Alves da Rocha –
Expansão (ao), opinião*
No artigo anterior
sobre esta temática, identifiquei as dinâmicas de crescimento das relações
comerciais entre a China e África - muito pouco diferentes da natureza de
exploração dos tempos coloniais - e procurei identificar as razões de fundo do
interesse chinês pelo continente.
Que perspectivas se
apresentam para a China para o futuro em termos da sua capacidade de
crescimento a dois dígitos? No passado, o crescimento do PIB foi
verdadeiramente impressionante (durante mais de 20 anos a uma taxa média de cerca
de 12%, o que lhe permitiu uma duplicação a cada seis anos), de tal forma que
houve necessidade de romper as suas fronteiras para se garantirem fontes de
abastecimento de matérias-primas e produtos de base indispensáveis à
sustentabilidade dessa dinâmica.
E para o futuro? As
mais recentes previsões do Fundo Monetário Internacional (World Economic
Outlook, October 2013, actualizadas em Janeiro passado) mostram uma tendência
para a diminuição da taxa de crescimento do PIB, o que pode ser prejudicial a
algumas economias africanas que exportam minérios, matérias-primas agrícolas e
petróleo.
Nota-se claramente
uma diminuição de intensidade nas taxas anuais até 2018. Aliás, o quadro futuro
em termos de exportações de petróleo para a China e os Estados Unidos não se
apresenta optimista para os países africanos exportadores do crude.
Na verdade, quer a
ainda primeira potência económica mundial, quer o gigante asiático podem, numa
década, apresentar-se como auto-suficientes nesta matéria-prima energética, com
a entrada em exploração das enormes reservas de gás e petróleo de xisto (as da
China estão presentemente estimadas no dobro das dos Estados Unidos), ainda que
se coloquem problemas graves de poluição ambiental.
Mas é um aviso no
sentido de que as trocas comerciais se devem basear em produtos de valor
agregado elevado. Os negócios da China em África projectam-se na compra de
poços de petróleo, minas de cobre e ferro, bauxite e ouro, fazendas agrícolas,
etc., como parte integrante da sua estratégia para garantir as necessidades do
seu crescimento económico e do aumento do bem-estar dos seus cidadãos. E como
fica África? Há deveras vantagens neste tipo de modelo? As semelhanças com o
modelo colonial europeu são evidentes.
O que pode haver de
diferente é o montante dos investimentos e das linhas de crédito. Também novos
e diferentes são os sectores-objecto destes investimentos e financiamentos.
Recorde-se que, em mais de 60 anos de cooperação euro-africana, a área das
infra- -estruturas foi sempre a esquecida, ao contrário da China, cuja primeira
grande obra em África foi a construção da grande linha de caminho-de-ferro
Tanzan, que liga a Zâmbia à Tanzânia, nos idos anos 60 do século passado, com
um investimento avaliado em 455 milhões USD e uma extensão de 1.860 km.
Esta via
ferroviária está actualmente a ser reparada, também por empresas chinesas. Os
investimentos e os empréstimos chineses em África ascendem actualmente a 113,5
mil milhões USD, continuando envolta em alguma bruma a realidade das linhas de
crédito1. Qual é a percepção que os africanos têm da cooperação com a China? O
artigo no Le Monde de François Bougon e Sébastien Hervieu - já citado -, parece
querer demonstrar que uma era de boas relações entre a China e África pode
estar a ser beliscada por sucessivos atritos entre as comunidades chinesas
espalhadas pelos diferentes países e os africanos.
Fala-se de uma
comunidade chinesa de mais de 2,5 milhões de cidadãos (só em Angola, parece
que, entre legais e ilegais, se encontram mais de 300 mil), competindo no
mercado de trabalho em condições desvalorizadoras da força de trabalho
africana. São citados casos de tensões violentas e a aceitação dos chineses em
alguns países africanos passou da tolerância expectante para uma quase
rejeição.
As vagas de
emigrantes chineses e de empresas chinesas suscitam efectivamente fricções com
as populações locais: no Zimbabué, em Moçambique, no Botsuana, no Níger, no
Quénia, em Angola, na Etiópia, na Namíbia e em outros países africanos são
relatados, pelos jornais locais, episódios de confrontações, desconfianças e
mal-estar entre as comunidades nacionais e chinesas.
Estas tensões têm
sido alimentadas pela importação maciça de mão-de-obra chinesa para as obras de
construção e de produtos acabados chineses. Mas há outros reversos da matriz de
relações económicas e financeiras China-África. É o problema da corrupção,
disfarçada de fuga de capitais para o Ocidente e os paraísos fiscais conhecidos
(ver Le Monde, 24 de Janeiro de 2014, artigo Le Pétrole, moteur de la
corruption chinoise).
Na China não há
nenhuma personalidade de primeiro plano do PCC que não tenha tirado partido das
suas funções para permitir que o cônjuge ou os filhos fizessem fortuna de forma
desonesta. Isto apesar da aparente probidade desses responsáveis e dos seus
apelos diários à honestidade e rectidão. É do conhecimento geral que o Global
Financial Integrity revelou que, durante 2011, os novos-ricos chineses fizeram
sair do país a fantástica soma de 600 mil milhões USD, através dos canais de
branqueamento de capitais.
Os investigadores
do branqueamento de capitais, que têm estudado este fenómeno no mais populoso
país do planeta, estimam que entre 2000 e 2011 a fuga de capitais tenha
atingido 3,79 biliões USD (triliões na linguagem numérica anglo-saxónica),
quase 400 mil milhões USD por ano. Para alguns países africanos, talvez isto
deva constituir um bom exemplo de criação de uma classe média nacional forte e
abastada.
1 - BOUGON,
François, HERVIEU, Sébastien, Le Monde, Géo & Politique, 24-25 de Março de
2013. 2 - Chine-Afrique: La Fin de la Lune de Miel. 3 - François Bougon et
Sébastien Hervieu - Le Monde, Géo & Politique, 24/25 Mars 2013: lincident
plus grave a eu lieu em Zambie au mois daoût 2012, quando un chinois, gérant d´une
mine de charbon a étè tué par des ouvriers en grève qui réclamaint une hausse
de salaire. 4 - Courrier Internacional, Dezembro de 2012.
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