O Ministério da
Saúde lamentou ontem "profundamente" a situação de uma doente
oncológica que esperou dois anos por uma colonoscopia que depois confirmou um
cancro em estado avançado, inoperável. Em declarações à agência Lusa, fonte oficial
do Ministério da Saúde disse ser uma situação "intolerável", que
"lamenta profundamente".
É interessante a
estratégia do ministro da Saúde, Paulo Macedo. Revolta-se, junta-se ao coro,
acha inaceitável - a palavra da moda é "indigna-se" -, talvez até
tenha dado um murro na mesa e exigido o "apuramento imediato de
responsabilidades", embora neste caso talvez seja uma investigação
inoperável para a Inspeção-Geral das Atividades de Saúde. Terá pessoas
suficientes para a fazer? Será que além de incompetência e desmazelo hospitalar
- explicações sempre à mão - é mais um caso para a PJ investigar?
Se for um caso para
a Judiciária não vai ser fácil. Disse anteontem o respetivo sindicato que há um
volume anormal de inspetores experientes a sair para o sector privado e que
esse, digamos, fluxo contínuo, essa corrida para a porta de saída, persiste há
ano e meio sem esmorecer. Imagino o ministro da Administração Interna declarar
com valentia, depois de um assalto mais vistoso, uma desgraça qualquer, uma
família de turistas em apuros - em situação, digamos, inoperável - que
realmente é um episódio que lamenta "profundamente". Vai mandar
investigar a investigação, sim, sim, embora seja preciso olhar para números e
estatísticas, todas elas, não apenas as relativas ao crime, para compreender e
captar o contexto. Um país que não se mede é um país que não se conhece, é um
país que não se gere, não é?
Parece no entanto
que o Instituto Nacional de Estatística (INE) pode não ter os números no final
deste ano, mesmo os mais simples e terrenos; ou então podem ser menos precisos
e fiáveis, piores, enfim, talvez mesmo inoperáveis para os técnicos que os têm
de trabalhar para ajudar a definir as políticas públicas que, supõe-se, ajudam
a melhorar as decisões. Imagino então o ministro Poiares Maduro, que tutela o
INE, dizer que se trata de uma situação "intolerável" e que a lamenta
"profundamente".
Desta vez não
mandará investigar nada. Não vale a pena. Pode ter sido o corte de 30% no orçamento
do INE. Talvez tenham sido os inspetores da PJ que saíram por falta de
condições. Ou se calhar Portugal transformou-se apenas num caso clínico onde
tudo existe pela metade, um país amputado, coxo, manco, em permanente lista de
espera, à espera de melhor governo e um sinal de vida inteligente na oposição.
Nessa altura ficará claro que a reforma do Estado não podia ter sido apenas uma
promessa para iludir os tolos; mas uma verdadeira política capaz de reduzir a
despesa pública (uma inevitabilidade) sem tornar o País e as pessoas
irremediavelmente inoperáveis.
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