terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Portugal: O GOVERNO DOS TRÊS REIS MAGOS

 

Tomás Vasques – jornal i
 
O discurso do primeiro-ministro está recheado de falsidades. 2014 vai ser um ano cruel e a verdade é que meio milhão de portugueses nunca mais encontrará emprego
 
O que mais sobressaiu do discurso de balanço do ano, feito pelo senhor primeiro-ministro, na noite de Natal, foi o optimismo, um tanto leviano, com laivos de triunfalismo, num ou noutro passo. Não é de estranhar, já que se avizinha um novo ciclo eleitoral, com eleições europeias em Maio do próximo ano e legislativas no ano seguinte. O discurso de Passos Coelho fixou as traves mestras da ficção em que vai assentar o discurso político dos partidos que nos governam: o paraíso está, ali, ao voltar da esquina, ou seja, usando as palavras de Passos Coelho no seu discurso: “O povo sabe que os seus melhores anos ainda estão para vir”.
 
O retrato da situação em que a maioria dos portugueses vive e o negro futuro que lhe está reservado, nas próximas décadas, como resultado deste implacável empobrecimento, foi empurrado para debaixo do tapete, como convém ao logro em que as sociedades democráticas europeias estão a cair. Mas, sobre o que o líder do PSD é capaz de dizer, para ganhar votos, estamos conversados. Como diz o provérbio: à primeira todos caem, à segunda só cai quem quer.
 
Frases do discurso do senhor primeiro-ministro, como por exemplo: “A economia começou a crescer e acima do ritmo da Europa”, “Até ao terceiro trimestre foram criados 120 mil novos postos de trabalho”, “O desemprego jovem tem vindo a descer, mês após mês” ou “Na recuperação do nosso país ninguém pode ficar para trás” são todo um programa falacioso, feito de meias verdades e mentiras, que ocultam e manipulam a dura realidade. A recessão aumentou em relação ao ano passado, o número de empregos criados está muito longe dos anunciados; o flagelo da emigração disfarça o desemprego, e particularmente, o desemprego jovem; quase metade do meio milhão de desempregados de longa duração nunca mais terá emprego, ficando irremediavelmente “para trás”; e a miséria espalha-se por todo lado, atingindo cada vez mais famílias.
 
A “economia mais democrática” que este governo fez questão de nos dar, segundo as palavras do senhor primeiro-ministro, no seu discurso natalício, seguindo religiosamente as indicações dos três reis magos, invertidos, que nos visitam trimestralmente, para nos tirar o incenso, a mirra e o ouro, significa apenas salários mais baixos, mais horas de trabalho por menos dinheiro, menos direitos e protecção para quem trabalha, reformas mais baixas, menor acesso a cuidados de saúde para quem mais precisa, maiores desigualdades sociais. Como consequência, inevitável, deste povo a empobrecer, redimindo-se de ter vivido “acima das suas possibilidades”, as maiores fortunas aumentam, como no tempo em que Ary dos Santos escrevia “SARL, SARL, SARL, a pança do patrão não lhe cabe na pele”. A emigração voltou à hemorragia dos anos 60, quando o ditador de Santa Comba Dão nos pastoreava, sinal mais do que evidente de que pobreza nos assola, como nesses anos do século passado, enquanto os que por cá ficam na miséria que por aí crassa, uma grande parte dela submersa, aproxima-nos de A Comunidade, de Luiz Pacheco: “Somos cinco numa cama. Para a cabeceira, eu a rapariga, o bebé de dias; para os pés, o miúdo e a miúda mais pequena”.
 
2014 vai ser um ano crucial, independentemente da saída ou não da troika. O empobrecimento generalizado e os confrontos que este governo desencadeou, entre novos e velhos, empregados e desempregados, funcionários do Estado e trabalhadores do sector privado, pensionistas da segurança social e da caixa geral de aposentações, virão à tona de água, nas eleições para o parlamento europeu. Os partidos no poder, já em campanha eleitoral, vão afogar os portugueses, usando todos os meios, para fundamentar a velha rábula salazarista de “pobres, mas honrados”, enquanto irão acenando com amanhãs radiosos, do género: “O povo sabe que os seus melhores anos ainda estão para vir”. Mas, como gato escaldado de água fria tem medo, pode muito bem acontecer que Kundera tenha razão: “a luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento”.
 
Apesar das circunstâncias em que vivemos, desejo um bom ano a todos os meus leitores.
 
Jurista - Escreve à segunda-feira
 

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