Tomás Vasques – jornal i
O discurso do
primeiro-ministro está recheado de falsidades. 2014 vai ser um ano cruel e a
verdade é que meio milhão de portugueses nunca mais encontrará emprego
O que mais
sobressaiu do discurso de balanço do ano, feito pelo senhor primeiro-ministro,
na noite de Natal, foi o optimismo, um tanto leviano, com laivos de
triunfalismo, num ou noutro passo. Não é de estranhar, já que se avizinha um
novo ciclo eleitoral, com eleições europeias em Maio do próximo ano e
legislativas no ano seguinte. O discurso de Passos Coelho fixou as traves
mestras da ficção em que vai assentar o discurso político dos partidos que nos
governam: o paraíso está, ali, ao voltar da esquina, ou seja, usando as
palavras de Passos Coelho no seu discurso: “O povo sabe que os seus melhores
anos ainda estão para vir”.
O retrato da
situação em que a maioria dos portugueses vive e o negro futuro que lhe está
reservado, nas próximas décadas, como resultado deste implacável
empobrecimento, foi empurrado para debaixo do tapete, como convém ao logro em
que as sociedades democráticas europeias estão a cair. Mas, sobre o que o líder
do PSD é capaz de dizer, para ganhar votos, estamos conversados. Como diz o
provérbio: à primeira todos caem, à segunda só cai quem quer.
Frases do discurso
do senhor primeiro-ministro, como por exemplo: “A economia começou a crescer e
acima do ritmo da Europa”, “Até ao terceiro trimestre foram criados 120 mil
novos postos de trabalho”, “O desemprego jovem tem vindo a descer, mês após
mês” ou “Na recuperação do nosso país ninguém pode ficar para trás” são todo um
programa falacioso, feito de meias verdades e mentiras, que ocultam e manipulam
a dura realidade. A recessão aumentou em relação ao ano passado, o número de
empregos criados está muito longe dos anunciados; o flagelo da emigração
disfarça o desemprego, e particularmente, o desemprego jovem; quase metade do
meio milhão de desempregados de longa duração nunca mais terá emprego, ficando
irremediavelmente “para trás”; e a miséria espalha-se por todo lado, atingindo
cada vez mais famílias.
A “economia mais
democrática” que este governo fez questão de nos dar, segundo as palavras do
senhor primeiro-ministro, no seu discurso natalício, seguindo religiosamente as
indicações dos três reis magos, invertidos, que nos visitam trimestralmente,
para nos tirar o incenso, a mirra e o ouro, significa apenas salários mais
baixos, mais horas de trabalho por menos dinheiro, menos direitos e protecção
para quem trabalha, reformas mais baixas, menor acesso a cuidados de saúde para
quem mais precisa, maiores desigualdades sociais. Como consequência,
inevitável, deste povo a empobrecer, redimindo-se de ter vivido “acima das suas
possibilidades”, as maiores fortunas aumentam, como no tempo em que Ary dos
Santos escrevia “SARL, SARL, SARL, a pança do patrão não lhe cabe na pele”. A
emigração voltou à hemorragia dos anos 60, quando o ditador de Santa Comba Dão
nos pastoreava, sinal mais do que evidente de que pobreza nos assola, como
nesses anos do século passado, enquanto os que por cá ficam na miséria que por
aí crassa, uma grande parte dela submersa, aproxima-nos de A Comunidade, de
Luiz Pacheco: “Somos cinco numa cama. Para a cabeceira, eu a rapariga, o bebé
de dias; para os pés, o miúdo e a miúda mais pequena”.
2014 vai ser um ano
crucial, independentemente da saída ou não da troika. O empobrecimento
generalizado e os confrontos que este governo desencadeou, entre novos e
velhos, empregados e desempregados, funcionários do Estado e trabalhadores do
sector privado, pensionistas da segurança social e da caixa geral de
aposentações, virão à tona de água, nas eleições para o parlamento europeu. Os
partidos no poder, já em campanha eleitoral, vão afogar os portugueses, usando
todos os meios, para fundamentar a velha rábula salazarista de “pobres, mas
honrados”, enquanto irão acenando com amanhãs radiosos, do género: “O povo sabe
que os seus melhores anos ainda estão para vir”. Mas, como gato escaldado de
água fria tem medo, pode muito bem acontecer que Kundera tenha razão: “a luta
do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento”.
Apesar das
circunstâncias em que vivemos, desejo um bom ano a todos os meus leitores.
Jurista - Escreve à segunda-feira
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