Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
Foi entregue, na
passada quinta-feira, na Assembleia da República, uma petição subscrita por
mais de seis mil cidadãos e cidadãs que reclamam a preparação e a abertura
urgente de um processo de renegociação da dívida pública portuguesa com todos
os credores privados e oficiais, isto é, com bancos, fundos de investimento e
outras instituições financeiras privadas, com o BCE, o FMI e os fundos da União
Europeia.
A pobreza não paga
a dívida. Mas o povo português, aprisionado na armadilha da dívida, continuará
a empobrecer e a ter menos liberdade, democracia e soberania.
Os peticionários,
entre os quais me incluo, consideram que os portugueses não se devem deixar
enredar na discussão sobre se há ou não resgate, se há ou não programa
cautelar, se um cautelar é pior ou melhor do que um resgate. Estas duas
hipóteses estão formuladas sob o mesmo objetivo: submeter e agrilhoar os
portugueses à austeridade, aprofundando desigualdades. Com uma ou outra dessas
receitas, a dívida será cada vez mais pesada, o futuro de gerações posto em
causa. Os governantes que temos comportar-se-ão sempre como cobradores de
fraque: uma aparência civilizada e utilização de todos os meios para explorar o
povo.
Uma verdadeira
saída do buraco em que estamos metidos exige séria renegociação da dívida,
único plano que a cautela recomenda. O serviço da dívida, que em juros nos
custa por ano quase o mesmo que o serviço nacional de saúde, é a grande despesa
pública que está a impedir o país de sair do abismo do des-desenvolvimento.
A austeridade,
justificada com a necessidade de reduzir a dívida está, na realidade, a servir
para a aumentar. Nos últimos três anos a dívida direta do Estado, que nada tem
a ver com dívida das empresas públicas, cresceu 35%. Um país que empobrece e se
despovoa, que destrói coesão social, territorial e intergeracional fica em
muito piores condições para pagar a dívida. A recuperação torna-se impossível
com o peso dos juros e da amortização. Por outro lado, nada justifica que o
Estado sobreponha os compromissos que assumiu com os credores financeiros a
todos os outros compromissos que tem para com os cidadãos inerentes à garantia
da dignidade, da liberdade e do funcionamento do Estado de direito democrático.
Não nos deixemos
enganar. Há uma explicação clara para o endividamento de Portugal e dos outros
países da periferia europeia - o negócio bancário desregulado. O negócio dos
bancos é emprestar dinheiro e cobrar juros. Nesse negócio os únicos limites são
o volume de dinheiro disponível para emprestar, a pressuposta regulação do
banco central e a prudência, que, como sabemos, é atropelada muitas vezes por
estratégias de imediata acumulação de riqueza. Com a integração dos mercados
financeiros na Europa de Maastricht e depois com a moeda única, os bancos
portugueses passaram a poder dispor de um fluxo quase ilimitado de dinheiro
obtido a partir de empréstimos de bancos de economias excedentárias, feitos a
juros muito baixos. Endividaram-se para expandir o seu negócio - o crédito - em
proporções nunca antes imaginadas.
Para os bancos, ou
seja, para os seus acionistas e dirigentes remunerados a peso de ouro, foi um
festim. Para amigos e figurões do centrão de interesses, foram milhares de
milhões de euros. Para uma minoria que tinha acesso fácil ao crédito e era
propensa a frenesins consumistas, também foi algum. Isto, a par de muita
apropriação privada de recursos públicos, que de resto continua, explica o que
aconteceu. Houve quem roubasse, quem ganhasse e quem gastasse, mas não foi a
maioria do povo. Esse é apenas pagador.
É preciso declarar
perante os credores, nomeadamente perante os bancos que beneficiaram do festim,
que a dívida tem de ser renegociada e reduzida. Precisamos de um governo e de
instituições nacionais que tomem a iniciativa de preparar, técnica e
politicamente, este processo complexo e exigente. De outra forma, serão os
próprios credores a encarregar-se de nos impor o que lhes interessa. Portugal
continuará colocado com a cabeça à tona de água para não se afogar e ir
pagando, mas sempre sem forças para poder libertar-se da armadilha da dívida.
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