segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

PESQUISA APONTA DESENCANTO COM A POLÍTICA NO REINO UNIDO

 


Pesquisa publicada pelo The Guardian alerta sobre perigosa desconexão entre os eleitores britânicos e a democracia que está favorecendo a extrema-direita.
 
Marcelo Justo – Carta Maior
 
Londres - A pesquisa é uma contundente mensagem de fim de ano. A sondagem, que buscava analisar o aumento do número de eleitores britânicos, descobriu que a imensa maioria compreende a importância da política na vida cotidiana, mas estão “furiosos” com os políticos porque eles “não cumprem o que prometem”, “só querem beneficiar a si próprios”, “não dizem o que pensam” ou “todos dizem a mesma coisa”. O desencanto entre os jovens é ainda maior: quase 80% rechaçam a oferta política dominante.

A cinco meses das eleições para o parlamento europeu e a 16 meses das eleições gerais, a pesquisa publicada pelo jornal The Guardian alerta sobre uma perigosa desconexão entre os eleitores e a democracia que está favorecendo a extrema direita xenófoba do UKIP, que está perfilando-se como a terceira força política do Reino Unido.

O desencanto é patente ao comparar a participação do eleitorado na vitória do trabalhista Harold Wilson nos anos 60 com a situação meio século mais tarde. Cerca de 75% dos britânicos foram às urnas em 1964 com uma participação homogênea de todas as idades. Em 2010, os maiores de 65 anos mantiveram uma alta participação (76%) enquanto que, entre os jovens de 18 a 24 anos, só 46% se deram ao trabalho de votar.

Outra maneira de medir o desencanto. Desde os anos 60 até a eleição do trabalhista Tony Blair, em 1997, a participação era superior a 70%. Desta data até hoje, a participação tem ficado abaixo deste índice: em 2001 foi de 60%.

A mensagem foi reforçada em 2013 por figuras públicas como o ex-jogador de futebol do Liverpool e da seleção inglesa, Michael Owen, que reconheceu publicamente que jamais havia votado em sua vida e pelo humorista Russel Brand, de 38 anos, que disse que os políticos eram “tudo a mesma coisa” e que o problema era que “não mudavam nada”.

Segundo os cientistas políticos uma das razões deste fenômeno é que, desde o triunfo de Tony Blair, em 1997, os partidos buscam ocupar o mesmo espaço moderado e centrista. “Se os políticos não se apaixonam por sua mensagem, como vão transmitir algo? Quando os partidos se tornaram centristas muita gente abandonou a política. Quando começou o “Novo Trabalhismo” de Blair, os trabalhadores se desconectaram do trabalhismo”, disse ao The Guardian a cientista política Maria Grasso, da Universidade de Sheffield.

O fenômeno se torna alarmante entre os jovens da era de Twitter e Facebook. A deputada mais jovem da Câmara dos Comuns, a conservadora Chloe Smith, de 27 anos, reconheceu os riscos que isso traz para a democracia. “É um problema existencial para o futuro. Temos que demonstrar aos jovens para que serve a política, por que a eleição importa”, disse ela ao Guardian.

O programa de austeridade da coalizão conservadora-liberal democrata atingiu muito mais forte os jovens que os adultos. Enquanto os aposentados conseguiram manter a passagem grátis em ônibus e outras isenções, os menores de 25 anos são objeto de contínuos cortes dos benefícios sociais por desemprego.

Em meio a este panorama desalentador o ano se fecha com alguns sinais de mudança. O “centrismo” político serviu até o estouro da crise de 2008 porque a sociedade inteira estava surfando: enquanto o crédito fluía, as maiorias estavam mais ou menos satisfeitas. No Reino Unido da Austeridade e dos cortes, não houve maneira de disfarçar a queda do salário real pela disparidade entre um virtual congelamento dos ganhos e um aumento da inflação. Este novo panorama ficou claro quando, no final de setembro, o líder da oposição, o trabalhista Ed Miliband, prometeu congelar as tarifas de eletricidade e gás e obteve tamanho apoio popular que sua mensagem sobre a queda do nível de vida passou a dominar o debate público.

Entre os menores de 25 anos também há sinais de mudança desde 2008 como a mobilização dos estudantes em 2010 e 2011 contra a triplicação das taxas universitárias. Esta mobilização prosseguiu com ocupações de universidades e conflitos ignorados pela imprensa, mas recolhidos pelas redes sociais. Um dos poucos veículos a cobrir esses protestos, o Guardian registrou uma clara mensagem de um dos estudantes: “Estão tentando privatizar a educação e converter os estudantes em consumidores. É o thatcherismo na universidade”, afirmou.

Está claro que o consenso conservador que se seguiu à queda do muro de Berlim, dominado pelo endeusamento do setor privado e pelo consumismo, começa a ser questionado. Uma pesquisa recente mostra que a maioria dos britânicos está a favor de uma renacionalização dos trens, do gás e da eletricidade. O grande problema é que ninguém se atreveu a cultivar essa corrente de opinião com um discurso claro. Caberá ver se o notável êxito que teve Ed Miliband com sua modesta proposta de congelamento tarifário abre às portas a uma alternativa que permita uma reconexão do eleitorado com a democracia.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
 
Créditos da foto: The Guardian
 

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