Tomás Vasques –
jornal i, opinião
O "novo
paradigma" para o qual nos querem conduzir é um modelo de sociedadeà
medida dos poderosos da finança e da economia e gerador de desigualdades
Por estes dias de
quadra natalícia, em que se evoca, mais do que em outra altura do ano, a
solidariedade, os telejornais vão transmitindo pequenos retratos da nossa
triste e chocante realidade social. Por todo o país, sobretudo nas grandes
cidades, associações de solidariedade organizam jantares de Natal para gente
sem-abrigo, de-sempregados, e outros desprotegidos. Comparecem aos milhares, a
lembrar a pobreza e a miséria do século XIX, tão bem descrita por Victor Hugo.
Não há mãos a medir nas muitas iniciativas destas associações: angariação e
distribuição de alimentos pelos muitos milhares que deles precisam, vendas para
angariação de fundos de solidariedade, jantares e muitas outras acções. Nos
jantares de Natal, as vítimas beneficiárias desta solidariedade
assistencialista, fazem declarações arrepiantes. A jornalista pergunta:
"Por que motivo está aqui?" E ele responde, com um ar tão triste,
como envergonhado: "Era operário da construção civil. Tenho 43 anos, estou
desempregado há quase 3 anos. Não tenho dinheiro, nem para comer." E a
jornalista insiste: "Então, do que vive?" A resposta vem rápida:
"Da ajuda das pessoas." E em cada uma das outras pequenas
entrevistas, repetem-se os mesmos dramas, o mesmo sofrimento, a mesma miséria.
Infelizmente, este quadro que os telejornais nos dão não peca por excesso,
antes por defeito: milhares e milhares de famílias com salários mínimos,
trabalhos precários e reformas de fome ou desempregados vão-se arrastando, no
seu quotidiano de miséria, longe das câmaras de televisão.
Dizem-nos os novos
"mestres pensadores" - usando uma designação feliz de André
Glucksmann -, gente muito chegada às "tramitações financeiras", aos
"equilíbrios orçamentais" e às alcatifas que o poder político ou
económico lhes estende, que esta realidade social, que antes era residual, e
hoje se generaliza, levando para a miséria grande parte da classe média, é o
resultado "inevitável" de um "ajustamento necessário à nossa
sobrevivência". Às vezes, mais eufóricos, usando palavreado mais
"culto", informam-nos, com ar sério, que se trata de um "novo
paradigma " da sociedade do futuro, ao qual não há volta a dar: há que
trabalhar mais horas, ganhar muito menos salário, ter menos direitos laborais,
e menos "protecção" do Estado (como se o Estado fosse deles) na
Saúde, na Educação e na Segurança Social. Eles - os novos "mestres
pensadores" - omitem, sem pudor, o elementar: o "novo paradigma"
para o qual nos querem conduzir é um modelo de sociedade à medida dos poderosos
da finança e da economia, gerador de desigualdades cada vez mais fundas. A
iniquidade é tão notória que ao lado destes "ideólogos" do empobrecimento,
como "solução única" para "superar" os nossos males,
aparecem banqueiros e grandes empresários, os quais, cada vez mais afoitos,
lhes complementam os argumentos e as falácias, como são, por exemplo, os casos
de Ulriche e Soares dos Santos.
Para além da defesa
das "teorias do empobrecimento", estes novos "mestres
pensadores" querem fazer-se passar por "guardiões" da
democracia. Para eles, esta gente já devia agradecer o direito que lhes foi
concedido de votar de quatro em quatro anos. Feita a escolha, no interregno,
deviam estar calados e trabalhar para "sairmos da crise". A
Constituição "não corresponde aos tempos em que vivemos"; as decisões
do Tribunal Constitucional são "políticas" e "impedem que o
governo nos leve a bom porto"; as greves só "agravam a situação
económica"; só se manifestam nas ruas "os que não querem
trabalhar"; uma cambada de "nostálgicos da irresponsabilidade"
reúnem-se na Aula Magna ou "sindicalistas pagos pelo Estado"
perturbam os trabalhos da "digna" Assembleia da República.
Como diria Sua
Santidade, o chefe da Igreja Católica, que declarou não se importar que lhe
chamem marxista: perdoai-os Senhor porque eles são insensíveis à pobreza e não
sabem o que é democracia.
Jurista, escreve à
segunda-feira
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