João Ferreira [*]
Afastada das
manchetes dos jornais desde há largos meses, a crise do euro, e particularmente
a sua expressão ao nível da crise das dívidas soberanas, é um assunto que está
longe de estar arrumado.
A razão da relativa acalmia das taxas de juro cobradas pelos
"mercados", face aos picos insanos de há dois ou três anos, não será
tanto a "caixa-de-ferramentas" do Banco Central Europeu, nem as
declarações do seu presidente de que se avançaria, se preciso fosse, para a
compra ilimitada de dívida no mercado secundário. Sem menosprezar os efeitos
desta decisão, a razão principal da relativa acalmia será outra.
A sobreacumulação de capital e a baixa tendencial da taxa de lucro – marcas de
uma crise capitalista sem fim à vista – atraem investidores ao negócio das dívidas
soberanas. Investidores em busca de rentabilidades que não encontram noutras
áreas. A persistência de fracas rentabilidades à escala global leva a que
certos capitais se disponham a arriscar "estacionar" nalgumas dívidas
soberanas, por muito insolventes que a médio prazo se afigurem os respectivos
Estados. E acontece que este até se tem revelado um excelente negócio para
muitos! Que o digam os bancos nacionais que, tendo recebido milhões do BCE a
juros módicos, mantêm a economia real seca de crédito ao mesmo tempo que foram
compondo os seus balanços com generosos resultados de investimentos em dívida
soberana.
Entretanto, os juros impostos a países como Portugal e Grécia, ou mesmo a
Irlanda, a Espanha, Chipre e outros, sendo mais baixos do que há dois ou três
anos, são ainda insuportavelmente altos – como ficou aliás bem à vista com a
recente emissão de dívida portuguesa. A recessão ou estagnação que estes países
enfrentam, agravada pelos programas UE-FMI, e a perspectiva de estagnação (ou
mesmo ainda recessão) no futuro próximo, levam ao inexorável e imparável
aumento do peso da dívida e dos encargos com o seu serviço. A dinâmica de
insolvência persiste e só se agravou com as intervenções da UE e do FMI.
Ademais, nada foi feito para, por um lado, acabar com a dependência dos Estados
face aos "mercados", nem, por outro lado, superar a divergência (os
"desequilíbrios macroeconómicos") entre os países da zona euro. Pelo
contrário, as medidas postas em marcha no âmbito do Tratado Orçamental e da
chamada Governação Económica acentuarão desequilíbrios e desigualdades.
Mais tarde ou mais cedo, inevitavelmente, efeitos bruscos desta imparável
dinâmica de divergência (e de insolvência para vários Estados) irromperão. A
reconfiguração da zona euro será, com grande probabilidade, um deles. Sejamos
claros: quando o ganho que a Alemanha tiver com a configuração actual da Zona
Euro for menor do que os custos de manutenção no "clube" de economias
periféricas (algumas delas arrasadas), com mercados pequenos e deprimidos,
então a reconfiguração – atirando borda fora os pesos-mortos – será uma
possibilidade bem real.
Daí a importância da adopção de medidas que preparem o País (desde já) face a
qualquer reconfiguração da zona euro. Uma preparação que deve ser feita não
apenas em face destes possíveis desenvolvimentos da crise da UE, mas também em
nome de uma saída de Portugal do euro por decisão própria – dada a
incompatibilidade radical hoje evidente entre a permanência no euro/União
Económica e Monetária e um projecto de desenvolvimento democrático, autónomo
(que não autárcico) e soberano do País, estribado na Constituição da República.
Esta preparação deverá juntar à recusa de ilusões federalistas quanto à
viabilidade de uma política alternativa no quadro da manutenção do País no euro
e na UEM (sobretudo uma política de esquerda e patriótica), também a recusa da
ideia de que tudo se resolve com uma saída pura e simples do euro, qualquer que
seja a forma como se sai e as condições de saída. É a extrema importância da forma
como se sai que torna imperiosa uma cuidadosa preparação.
É hoje evidente que a integração de Portugal na UEM e a adesão ao euro foram
decisões erradas, com consequências devastadoras para o nosso país. Como é
evidente que o futuro do País é inviável dentro do euro. Não devíamos ter
entrado. Mas a saída, hoje, não nos leva ao ponto de partida.
A saída do euro pode ser do interesse do povo português, mas pode também vir a
ser do interesse dos que ganharam com o euro ao longo de todos estes anos e que
continuam a ganhar – interesses irremediavelmente antagónicos. Ora, a questão
fundamental é que interesses prevalecerão na condução do necessariamente
complexo (mas, a prazo, inevitável) processo de saída.
É absolutamente claro que uma coisa será uma saída do euro conduzida por um
governo patriótico e de esquerda, que afirme o primado dos interesses nacionais
nas relações com a União Europeia, que proteja os trabalhadores e o povo dos
inevitáveis custos da decisão, e outra, bem diferente, seria uma saída
conduzida pelas mesmas forças que nos vêm impondo incontáveis, injustos e
infrutíferos sacrifícios em nome de uma "manutenção no euro" que
amarra o País ao caminho de empobrecimento, subordinação e dependência que tem
percorrido.
[*] Deputado ao Parlamento Europeu
O original encontra-se no Diário de Notícias
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
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