José Manuel Pureza –
Diário de Notícias, opinião
A candidatura da
Guiné Equatorial a membro de pleno direito da CPLP - o país tem o estatuto de
observador desde 2006 - desafia os seus Estados membros a assumir uma posição
clara sobre o que deve ser esta plataforma no mundo de hoje.
O que motiva uma
das mais velhas e torcionárias ditaduras de África a bater à porta da CPLP é
claro: procurar a caução internacional que lhe tem sido negada por toda a
gente. Nenhum governo quer aparecer na fotografia como parceiro de um regime
que faz da corrupção, da tortura, das prisões arbitrárias, da negação das
liberdades básicas o seu modo de ser há 35 anos. Ninguém quer ser avalista
internacional de um governo que, a isto tudo, junta a capacidade de transformar
um dos mais elevados PIB per capita de África num dos mais baixos
lugares no índice de desenvolvimento humano, ou seja, um país onde, não
obstante ter um rendimento médio per capita idêntico ao de Itália,
mais de 70% da população vive com menos de dois dólares por dia.
O regime de Teodoro
Obiang precisa de furar o muro de ostracismo a que o sentimento de conveniência
da comunidade dos Estados o votou. E a CPLP é o veículo por ele escolhido para
essa operação de branqueamento. Ora, face ao cadastro ditatorial de invulgar
envergadura e à ausência de qualquer ligação efetiva à língua portuguesa,
causaria, no mínimo, estranheza qualquer abertura da organização às pretensões
de Obiang. A estranheza, porém, desvanece-se logo que surge a palavra petróleo:
a Guiné Equatorial é o terceiro produtor de petróleo e de gás natural da África
subsariana e os milhões do ouro negro permitem ensaiar a compra de vontades
onde quer que seja. Ou nem isso, porque há os que, não precisando de petróleo
nem dos seus proventos, apreciam a condescendência dos seus parceiros para com
um regime como o da Guiné Equatorial porque isso os legitima. É essa a tragédia
desta situação: perdendo a democracia, todos parecem ganhar.
A mais recente
expressão dessa estratégia de compra de vontades é a promessa de injeção de
133,5 milhões de euros no Banif por uma empresa estatal da Guiné Equatorial,
permitindo assim ao banco concluir a sua recapitalização, indispensável para
passar no exame da União Europeia. Não há nenhuma racionalidade económica em
tal investimento nem nenhuma outra razão plausível que não seja o amaciamento
das reservas levantadas até agora por Portugal à entrada da Guiné Equatorial na
CPLP. Não é certamente um acaso que o discurso do Governo tenha evidenciado,
nos últimos dias, sinais de abertura à pretensão de Obiang. A CPLP não é um
clube de democratas imaculados, longe disso. Nem a língua oficial comum aos
seus Estados membros dá à organização uma singularidade idealista de que andem
arredadas estratégias de poder. A questão é outra. A CPLP nunca terá condições
para constituir um bloco que compita com outros internacionais fundados no
poder militar ou no poder económico. Não é, não pode ser, esse o seu
campeonato. O que lhe dará credibilidade será antes o seu contributo específico
para as políticas de diplomacia preventiva, de suporte às práticas democráticas
ou de cooperação Sul-Sul (sobretudo no plano cultural).
É por isso que a
aceitação do regime de Obiang será o pior dos sinais. Porque mostrará uma
organização disposta a abdicar da ambição de ter a força da diferença para se
tornar um entreposto de negócios legitimadores de poderes políticos
autoritários. Com uma agravante: terá muito menos poder que outros entrepostos
do mesmo tipo e tornar-se-á, portanto, facilmente descartável. A CPLP tem
condições para ser pioneira na implementação de políticas de natureza
pós-colonial. Aceitando Obiang descaracteriza-se e abre-se ao caminho da
irrelevância.
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