segunda-feira, 17 de março de 2014

OS EXCEDENTES INDOCUMENTADOS



Rui Peralta, Luanda

I - Enquanto a Patrulha de Fronteira dos USA, em San Diego, Califórnia, registava incidentes com um grupo de emigrantes mexicanos que clandestinamente entraram em território norte-americano, a administração Obama reunia-se com os governos do México e do Canadá, sendo as políticas de controlo de fronteiras, o ponto principal da agenda, talvez porque desde 2010, o número de “clandestinos” mortos na fronteira USA/México pelas autoridades norte-americanas, ascendeu a 20.

Em 2011 foi criado um grupo de trabalho, formado por advogados, juristas, especialistas em movimentos migratórios e em políticas sociais de apoio aos “clandestinos”, para além de peritos em assuntos de segurança e vigilância, o PERF- Police Executive Research Fórum, que aconselhou a Patrulha Fronteiriça norte-americana a abandonar o uso da força letal, mas as autoridades fronteiriças (em nítida contradição com as autoridade federais) recusaram-se até ao momento em acatar os aconselhamentos do PERF, continuando a aplicar procedimentos conducentes ao uso da força letal (curioso que enquanto os “clandestinos” são perseguidos e vitimas de maus tratos por parte dos responsáveis pelo controlo fronteiriço norte-americano, os senhores da droga passeiam-se quase impunemente de um lado para o outro da fronteira, assim como os traficantes de “clandestinos”).

Nos últimos dez anos registaram-se cerca de seis mil casos de confrontos entre “clandestinos” e autoridades fronteiriças norte-americanas, sem que nunca tivesse existido qualquer baixa fatal por parte da Patrulha Fronteiriça. Mas após 2010 a fronteira norte-americana é fortificada e os céus são sobrevoados por drones em missões de vigilância. Em terra as Patrulhas estão equipadas com equipamento militar e já foram responsáveis por mortes de mexicanos em solo mexicano. Como se estes factores de militarização não bastassem para transformar esta fronteira num imenso cemitério, milícias fascistas e de extrema-direita realizam acções de patrulhamento, a coberta pela Patrulha de Fronteira (muitos dos agentes pertencem ás milícias e a extrema-direita está fortemente instalada nos quadros das autoridades fronteiriça, o que reforça ainda mais a manifesta xenofobia prevalecente na fronteira) e são responsáveis por acções punitivas sobre grupos de migrantes apanhados na zona fronteiriça.

II - No ano 2000 iniciaram-se as primeiras avalanches de migrantes centro-americanos no México. Saltillo, um importante centro ferroviário, foi ponto de passagem desta avalanche, que se dirigia para os USA, aproveitando a rota ferroviária da cidade. Estes migrantes foram vítimas de atrocidades diversas, provocadas pelos cartéis mexicanos: assassinatos, roubos, extorsão, rapto e violações. Mas o problema não residia apenas nos bandos mafiosos. As autoridades mexicanas foram acusadas de torturem migrantes indocumentados e o governo mexicano foi levado á Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, para responder a acusações de sequestro, homicídio e tortura de cerca de 80 mil migrantes indocumentados, centro-americanos.

Em 2010 ocorreu um massacre, em Tamaulipas, onde foram barbaramente assassinados 72 indocumentados e no ano seguinte Tamaulipas assistiu a um segundo massacre, com mais de 200 vítimas. No mesmo ano mais 49 migrantes indocumentados, que iam para os USA, foram assassinados, em Nueva Leon, onde foram enterrados aos pedaços. As autoridades mexicanas ignoram a situação e fazem ouvidos moucos á Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, mas esta atitude deve-se ao facto das autoridades policiais, forças de segurança, funcionários do governo e em particular do Instituto Nacional de Migração controlarem esquemas de exploração laboral e sexual, para além de receberem dinheiro das mafias locais e dos cartéis da droga, quando estes pretendem fazer recrutamentos entre os indocumentados, ou procuram mulheres para as suas orgias.

Em Chiapas o Instituto de Migração abusava sexualmente das mulheres migrantes e foram comprovados inúmeros casos de tortura, o mesmo se passando em Saltillo e Coahuila, onde o responsável do Instituto de Migração local foi acusado pelos próprios funcionários de torturar um salvadorenho, que passou semanas fechado numa cela escura, comendo apenas um pão por dia, sendo-lhe concedido um copo de água de três em três dias. Nos últimos tempos as autoridades governamentais, quando identificam os corpos, contactam os familiares das vítimas e entregam o corpo num caixão selado, com a condição deste não ser aberto. Este procedimento obriga ao preenchimento de um extenso formulário e processo documental, pelo qual os familiares comprometem-se em não abrir o caixão. Houve um caso em que um dos familiares quebrou o compromisso jurídico e abriu o caixão selado, deparando não com o corpo do ente querido, mas com lixo e restos de animais.

III
Os governos ignoram a situação e os consulados são sinónimo de desastre e de incompetência. As elites centro-americanas e caribenhas não estão nada preocupadas com as situações que vivem os seus emigrantes (nem mesmo a “nomenklatura” burocrática verde-oliva). Os consulados dos seus países de origem são uma ferida aberta e infectada para os indocumentados que residem nos USA ou que transitam pelo México. O número de deportações aumenta (no caso dos USA, a administração Obama já ultrapassou os 3 milhões de mexicanos deportados, embora tenha efectuado alguns avanços na resolução do problema e inclusive as associações de imigrantes indocumentados participam em reuniões com as autoridades federais e estaduais) e ninguém quer saber dos seus cidadãos migrantes para nada.

Da Nicarágua, El Salvador, Honduras e Guatemala, chegam semanalmente ao México, em trânsito para os USA, entre 400 a 600 emigrantes. 70% São hondurenhos, entre os 13 e os 18 anos. No México, se conseguirem sobreviver ou se não ficarem retidos, vivem momentos de terror. Chiapas, Tabasco, Veracruz e Oaxaca são os territórios mais difíceis e onde o número de homicídios, torturas e detenções é maior. Os que conseguem sobreviver á travessia têm ainda de passar pela corrupção das autoridades do Distrito Federal, onde os oficiais do governo federal os esperam para extorqui-los. Na região central do país, em particular no Estado de Guanajuato, as cidades de Escobedo e Salamanca representam um filtro, por onde apenas passam os mais aptos. Nessas cidades as mulheres são obrigadas a prostituírem-se para prosseguir viagem. A Noroeste reina o crime organizado, sofisticado, constituído por redes mafiosas dominadas por empresários, banqueiros, fazendeiros, criadores de gado, governantes estaduais e policias. Nos últimos tempos esta rota revela-se fatal para os migrantes centro-americanos, pois aí têm ocorrido os maiores e mais recentes massacres.  

O envolvimento das autoridades mexicanas no tráfico de migrantes é óbvio. Os migrantes utilizam o comboio, percorrendo mais de 3 mil km, passando livremente por apertados controlos policiais, até chegarem aos pontos onde caem nas garras dos seus carrascos, que os aguardam ansiosamente. São mercadoria contrabandeada, que passa incólume pelas áreas militares sem que ninguém peça documentos ou faça perguntas, limitando-se a registrar números, para depois serem fornecidos aos seus algozes que os aguardam num dos inúmeros pontos de passagem. É uma organização monumental que engloba taxistas, policias, militares, empresários, governadores e ministros.

A Procuradoria-Geral da Republica Mexicana é outra das instituições que fazem parte do problema e não da solução. Não fornecem dados e limitam-se a informações polidas e ideologicamente tratadas pelo indisfarçável nacionalismo do “venha a nós o nosso reino…” Foi também com este discurso que o governo mexicano efectuou um programa de cedência de vistos humanitários (uma operação de marketing para o exterior, com o objectivo de limpar a imagem). O resultado é, no mínimo, desastroso. Os vistos são selectivos, pelo seu preço, e os migrantes não os conseguem pagar. O mesmo se passa com outros procedimentos das leis mexicanas de migração, excessivamente dispendiosos para quem não tem dinheiro para comer. Os poucos que conseguem algum dinheiro para adquirir os seus vistos ou legalizar a sua situação no México de forma a poderem prosseguir para os USA deparam-se com a inflação criada pela corrupção dos funcionários: a burocracia é morosa, os processos extraviam-se e se não forem pagas as “taxas de agilização” os pedidos não recebem tratamento.

O México é um país de origem, transito, expulsão, retiro e retorno de migrantes e emigrantes. Em algumas cidades mexicanas existem assentamentos humanos de hondurenhos em busca de trabalho, porque não querem regressar ao seu país, onde a miséria é pior e as condições de vida dos mais pobres são sub-humanas. Muitos deles acabam sendo recrutados pelo crime organizado e pelos cartéis da droga.

A posição dos governos dos países de origem dos migrantes é irresponsável e aberrante. Quando uma comissão internacional da Igreja Católica para os assuntos da migração reuniu-se com a Ministra hondurenha da Justiça, os emissários católicos ouviram, pasmados, da boca da ministra que o seu ministério nada podia fazer porque o responsável da política migratória é um militar. Os cônsules e embaixadores, quando alguém os questiona sobre o assunto metamorfoseiam-se: passam de polidos e bem-educados diplomatas a escarros morais. Num meeting sobre os problemas sociais das comunidades centro-americanas no México, um influente membro da hierarquia católica revelou alguma das respostas e atitudes dos responsáveis dos respectivos corpos diplomáticos: O cônsul hondurenho disse que “toda a gente tem problemas, padre. Eu em casa não tenho água quente nem ar condicionado”. O embaixador do mesmo país aconselhou o padre a “não meter-se com essa gentalha” e o embaixador da Nicarágua, esquecendo-se completamente de que a maior comunidade de migrantes na Costa Rica é a nicaraguense (um milhão de nicaraguenses totaliza esta comunidade. No México andam cerca de meio milhão e é a terceira comunidade, depois das hondurenhas e salvadorenhas) respondeu que a Nicarágua é um pais desenvolvido e que os seus cidadãos não necessitavam de emigrar.

“Eliminar a pobreza”, literalmente, é o programa destes senhores…transformar os migrantes em mortos caminhantes, sem nome e sem cidadania (e também sem enterro), objectos de humilhação e de exploração, servos sub-humanos á mercê dos desejos e magnificências dos seus amos.          

IV - A situação da população migrante africana não é melhor. Em Ceuta morreram, desde o início do ano, 15 imigrantes, provenientes da África Central. A indústria mediática europeia fala em “avalanche” quando referem o facto de cerca de 3 mil imigrantes aguardarem em Marrocos a entrada em Ceuta e Melila, como se fosse uma invasão territorial. Esta atitude é reforçada pelos retoques xenófobos das autoridades espanholas que falam em “cerco” a Ceuta e Melila, como se tratasse de uma operação militar. A Europa assume-se cada vez mais como uma fortaleza e por vontade dos governos europeus (sejam do Partido Popular Europeu ou do Partidos Socialista Europeu) seria construída uma “Grande Muralha”.
        
A compreensão do drama humano provocado pelos movimentos migratórios exige muito mais do que a consulta fútil na internet, a leitura descontextualizada (e inverosímil) dos órgãos de comunicação social ou a toxicidade das máquinas de propaganda governamentais. O que leva milhões de seres humanos a cruzar, muitas vezes caminhando, milhares de Km, deixando para trás os seus entes mais queridos? Quais as responsabilidades dos governos (tanto os dos locais de destino, como os dos locais de origem e dos locais de transito) nestas diásporas da vergonha?

Dezanove dos vinte e cinco países mais pobres do mundo são africanos (o que contrasta com a imagem vendida pelo afro-capitalismo, ou apregoadas pelos nacionalismos fascistoides de formação neocolonialista, que assolam as sociedades bantos). Nestes dezanoves países a fome, a SIDA e a guerra florescem, alimentadas através da raiz, que é a extrema pobreza. São extensas áreas onde metade da população vive com menos de 1,25 dólares norte-americanos por dia. Dos mais de 800 milhões de não-cidadãos subalimentados que habitam o planeta, excluídos da “economia global”, 223 milhões são africanos.

A extrema miséria, fome, pobreza que assola vastas regiões do continente africano são resultado das opções políticas e económicas dos respectivos governos, subordinados aos interesses externos (do Ocidente e do Oriente, do capitalismo liberal e do neocapitalismo BRICS). Os recursos alimentares e naturais continuam a ser saqueados, já não num sistema colonial, mas num sistema assente na realidade neocolonial, criado através de décadas de logica imperialista actualmente caracterizado pela cartelização de interesses entre as elites africanas e as elites dominantes da nova geoeconomia mundial.

Países como a Espanha (o tal reino cujo rei gosta de caçar elefantes nas vastas savanas africanas) esgotam os recursos pesqueiros de países como o Senegal, absorvendo quotas de pesca de cerca de 47%, reduzindo ao mínimo a pesca artesanal, que era a única subsistência das imensas comunidades pesqueiras senegalesas. A China e a Coreia do Sul aproveitam a mão-de-obra marítima excedente (criada pelas quotas de pesca fornecidas á União Europeia) de países como o Senegal, Burkina Faso, Guiné Equatorial, Costa do Marfim e outros, para utilizá-la nos seus barcos, contratando pescadores a baixo preço e em regime de extrema precariedade. Quando os sindicatos de pescadores e de trabalhadores marítimos desses países denunciam esta realidade são confrontados com um muro de silêncio (no melhor dos casos) ou com a escuridão e putrefação das celas prisionais imundas. 
        
No Uganda cedem-se milhares de hectares às corporações cafeeiras alemãs, terrenos que são retirados às populações que sempre os utilizaram para o seu autoabastecimento. São 63 milhões de hectares de terras que os empreendedores capitalistas ocidentais e os seus não menos empreendedores sócios africanos roubaram às populações, se juntarmos países como o Uganda, Zimbabwe (onde o fascistoide encapotado, Mugabe, depois do simulacro de reforma agraria – que utilizou para praticar uma politica de extermínio racial e em simultâneo fazer calar as reivindicações camponesas - aparece agora como sócio das multinacionais do agronegócio), Zâmbia, Ruanda, Burundi, Malawi, Tanzânia e Quénia. 63 milhões de hectares de terras que o capitalismo saqueou num continente onde se morre de fome, onde a não-cidadania é norma (aqui não é preciso emigrar para se ser indocumentado. Amplas camadas da população nascem, vivem e morrem indocumentados), onde a miséria e a pobreza são realidades persistentes, sempre negadas e ignoradas pela propaganda das elites locais e sempre utilizadas pelas elites estrangeiras a seu belo prazer.

Um terço destes 63 milhões de hectares de terras são dedicados á produção de agro-combustiveis para a U.E. Querem uma causa para a desertificação? Para produzir um litro de biodiesel são necessários nove mil e cem litros de água. Agora façam contas aos milhões de toneladas de água necessários para produzir milhares de litros de biodiesel. África é um continente golpeado pelas guerras civis, agressões externas e genocídios, cujos conflitos agravam diariamente a fome. O conflito no Mali gerou uma crise alimentar em todo o Sahel e o actual conflito na República Centro-Africana já provocou um estado de precariedade absoluta em mais de dois milhões e seiscentas mil pessoas, que devem ser adicionadas (a aritmética diabólica da miséria e da fome) a mais de um milhão de não-cidadãos deste país que já sofriam de carências militares, antes de eclodirem os conflitos.

Na Republica Democrática do Congo, entre 1998 e 2003 a guerra gerou 5 milhões de mortos (um milhão por ano, segundo a aritmética da morte) enquanto as multinacionais saqueavam (e continuam a saquear) um mineral raro a nível mundial, mas que abunda na RDC (80% das reservas mundiais) utilizado para fabricar chips de telemóveis e outros dispositivos digitais. A aritmética satânica da pobreza, da fome, da miséria e da morte prossegue. Vinte e seis milhões de seres humanos (considerados sub-humanos, não-cidadãos, excedentes da economia global) estão afectados pela SIDA, que provoca mais de um milhão de mortos por ano. Enquanto no resto do mundo a SIDA afecta cerca de 1% da população entre os 15 e os 49 anos, em África essa percentagem ascende a 5%. Nove em cada dez novos casos de SIDA são diagnosticados no continente. Em algumas regiões a percentagem de população adulta contaminada com SIDA alcança os 10% e em países como a Namíbia, Botswana, Zimbabwe e Suazilândia a proporção é pandémica: 20 a 26%.

70% das crianças afectadas por SIDA no mundo são africanas. 95% dos casos de SIDA detectados no continente encontram-se nas áreas rurais. Se é certo que esta é uma praga que ainda não tem cura, pode no entanto ser prevenida e controlada por meio de tratamentos. O problema é que as patentes das grandes indústrias farmacêuticas convertem esses tratamentos em objectos de luxo, impossíveis de serem aplicados nos países em desenvolvimento.    

V - Quando um imigrante africano penetra a “fortaleza europeia”, ou um centro-americano pisa o solo do gigante do norte, toda esta realidade é transportada para o umbigo dos sócios maioritários deste enorme centro de exclusão que é a “economia global” (tantos nomes tem o capitalismo). A indústria mediática e as máquinas de propaganda governamentais, os grandes grupos financeiros e as multinacionais que se encontram por detrás do processo de globalização, da livre-circulação de capitais, dos “investimentos sem fronteiras”, tornam-se profundamente nacionalistas e xenófobos, patrioteiros e racistas, exclusivistas e tribalistas, quando a realidade sub-humana provocada pelos seus gestos empreendedores bate-lhes á porta.   
 
As populações migrantes não são pessoas, não têm individualidade, identidade ou cidadania, são números, dados estatísticos, variáveis. São sempre o Outro, o estrangeiro, o indocumentado, o pobre, o desgraçado, sem rosto e sem direitos. São coisas inumanas a que se dispara com balas de borracha, ou que se matam á entrada das fronteiras e nos países por onde transitam. São excedentes famintos, aos quais são negados valores básicos, como a dignidade.

As elites dominantes e os seus serviçais serviços de segurança, as suas máquinas burocráticas e incompetentes, mas profundamente delinquentes, criminosas, podem fechar as suas redomas, selar os seus espaços territoriais, “proteger os seus bens” (esquecendo-se do saque permanente de recursos a que submetem os países cujos Estados não passam de pequenos circos de pulgas, sempre dispostos a sugar o sangue deixado nas sobras do repasto pelos seus sócios maioritários).Os “párias” estarão sempre a bater á porta e a forçar a fechadura. As elites giram, actualmente, em torno da circulação de capitais (cada vez a uma velocidade mais estonteante), como a Terra giram em torno do Sol. Necessitam cada vez menos de mão-de-obra. Os pobres já não são semicondutores, necessários á reprodução de capital. Agora são resistências impeditivas ao aumento de velocidade da circulação dos mesmos.

E quando o Homem for excedente? Estranha realidade, esta, em que a angústia já não é mais: “Mas…as crianças, Senhor?”. Se este mundo não for transformado a angústia final será: “Mas…o Homem, Senhor?) 

VI - Chove em Luanda enquanto escrevo estas linhas. Os musseques estão alagados, assim como as ruas da cidade. A ineficiência da cidade é ampliada, sempre que chove, o que não impede que as torres continuam a nascer como cogumelos.

As novas edilidades são elefantes brancos cada vez mais “desconseguidos”, assim como “desconseguidos” foram os livros gratuitos para o ensino básico, a serem vendidos pelas ruas, ou o registo gratuito com que o governo quis resolver o problema dos indocumentados (sem bilhete de identidade, mas com cartão eleitoral) para que os cidadãos pudessem assumir a sua cidadania, ter o se BI e o seu passaporte. Em vão. Está a ser “desconseguido” pela burocracia habituada a cobrar. Quando o cidadão chega ao notário apercebe-se que afinal tem de pagar o processo gratuito.

A burocracia não perdoa! É sempre corrupta. E quando os altos responsáveis nada fazem para reverter a situação a sociedade torna-se num imenso argumento de um filme surrealista. Tão surrealista e absurdo que até os irmãos Marx “desconseguiam”…

“Mas…os angolanos, Pai Grande?”

Luanda, 11 de Março de 2014 -  só agora (17/3) publicado por limitações de Página Global

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