Eduardo Oliveira
Silva – Jornal i, opinião
Um político
disfarçado de tecnocrata a tentar recuperar a imagem antes que o esqueçam
Os ministros das
Finanças têm a rara característica de ser recicláveis. Não faltam casos para o
demonstrar. Salazar é o exemplo extremo, porque na sua estrita condição de
titular das Finanças é hoje tido por alguns como um génio que pôs as contas em
ordem, mesmo que isso tenha sido feito apoiado numa ditadura de meio século,
cujos efeitos nefastos ainda pagamos.
Neste momento
estamos a assistir a uma inédita corrida a galope no sentido da beatificação
política de Vítor Gaspar. Aqui e ali viam-se já artigos e comentários elogiosos
e a plantação de notícias sobre grandes convites para o ex-ministro ser
consultor disto e daquilo ou para desempenhar uma importante função internacional
no BCE, na UE ou no FMI, preparando o caminho a um lifting político.
Não vai por isso
ser preciso ler de ponta a ponta o livro/entrevista de Gaspar feito por uma
conceituada jornalista política para perceber que o propósito do ex-ministro
(que não necessariamente da entrevistadora) é reconstruir a sua imagem e
ajustar contas com Paulo Portas, que lhe permite justificar a sua inopinada
deserção.
Não é certamente
por acaso que Gaspar dirá que a sua saída quase não teve efeitos nos mercados,
enquanto explica que a crise aberta por Portas teve, essa sim, um poderoso
impacto negativo, atirando as responsabilidades para o lado do exercício da
política e eximindo- -se às suas.
É bem tentado, mas
não convence. Até porque Vítor Gaspar é um político. Não um daqueles tipo
jotinha que, bem ou mal, dão a cara e lutam por lugares indo a votos, mas dos
da espécie dos que evoluem em gabinetes e corredores de instituições até ao dia
em que sentem a força do poder e não aceitam ser contestados.
O seu regresso autojustificativo
é objectivamente uma tentativa, legítima, é certo, de recuperar a imagem de
alguém que deixou o país num atoleiro, fugiu pela porta pequena quando achou
que ia tudo correr mal, não quis ir apanhar as canas e agora, antes de seguir
para um destino internacional confortável, não quer fazer o caminho das pedras
e procura já a bênção suprema da beatificação, almejando, quem sabe, a
canonização.
Quando abandonou,
Gaspar não contava que a Europa metesse mãos à obra e desse uma ajuda
substancial à Irlanda, à Espanha, a Portugal e à Grécia para procurar estancar
a recessão económica e o colapso financeiro que vivíamos por causa de uma
política suicida, que trouxe estes países para níveis de pobreza inimagináveis,
desnecessários e perigosos para a coesão e a paz social, como se comprova agora
pela implantação de movimentos extremistas de direita e de esquerda em toda a
Europa.
O que se estranha
em Gaspar não é o percurso do renascimento da Fénix que percorreram
antecessores que tiveram igualmente resultados desastrosos, como Pereira de
Moura, Salgueiro, Braga de Macedo, Sousa Franco, Oliveira Martins ou Teixeira
dos Santos, que também já iniciou uma terapia de reabilitação. Estranha-se sim
a ânsia com que pretende fazer o caminho, o que comprova que por detrás da sua
linguagem pausada há uma personalidade impulsiva que preconiza soluções
imediatas, como as que foram aplicadas entre nós com os resultados sinistros
que estão à vista. Até José Sócrates levou mais tempo a regressar.
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Vítor Gaspar atribui a sua saída do governo a Paulo Portas
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