Orlando Castro –
Folha 8 – 22 fevereiro 2014
EUA e alguns países
da União Europeia estão em estado de alerta perante as notícias, especulações
ou indícios que lhes chegam a partir das suas embaixadas em Angola. O cenário
pós-Eduardo dos Santos faz com que os estados com mais interesses no nosso país
estejam com os pelos em pé. Temem que possa, a todo o momento, acontecer o
pior, ou seja uma onda de violência que poderá dividir aquele que é, até agora,
o principal sustentáculo do regime: as Forças Armadas.
“Na Europa ninguém
acredita que a saída de Eduardo dos Santos apazigue os ânimos ou signifique
um passo na diminuição das clamorosas assimetrias sociais”, diz ao Folha 8 um
eurodeputado português, acrescentando que “uma transição pacífica, seja para o
filho de Eduardo dos Santos ou para outro dos seus delfins, significará mais do
mesmo, ou seja, a manutenção do status quo do clã presidencial, sendo que o que
os angolanos querem acabar é exactamente com isso”.
Outro motivo de
preocupação é a crescente onda de escândalos ou roubos financeiros protagonizados
por figuras gradas do regime, quase sempre envolvendo altas patentes das
Forças Armadas.
Ruben Stewart,
especialista norte-americano em assuntos militares, nomeadamente em África, afirma
ao Folha 8 “que a ala moderada das Forças Armadas de Angola, nomeadamente os
oficiais superiores mais novos, sente-se ultrajada por ver o seu nome ligado a
negócios ilícitos, ou imorais, protagonizados por generais que apenas usam a
patente para viabilizarem algumas negociatas”.
Este especialista
acredita que, em simultâneo, “existe uma interrogação subjectiva por parte
dos militares oriundos da UNITA no sentido de, ao contrário do que desejavam,
pensarem que não foi para ter um país tão desigual que andaram a combater
durante muitos anos”.
Ruben Stewart
admite como “plausível” que sejam as próprias Forças Armadas a dizer ao
Presidente Eduardo dos Santos que tem, rapidamente, de “alterar o actual
estado do país”, pois se “o não fizer, Angola corre o risco de voltar à guerra
ou a uma situação de infindáveis conflitos sociais”.
Apesar dessa
eventualidade, Ruben Stewart admite um outro cenário, “mais grave e que está
no topo dos preocupações dos EUA e, certamente, também da Europa”, e que passa
por uma resposta pura e dura de José Eduardo dos Santos no sentido de manter o
poder nas suas mãos, “alheando-se de tudo quanto de facto o rodeia”.
“É bem possível que
se assista em Angola a uma purga interna, dissimulada pelo rótulo de uma
rebelião ou golpe de Estado, tendo como objectivo a manutenção do poder pelo
actual núcleo-duro do MPLA/Eduardo dos Santos e, dessa forma, conseguindo
facturar alguma benevolência internacional”, afirma Ruben Stewart,
acrescentando que “para o Ocidente é sempre mais fácil dar o benefício da
dúvida aos que estão no poder do que, eventualmente, arriscar um apoio a quem
não conhecem”.
Como aqui já foi
escrito, a consciência de que substanciais alterações no poder no nosso país
podem acontecer a todo o momento, seja de uma forma pacífica através da evolução
na continuidade do regime ou, ainda, por força de uma implosão no partido
maioritário, o MPLA, fazem com que Angola esteja cada vez mais na agenda
política dos nossos parceiros mais relevantes, casos do Brasil, EUA e Europa.
De acordo com o
eurodeputado ouvido pelo Folha 8, “Portugal vai a reboque, preocupando-se
apenas com as relações comerciais, chutando para canto outros valores que, nos
EUA por exemplo, são relevantes, sendo disso exemplo as preocupações com os
direitos humanos, a liberdade de expressão ou a alternância governativa, pedra
de toque de qualquer democracia”.
Também o jornalista
brasileiro Samuel Afonso considera que, “mau grado o apoio oficial dado ao
regime angolano, Brasília tem consciência de que a todo o momento serão outros
os protagonistas que comandarão Angola”, considerando mesmo “ser inevitável uma
revolução primaveril em Luanda, sendo desejo de todos que a mesma se faça de
forma pacífica, se bem que não exista essa garantia”.
“E não existe a
certeza de uma transição pacífica porque, segundo os relatórios dos serviços
de inteligência da maioria dos países que têm interesses em Angola, o próprio
regime equaciona um estratagema para ser ele a inventar um conflito violento
para, dessa forma, se perpetuar no poder”, diz Samuel Afonso.
Perante a cada vez
mais inevitável alteração dos protagonistas que gerem o nosso país há várias décadas,
seja de forma natural ou violenta, existem sobretudo na Europa três teses. A
de que o MPLA, sob a direcção de Eduardo dos Santos ou de quem ele quiser,
continuará no poder durante muitos mais anos; a de que a ala ultra-ortodoxa
do partido considere que o actual presidente está a ser demasiado permissivo,
devendo por isso ser substituído por alguém bem mais radical, e a de que –
embora remota e quase utópica - haja alternância no poder por via eleitoral.
Mesmo considerando
que a alternância por via eleitoral é uma hipótese a longo prazo, as
chancelarias europeias e dos EUA estão a estreitar as relações com os partidos
da Oposição, sobretudo com a UNITA e a CASA-CE, mantendo canais abertos para
não serem apanhadas de surpresa.
Ruben Stewart
confirma a existência dos canais com a Oposição, realçando contudo a
preferência norte-americana pela UNITA. Isto porque, diz, “não se pode
esquecer que muitos dos actuais oficiais superiores das Forças Armadas de
Angola eram há 12 anos membros das FALA”.
Isto poderá
significar, de acordo com Ruben Stewart, que, “em caso de conflito social
real ou provocado pelo MPLA, os militares poderão desempenhar um papel
decisivo, se bem que possam surgir novamente divididos, eventualmente em três
facções: uma que defende o actual estado do regime, outra que queira uma
mudança pacífica e uma terceira que aposte pura e simplesmente na implosão do
país”.
“Pela experiência
tudo leva a crer que os ex-militares da UNITA preferem uma mudança pacífica,
mas podem ser atirados para os extremos se isso interessar à estratégia do
MPLA”, alerta Ruben Stewart.
Samuel Afonso
considera que “Eduardo dos Santos pode já não ter o poder que pensa que tem,
razão pela qual poderá ao aperceber-se disso decidir abrir fogo em todas as
direcções como, aliás, é desejo dos seus colaboradores mais próximos”,
acrescentando que essa estratégia, “na qual o país já não é virgem (27 de Maio
de 1977), poderia ajudar também a criar uma cortina de fumo quanto aos
escândalos financeiros do regime e à violação sistemática dos direitos
humanos”.
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