Qualquer expansão
que inclua países da URSS criaria tensões com a Rússia. Isso é algo que a UE
não precisa nesse momento
Kai Enno Lehmann*,
São Paulo – Opera Mundi, em Duelos de Opinião
Entrar na União
Européia é uma boa solução para as ex-repúblicas soviéticas? NÃO
Boa ideia, tempo errado?
Olhando para a Ucrânia nesse momento – com mais de 15 mortos em confrontos
entre as forças de segurança e manifestantes, somente na terça-feira (18/02) –
vale a pena lembrar que as manifestações nesse país se iniciaram por causa da
decisão tomada pelo governo da Ucrânia de suspender as negociações com a União
Europeia sobre um acordo de associação que teria incluído um acordo de livre
comercio entre os dois lados. Ao invés disso, o governo do presidente
Yanukovitch decidiu buscar uma relação econômica e política mais próxima com a
Rússia.
A situação dramática em Kiev nos leva a considerar uma pergunta mais ampla e
estratégica que se aplica, não somente à Ucrânia, mas a várias outras ex-
repúblicas da União Soviética que hoje são estados independentes: entrar na
União Europeia é uma boa solução para esses países tanto economicamente, quanto
politicamente?
Em termos econômicos, a resposta parece mais fácil. Apesar da sua crise, a
União Europeia ainda representa um mercado comercial extremamente importante e
atraente para países geograficamente próximos e com profundas necessidades
econômicas, como é o caso da Ucrânia. De fato, levando em consideração o
tamanho e a proximidade do mercado europeu, algum tipo de relação comercial com
a União Europeia seria quase inevitável.
Dito isso, mesmo no campo econômico, a questão não é tão simples. Por exemplo,
em 2012, mais de 60% das exportações ucranianas foram para outros estados
ex-soviéticos, mostrando a importância que o lado oriental tem para esse país.
Ao mesmo tempo, a crise econômica da União Europeia desde 2008 certamente fez
com que esse bloco tenha perdido parte da sua atração. Em 2012, a economia dos
países que usam a moeda única europeia mostrou crescimento negativo de 0,5% e
alguns dos países da Europa Oriental que faziam parte do orbito soviético e
hoje fazem parte da União Europeia ainda não se recuperaram completamente das
consequências da crise de 2008. Em outras palavras, o caso econômico para se
associar à União Europeia está mais frágil do que alguns anos atrás.
Mesmo se isso não fosse o caso, temos que falar também sobre algumas
considerações políticas e estratégicas, principalmente sobre a proximidade da
Rússia.
A Rússia,
naturalmente e historicamente, tem um enorme interesse nas antigas partes da
União Soviética, tendo já perdido, de fato, muita influência sobre os seus
antigos estados satélites da Europa Oriental que hoje fazem parte da União
Europeia e, em alguns casos, da OTAN também. Ao longo dos anos, esse país
mostrou claramente que não tem medo de usar todos os instrumentos disponíveis a
ele para defender o seus interesses estratégicos na região e manter influencia,
a guerra de cinco dias na Geórgia em 2008 sendo, talvez, o exemplo mais claro,
mas certamente não o único.
Com isso em mente, cada governo da região tem que analisar cuidadosamente quais
seriam as consequências de uma associação com a União Europeia, seja ela como
membro pleno ou em forma de um acordo de associação (como era proposta no caso
da Ucrânia). Em termos simples, é crucial ter consciência de que qualquer
associação com a União Europeia terá, além do custo-benefício, aspectos não
somente econômicos mas, também, políticos. De fato, levando em
consideração a importância da Rússia como fornecedor de energia tanto para a
União Europeia quanto para muitas das ex-repúblicas soviéticas, é quase
impossível separar os aspectos econômicos e políticos. Eles interagem de
maneira complexa e – muitas vezes – imprevisível.
Sendo assim, cada país teria que fazer uma análise de custo-benefício, mas com
algumas variáveis desconhecidas de médio ao longo prazo e com a situação
contemporânea da União Europeia menos do que ideal. Diante dessas
circunstancias valeria a pena assumir os riscos evidentes nos acontecimentos na
Ucrânia?
De fato, seria
possível fazer um argumento semelhante do ponto de vista da União Europeia. Em
termos práticos, por que a organização assumiria, nesse momento, o risco, o
trabalho e os custos de incorporar países que serão recipientes dos fundos da
União Europeia – ao invés de contribuintes? Por que assumir as dificuldades de
adaptar os processos decisórios e as instituições da União Europeia a novos
membros, um processo que levará muito tempo e somente mostraria para tudo mundo
as tensões internas existentes da União Europeia num momento no qual a
organização já sofre com enormes problemas de legitimidade vis-à-vis da sua
população, como, sem dúvida, será demonstrado mais uma vez durante as eleições
para o Parlamento Europeu em maio desse ano? Por que assumir um processo de
adesão que durará anos numa situação onde e quando as necessidades imediatas da
UE são enormes?
Essas dificuldades
incluem, entre outras, a fragilidade do sistema democrático em alguns desses
países (veja a Ucrânia) ou, em outros casos, a inexistência de tal sistema
(veja a Bielorrússia, entre outros), mas que é uma precondição básica para
qualquer país poder entrar na União Europeia. Nem falamos sobre a dificuldade –
talvez a impossibilidade – de decidir quais das ex-repúblicas soviéticas realmente
são ‘europeias’ e, assim, elegível para entrar na organização, uma questão que
ainda está sendo debatida a respeito da Turquia, décadas depois de esse país
ter submetida a sua candidatura para se associar à União Europeia. Como já dito
acima, qualquer ‘expansão’ da organização para incluir mais países ex-
soviéticos também criaria fortes tensões com a Rússia, algo que a União
Europeia não precisa nesse momento.
Obviamente, existem muitos outros fatores que nós não temos tempo de considerar
aqui nesse momento. Todavia, somente essas breves considerações acima mostram
que buscar uma associação com a União Europeia nesse momento por parte de
antigas repúblicas soviéticas traz enormes problemas por ambas as partes o que,
ao menos, cria enormes dúvidas sobre os possíveis benefícios de uma associação.
Duvido que a União Europeia vá se fechar definitivamente aos seus vizinhos
orientais, mas, agora não seria a hora para se abrir.
*Kai Enno Lehmann é
doutor em relações internacionais e professore do instituto de relações
internaionais da Universidade de São Paulo
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