Henrique Raposo –
Expresso, opinião
É um combate? Um
jogo de pingue-pongue? Não. É o retrato de uma perplexidade: Avillez não
compreende Gaspar mas tenta chegar lá; durante 400 páginas, Gaspar segue em
linha recta com as mãos atrás das costas, qual Kant da calculadora, e Avillez
anda à sua volta, num círculo permanente de espanto: quem é este tipo? Porque é
que ele pensa assim? E a maior perplexidade da jornalista está na forma como
Gaspar e o resto do governo esqueceram o discurso político. Eu compreendo
Avillez, porque ando a dizer a mesma coisa desde o início .
Estes ministros não têm funcionado como um governo, mas sim como o Excel
colectivo do necessário ajustamento. Aliás, é mais ou menos assim que Gaspar se
apresenta, olá, sou o Vítor, o gajo do ajustamento.
Para sermos
honestos, é preciso dizer que este ajustamento externo é fundamental. Vítor
Gaspar tem razão na explicação da crise e dos nossos desequilíbrios. Mais:
conduzir um país em permanente risco de bancarrota desordenada é uma tarefa que
exige coragem. Gaspar e os outros ministros mostraram essa coragem, uma coragem
idêntica ou superior à de Soares e Ernâni Lopes em 1983-85. O problema é que
Passos e Gaspar nunca misturam a coragem financeira com a inteligência
política, nunca fizeram a articulação de um discurso moral para a população e,
acima de tudo, nunca pensaram na reforma do Estado.
Exemplos? Estamos
em 2014 e ainda não sabemos como vai ser o regime de segurança social do futuro
próximo. Já toda a gente sabe que este sistema é insustentável e injusto.
Perante este cenário, o governo tinha o dever de impor uma reforma que
apontasse um pouco de luz sobre as reformas das gerações, vá, abaixo dos 50
anos. Todavia, Passos e Portas não fizeram nada neste sentido. Aliás, não me
esqueço de um pormenor relatado pela imprensa logo em 2011: Mota Soares começou
a falar da reforma da Segurança Social no sentido da conta individual e
capitalizada; com medo das indignações do costume, Passos e Portas cortaram o
pio ao jovem ministro. Este é apenas um exemplo da falha imperdoável deste
governo: a ausência de um juízo moral sobre o futuro colectivo das três
gerações de portugueses que vivem aqui e agora, isto é, a ausência de política.
Sem comentários:
Enviar um comentário