparar a Nação para que ela possa obter benefícios destes megaprojetos, significa uma aposta numa educação de qualidade, de excelência, capaz de colocar os nossos técnicos ao nível dos técnicos internacionais. A partir daí podemos tirar maior benefício desses megaprojetos com a abertura de pequenas e médias empresas, fornecendo bens e serviços a esses megaprojetos.

Por outro lado, é caricato notar que os megaprojetos estão a pagar impostos muito baixos em relação ao que devia ser. Não estou a dizer que sou a favor de impostos altos para os megaprojetos, mas estou a dizer que sou a favor de uma justiça fiscal.

Os poucos que estão unidos nos megaprojetos ganham alguma coisa, os outros que não estão ligados a eles não ganham absolutamente nada. É este “gap” social que é propício para conflitos, que são completamente indesejáveis, neste momento, para o país. Aliás, o conflito, não, o estado de guerra que estamos a viver entre as tropas governamentais e a RENAMO tem, em parte, uma motivação devido a essa fraca redistribuição da renda em Moçambique.

DW África: O ano de 2013 ficou marcado em grande medida pela tensão político-militar entre o Governo e o maior partido da oposição, RENAMO. Vê vontade política, tanto de um lado como do outro, de solucionar o impasse entre as partes e pôr fim ao conflito?
 
HV: Está claro que esta é uma situação que está envolta em muitas artimanhas. De repente, uma parte está a exigir um bocadinho mais do que estava a exigir um pouco antes, noutro momento, o Governo diz que não aceita mediadores, mas apenas observadores. Portanto, é uma situação bastante caricata.

O Governo vem dizer que os mediadores não são necessários neste momento, sobretudo os internacionais, porque esta é uma questão interna e há capacidade interna para resolver. Mas passam-se 20, 30, 40 a conversarem e não resolvem absolutamente nada, não vemos que capacidade interna é essa de que se está a falar.

Portanto, em termos concretos, não se vê nenhuma vontade séria de poder resolver esta questão neste momento. Porque, de uma ou outra forma, as duas partes vão capitalizando um bocadinho com isto. Não sob o ponto de vista de opinião pública, porque, por parte do Governo, em termos de opinião pública, tem sido um erro gravíssimo estar a fazer esta guerra; mas pelo ponto de vista de criação de um caos político que lhe permita fazer algumas manobras essencialmente eleitorais, não há dúvida absolutamente nenhuma de que o Governo vai capitalizando com isso, mais concretamente o partido que está no Governo.
 
Deutsche Welle – Autoria: Marta Barroso – Edição: António Rocha
 

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