segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Portugal: UMA IMPREVISIBILIDADE, UMA SURPRESA E UMA INEVITABILIDADE



Tomás Vasques – Jornal i, opinião

A narrativa política está construída e foi dita neste congresso: "A vida dos portugueses não está melhor, mas o país está"

O PSD reuniu em congresso, e cumpriu-se a liturgia própria da maior parte dos congressos partidários. Deste ou de qualquer outro partido, o que tem transformado a política num assunto de crentes. Neste fim-de-semana, o líder do partido e primeiro-ministro, rodeado de párocos, frades e abades, de arcebispos, bispos e cardeais, que se desfizeram em aplausos, como quem acumula pontos para os trocar por lugares no partido e no Estado, anunciou, como na liturgia dos católicos romanos, a entrega e o sacrifício do PSD para a salvação dos homens e do país. Fica por saber se o que foi dito no espectáculo mediático, que rodeou o conclave, ultrapassou as paredes do convento das Portas de Santo Antão e chegou ou não ao rebanho.

Apesar dos rituais, os congressos do PSD, mais do que qualquer outro partido nacional, reservam-nos sempre uma surpresa. Ainda hoje se fala na aparição num congresso, no Casino da Figueira da Foz, em 1985, de um economista, que nada tinha a ver com política, na altura entretido a instalar a Universidade Católica, no Porto, que foi até ao Casino, fazer a rodagem do seu novo carro, meteu uma moeda na máquina e saiu-lhe a presidência do partido, mais dez anos de primeiro-ministro e outros tantos de Presidente da República. Desta vez, tudo correu mais comedido porque os tempos não estão para tanta sorte. A celebração do Coliseu traduziu-se numa imprevisibilidade, numa surpresa e, por fim, numa inevitabilidade já antes anunciada.

A imprevisibilidade. A proposta de Passos Coelho para que o esquecido Miguel Relvas, que foi corrido do governo por indecente e má figura, e equivalências a mais, encabeçasse a lista ao conselho nacional do partido. Trata-se de uma tentativa de ressurreição de um defunto político, que foi enterrado por nada abonar a favor da nobre arte da política. E, assim, estalou o verniz da almejada recuperação da "matriz fundadora social-democrata" do PSD, tão procurada, por motivos eleitorais, neste congresso. Até os próprios congressistas, gente devota, encarregados de pastorear o rebanho, se indignaram com tal ressurreição proposta pelo líder do partido. Só 179 dos mais de 1700 homens de fé presentes se renderam ao milagre.

A surpresa. Marcelo Rebelo de Sousa, preterido por Passos Coelho, na sua moção ao congresso, como candidato do partido às próximas presidenciais, apareceu no Coliseu. De improviso. Decidiu-se durante uma viagem de avião - disse. Ele que tão grande contributo deu à fundação do PSD sentiu--se comovido pela celebração dos 40 anos do seu partido. Não podia deixar de estar presente. Mesmo que, na sua cabeça, tudo estivesse preparado há semanas, fez uma intervenção que marcou o congresso. Apesar do estilo coloquial, pretensamente emotivo e afectivo, mas muito estudado e estruturado, amesquinhou ou reduziu à mediocridade todas as intervenções anteriores. Nalguns casos, demonstrou que muitos cardeais são patetas. E, por isso, saiu em ombros do congresso, depois de uma volta à praça. O que diz duas coisas sobre esta celebração litúrgica: Passos Coelho só lidera o PSD porque é primeiro-ministro e que o comentador político mais popular do país só não é candidato às presidenciais se não quiser. Mesmo contra a vontade do líder do seu partido.

A inevitabilidade. Passos Coelho fez deste congresso o arranque oficial de uma prolongada campanha eleitoral. Está a jogar para linha, nas próximas europeias, mas a pensar em fazer bingo nas legislativas de 2015. Como em equipa que ganha não se mexe, vai repetir a fraude da última campanha eleitoral. Tal como disse a uma miúda de 15 anos que nunca retiraria o subsídio de Natal aos pais, vai agora falar do "milagre económico" e do "país de sucesso" que resultou, passados três anos, das suas políticas de austeridade. Vai falar da balança de pagamentos, das exportações ou do desemprego com a mesma desenvoltura com que disse que só iria cortar nas "gorduras do Estado". A narrativa política está construída e foi dita neste congresso: " A vida dos portugueses não está melhor, mas o país está".

PS - A oposição - as oposições - têm de fazer mais do que têm feito para desmontar mais estas falácias.

Jurista, escreve à segunda-feira

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