Tomás Vasques –
Jornal i, opinião
A narrativa
política está construída e foi dita neste congresso: "A vida dos
portugueses não está melhor, mas o país está"
O PSD reuniu em
congresso, e cumpriu-se a liturgia própria da maior parte dos congressos
partidários. Deste ou de qualquer outro partido, o que tem transformado a
política num assunto de crentes. Neste fim-de-semana, o líder do partido e
primeiro-ministro, rodeado de párocos, frades e abades, de arcebispos, bispos e
cardeais, que se desfizeram em aplausos, como quem acumula pontos para os
trocar por lugares no partido e no Estado, anunciou, como na liturgia dos
católicos romanos, a entrega e o sacrifício do PSD para a salvação dos homens e
do país. Fica por saber se o que foi dito no espectáculo mediático, que rodeou
o conclave, ultrapassou as paredes do convento das Portas de Santo Antão e
chegou ou não ao rebanho.
Apesar dos rituais,
os congressos do PSD, mais do que qualquer outro partido nacional, reservam-nos
sempre uma surpresa. Ainda hoje se fala na aparição num congresso, no Casino da
Figueira da Foz, em 1985, de um economista, que nada tinha a ver com política,
na altura entretido a instalar a Universidade Católica, no Porto, que foi até
ao Casino, fazer a rodagem do seu novo carro, meteu uma moeda na máquina e
saiu-lhe a presidência do partido, mais dez anos de primeiro-ministro e outros
tantos de Presidente da República. Desta vez, tudo correu mais comedido porque
os tempos não estão para tanta sorte. A celebração do Coliseu traduziu-se numa
imprevisibilidade, numa surpresa e, por fim, numa inevitabilidade já antes
anunciada.
A
imprevisibilidade. A proposta de Passos Coelho para que o esquecido Miguel
Relvas, que foi corrido do governo por indecente e má figura, e equivalências a
mais, encabeçasse a lista ao conselho nacional do partido. Trata-se de uma
tentativa de ressurreição de um defunto político, que foi enterrado por nada
abonar a favor da nobre arte da política. E, assim, estalou o verniz da
almejada recuperação da "matriz fundadora social-democrata" do PSD,
tão procurada, por motivos eleitorais, neste congresso. Até os próprios
congressistas, gente devota, encarregados de pastorear o rebanho, se indignaram
com tal ressurreição proposta pelo líder do partido. Só 179 dos mais de 1700
homens de fé presentes se renderam ao milagre.
A surpresa. Marcelo
Rebelo de Sousa, preterido por Passos Coelho, na sua moção ao congresso, como
candidato do partido às próximas presidenciais, apareceu no Coliseu. De
improviso. Decidiu-se durante uma viagem de avião - disse. Ele que tão grande
contributo deu à fundação do PSD sentiu--se comovido pela celebração dos 40
anos do seu partido. Não podia deixar de estar presente. Mesmo que, na sua
cabeça, tudo estivesse preparado há semanas, fez uma intervenção que marcou o
congresso. Apesar do estilo coloquial, pretensamente emotivo e afectivo, mas
muito estudado e estruturado, amesquinhou ou reduziu à mediocridade todas as
intervenções anteriores. Nalguns casos, demonstrou que muitos cardeais são
patetas. E, por isso, saiu em ombros do congresso, depois de uma volta à praça.
O que diz duas coisas sobre esta celebração litúrgica: Passos Coelho só lidera
o PSD porque é primeiro-ministro e que o comentador político mais popular do
país só não é candidato às presidenciais se não quiser. Mesmo contra a vontade
do líder do seu partido.
A inevitabilidade.
Passos Coelho fez deste congresso o arranque oficial de uma prolongada campanha
eleitoral. Está a jogar para linha, nas próximas europeias, mas a pensar em
fazer bingo nas legislativas de 2015. Como em equipa que ganha não se mexe, vai
repetir a fraude da última campanha eleitoral. Tal como disse a uma miúda de 15
anos que nunca retiraria o subsídio de Natal aos pais, vai agora falar do
"milagre económico" e do "país de sucesso" que resultou,
passados três anos, das suas políticas de austeridade. Vai falar da balança de
pagamentos, das exportações ou do desemprego com a mesma desenvoltura com que
disse que só iria cortar nas "gorduras do Estado". A narrativa
política está construída e foi dita neste congresso: " A vida dos
portugueses não está melhor, mas o país está".
PS - A oposição -
as oposições - têm de fazer mais do que têm feito para desmontar mais estas
falácias.
Jurista, escreve à
segunda-feira
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