OU MATAMOS A
CORRUPÇÃO OU A CORRUPÇÃO MATA-NOS!
Orlando Castro –
Folha 8, 1 março 2014
Lei da Probidade
Pública constitui, pelo menos em teoria, o que se poderá considerar um passo
importante, eventualmente decisivo, para uma boa governação, tendo em conta o
reforço dos mecanismos de combate à cultura da corrupção e a institucionalização
dos pilares de uma democracia e de um Estado de Direito.
Mesmo em países que
são de facto, e não apenas de jure, democracias, a corrupção é uma enfermidade
contagiosa que está na origem do colapso financeiro de muitas sociedades. Na verdade,
se os países não matarem a corrupção acabam por ser mortos por ela.
Seja como for,
Angola não pode viver com o mal dos outros embora, reconheça-se, possa bem com
eles. Não adianta tapar o sol com uma peneira como, por exemplo, faz o Procurador-Geral
da República, José Maria de Sousa, quando reconhece que a corrupção em Angola
é “preocupante”, mas desculpa-se dizendo que esse é um problema que se vive em
todo o mundo.
“Com certeza (que é
preocupante), não só em Angola. Mesmo naqueles países que apregoam contra
outros, esquecem-se que, internamente, também têm esse problema, que é
universal”, referiu em tempos recentes o nosso PGR, acrescentando que “todos os
países deverão unir-se para dar um combate cerrado a essas práticas, porque
nenhum país conseguirá combater sozinho a criminalidade organizada, até porque,
se tivermos a atenção devida, determinadas práticas que se tornaram habituais
nos nossos países vieram, de algum modo, dos países desenvolvidos”.
“A corrupção não
nasceu dos nativos, porque tínhamos uma forma primitiva de fazer comércio, de
fazer trocas, que não permitia sequer a corrupção. A corrupção vem de fora, e
agora vamos ter de encontrar forma de a combater e combater com aqueles que
melhor conhecem o fenómeno”, sustenta José Maria de Sousa.
Esquecendo, ou não
se lembrando, que só por si as leis não resolvem os problemas, o PGR parece
acreditar que o facto de Angola ter assinado a Convenção das Nações Unidas
contra a Corrupção é a solução milagrosa para acabar com o problema. Mas não
é. Apesar de muitas leis deficientes e inócuas, o que nos faz falta é cumprir
rigorosamente as que existem. Se fossem cumpridas, embora não sanassem a
questão, certamente que seriam um bom instrumento de combate à corrupção e à
lavagem de capitais.
“Temos cumprido com
muitas cartas rogatórias, nomeadamente vindas de Portugal, e não só. Recebemos
cartas rogatórias em matéria penal de muitos países e cumprimos e temos já
instaurado em Angola alguns processos a respeito dessa matéria”, diz José Maria
Neves.
“Temos de ser
persistentes para que África possa estar unida no combate à criminalidade
transnacional e internacional”, diz também João Maria de Sousa, saltando a
necessidade de o exemplo dever partir de dentro para fora, de cima para baixo.
Recorde-se que a
Assembleia Nacional aprovou no dia 5 de Março de 2010, com o devido destaque
propagandístico da imprensa do regime e não só, por unanimidade, a Lei da
Probidade Administrativa, que visa, visava ou visaria (de acordo com a versão
oficial) moralizar a actuação dos agentes públicos do nosso país.
Foi dito na altura
(restam dúvidas se hoje a tese é a mesma ou se, por acaso, também foi…
corrompida) que o objectivo da lei é conferir à gestão pública uma maior
transparência, respeito dos valores da democracia, da moralidade e dos valores
éticos, universalmente aceites.
Foi em 2010. Quatro
anos depois somam-se os casos de desrespeito pelos valores da democracia, da
moralidade e dos valores éticos.
O presidente da
República, do MPLA (partido no poder desde 1975) e chefe do Executivo (para
além de outros cargos), José Eduardo dos Santos, quando na altura deu posse ao
Governo reafirmou a sua aposta na “tolerância zero” aos actos ilícitos na administração
pública. Todos os anos o mais alto magistrado da nação reafirma os princípios,
todos os anos eles são sistemática e endemicamente violados.
Apesar da
unanimidade do Parlamento, dos encómios dos areópagos internacionais, da propaganda
interna, o melhor é fazer, continuar a fazer, o que é aconselhável e mais
prudente quando chegam notícias sobre a honorabilidade do regime, esperar
(sentado) para ver se – com o nosso típico optimismo africano - nos próximos
dez anos a “tolerância zero” sai do papel, sai da lei, sai da teoria, em
relação aos donos dos aviários e não, como é habitual, relativamente aos
pilha-galinhas que são, reconheça-se, bodes expiatórios ideais para mascarar
a realidade.
Essa lei “define os
deveres e a responsabilidade e obrigações dos servidores públicos na sua
actividade quotidiana de forma a assegurar-se a moralidade, a imparcialidade e
a honestidade administrativa”. A lei diz tudo. A prática também. Por outras
palavras, a lei só se aplica às zungueiras e similares e não, como era
pressuposto, aos donos do poder.
Ao contrário do que
dizem e mandam dizer os generais do Presidente, também nós gostaríamos de
acreditar que a lei, que as leis, são iguais para todos. Mas não são. Aliás,
José Eduardo dos Santos, um político inteligente, sabe que perante as leis
existem pelo menos dois tipos de cidadãos. Os de primeira, os que estão acima
das leis, e os de segunda que as têm de cumprir. Aliás, muitos destes até são
obrigados a cumprir as “leis” do livre arbítrio dos poderosos.
É claro que a
maioria dos angolanos não acredita no cumprimento das leis. Têm, contudo, de
estar caladinhos e nem pecar em pensamentos. José Eduardo dos Santos sabe disso
mas, tanto quanto parece, basta-lhe acreditar que a Lei da Probidade
Administrativa fará que Angola suba para aí meio lugar nos últimos lugares do
“ranking” que analisa a corrupção.
Acreditarão na Lei
da Probidade Administrativa todos aqueles que sabem, até mesmo os que dentro do
partido batem palmas reverenciais sempre que o chefe fala, que a dependência
sócio-económica a favores, privilégios e bens, o cabritismo, é o método
utilizado pelo núcleo-duro e ultra ortodoxo do MPLA para amordaçar os angolanos?
Acreditarão na Lei
da Probidade Administrativa os que sabem que 80% do Produto Interno Bruto é
produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada foi
subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% da população?
Acreditarão na Lei
da Probidade Administrativa todos os que sabem que o acesso à boa educação,
aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos
grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um
grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Prevalecendo o tal
nosso optimismo, dir-se-á que, se calhar, para haver probidade seria preciso
que o poder judicial fosse independente e que o Presidente da República não
fosse o “cabeça de lista” (ou seja o deputado colocado no primeiro lugar da
lista), eleito pelo do circulo nacional nas eleições para a Assembleia
Nacional, mas sim eleito nominalmente.
Se calhar para
haver probidade seria preciso que não fosse o Presidente a nomear o
Vice-Presidente, todos os juízes do Tribunal Constitucional, todos os juízes do
Supremo Tribunal, todos os juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral
da República, o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, os Chefes do Estado
Maior dos diversos ramos.
Se calhar para
haver probidade seria preciso que Angola fosse de facto – não apenas no articulado
legal - um Estado de Direito, coisa que manifestamente (ainda) não é.
Sem comentários:
Enviar um comentário