Marcolino Moco* – À Mesa
do Café
No outro dia,
cruzei-me acidentalmente com alguns “mais novos” da comunicação social pública,
e, para a minha agradável surpresa, contrariando a habitual fuga às “minhas
chagas de sarna”, mostraram-se muito simpáticos e conversadores. E, entre as
conversas, para uns eu tinha razão, nas críticas que faço, não a eles, mas ao
sistema que os coloca, a eles, numa condição de “escravos” de ideias dos que se
acham insubstituíveis no poder angolano, mas outros, naquela conversa
aparentemente descontraída, achavam que eu andava adiantado demais porque “isso
é um processo”, diziam.
É a propósito desse
encontro fortuito que me ocorreu dirigir algumas palavras, especialmente aos
“mais novos” deste país, nesta espécie de “mensagem de Ano de Novo” de um
informal Senador da Nação que sou (como alguém agradavelmente me chamou, só que
este tal acha que os senadores devem estar calados e não devem dirigir-se a
“pessoal menor”, mas para mim “pessoal menor” só são as crianças – menores de
18 anos – mas mesmo para estas eu falo; senador não é para só fazer “banga” com
o título e “ver a banda passar”, não).
Para a minha
opinião, nascida de uma longa reflexão, em que nunca me descalcei das minhas
responsabilidades no passado e no presente, mas não aceitando participação num
contínuo “empurrar as coisas com a barriga”, os angolanos, especialmente a sua
juventude, não devem deixar-se embalar nessa ideia de que “estamos num
processo” (estamos numa transição) e é preciso ter paciência, debaixo das
ideias de um grupo minoritário que não sabe fazer outra coisa senão gerir a
manutenção do poder, pisando todas as normas éticas, jurídicas e ate das nossas
respeitadas religiões, que devem contribuir para a harmonização e contínua
pacificação da sociedade. São eles que falam de “lavar roupa suja em casa”,
quando não se coíbem de fabricar sujeira na rua, sem qualquer escrúpulo. Como
lavar roupa suja em casa se a sujeira já está na rua?
A transição, no
desenvolvimento das sociedades, é uma constante que não para. E é geralmente do
inferior para o superior. O que é que se está passar em Angola, no plano das
instituições que é algo que deve preocupar a elite angolana que queira
conscientemente contribuir para um “processo” de passagem do inferior para o
superior? Claramente um retrocesso. É evidente que se tivermos em conta que
cada fenómeno se apresenta com duas faces, esse “retrocesso” significa um
franco “progresso” em relação à construção de uma “monarquia republicana” que
foi academicamente anunciada pelo Professor Doutor Araújo, no livro do seu doutoramento
publicado em 2009. Sintomaticamente, o Professor Araújo é hoje venerando juiz
de um Tribunal Constitucional que com os seus acórdãos 233 e 319 do ano que
termina, continuou a contribuir para a formalização de uma realidade de facto,
imposta de forma cobarde e inaceitável a todos os títulos, e que está na base
das tensões que o país tem vivido, paradoxalmente, com maior intensidade, desde
o fim da guerra civil, em 2002.
Com aqueles
acórdãos e, com todas as urdiduras a que temos assistido, com declarações que
só deixam dúvidas a quem não faz a ligações necessárias dos fenómenos actuais
com os seus precedentes, o Presidente José Eduardo quer: ser reconduzido em
2017 para umas funções em que andará já há 38 cansados anos, tendo ele, nessa
altura, os seus pesados 75 anos. Em 2022, aos seus exaustos 80 anos, sempre com
a “história” de que estamos em transição, o nosso compatriota Zénu, hoje
Presidente do Fundo Soberano de Angola, de que põe e dispõe, sendo nomeado o
para o cargo sorrateiramente, na mesma semana das reuniões com a juventude,
deverá “estar apto” a receber o ceptro do poder. E todos aqueles que reclamarem
deste inusitado nepotismo serão declarados invejosos e frustrados, se não lhes
acontecer pior.
A verdade é que as
tensões irão desenvolver-se num crescendo inaudito e a repressão, que no ano
que termina já atingiu o ponto de transformar o Ministério do Interior e a
Polícia em instituições superiores à Constituição e o direito à manifestação no
“direito à pena de morte”, alcançarão níveis impossíveis de imaginar.
Mas nem tudo foi
negativo no ano que termina. Os partidos políticos conseguiram um consenso,
pela primeira vez, a volta da solidariedade contra o assassinato político e os
direitos humanos, com a UNITA a cumprir o seu papel de maior partido da
oposição.
O meu amigo, outro
Senador da virtual República, o Dr Makuta Nkondo, outra voz que como a minha
não pode ser ouvida no sistema de vergonhoso apartheid imposto na comunicação
social, exprimiu de forma clara, numa TV de rede social, o que muitas pessoas
que radicalizam as suas posições à custa da insensatez do poder actual em
Angola pensam. Acham que estamos a ser governado por estrangeiros, quando não é
assim. É isso. Os extremos geram outros extremos.
Continuo a pedir
daqui que o Senhor Presidente reveja as suas posições, porque poucos e cada vez
menos, numa Angola tão culturalmente variada, irão aceitar pacificamente este
projecto que nos está a impor sorrateiramente, com um discurso de “morde
sopra”.
Boas saídas e boas
entradas.
Luanda, 31 de
Dezembro de 2013 - (www.marcolinomoco.com)
*Marcolino Moco
(nascido em 1953) foi primeiro-ministro de Angola a partir de 02 dezembro de
1992 até 3 de junho de 1996. Moco foi demitido de seu cargo pelo presidente José
Eduardo dos Santos. - Wikipédia
1 comentário:
OS DONOS ANGOLANOS DE PORTUGAL
de Jorge Costa, Francisco Louçã, João Teixeira Lopes
O livro será apreentado pelo jornalista Nicolau Santos na terça-feira, 14 Janeiro, pelas 18h30, na FNAC Chiado.
"Empresários, diplomatas e até intelectuais, pedem ‘de joelhos’ (e alguns até de forma injustificadamente arrogante!) que os jornais portugueses não toquem nos probleminhas dos dignitários angolanos, como por exemplo, os crónicos e mundialmente falados problemas do general Bento Kangamba. (...) É o que se deveria esperar das “compras” descomunais e estratégicas que vinham sendo, e continuam a ser feitas, pela família presidencial de Angola: tornar um país de democracia avançada na Europa, numa coutada de vassalos de um ‘reinado absolutista africano’".
Marcolino Moco, primeiro-ministro angolano entre 1992 e 1996.
Outubro de 2013
Os Donos Angolanos de Portugal é a mais completa abordagem até hoje publicada às formas concretas de poder e influência do capital angolano em Portugal e da importância das relações dos grupos económicos portugueses com a família e o regime de José Eduardo dos Santos.
O livro analisa o processo de acumulação primitiva em Angola e faz o inventário dos grandes articuladores do investimento em Portugal: Isabel dos Santos, Manuel Vicente, António Mosquito, José Leitão, o general Kopelipa. Em cada caso, são apresentados os seus principais parceiros e investimentos.
É ainda contada a história especial do grupo Espírito Santo, dos seus contactos chineses e russos e da sua turbulenta aliança com o regime de José Eduardo dos Santos.
donosangolanos@gmail.com
https://www.facebook.com/events/1415158152056779/?previousaction=join&source=1%20
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