Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
O processo da
chamada saída da troika - ilusória, uma vez que continuaremos entroicados nas
garras do poder financeiro e das políticas de uma União Europeia (UE)
dicotómica e antissolidária - ao coincidir com as eleições para o Parlamento
Europeu, tornou-se uma armadilha para o futuro coletivo.
O Governo
desenvolve com todo o à-vontade a campanha mentirosa do "êxito",
beneficiando da cobertura política do presidente da República, da frágil
intervenção de outros órgãos de poder e instituições que vêm claudicando
perante a "inevitabilidade da austeridade" e da reduzida análise
crítica nos grandes media. Como é sabido, não se pode confundir indicadores
gerais (por agora pontuais) de crescimento económico com a melhoria das
condições de trabalho e de vida das pessoas. Como veremos à frente, o
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) na situação em que o país se
encontra não significa mais rendimento disponível para as pessoas e para o
conjunto da economia, e a injustiça na distribuição da riqueza tem-se agravado.
Parte significativa
dos portugueses está tão manietada nas suas vidas, incapacitada na resposta aos
problemas do dia a dia, que anda a fugir da vida, sendo tentada a acolher uma
ilusão ou a dar crédito a um milagre como formas de abrir perspetivas de
futuro.
O Partido
Socialista, que no quadro político-partidário existente é, no senso comum, a
força política que mais se afigura como alternativa, está hoje rendido ao
domínio do poder económico e financeiro e a dimensões "necessárias"
da austeridade, mesmo que uma parte dos seus quadros e bases sinta que essa
cedência é desastrosa.
Neste cenário, o
Governo e as forças políticas e sociais que o apoiam têm o caminho aberto para
ampliar a venda de ilusões e empurrar os problemas com a barriga. Entretanto as
faturas a pagar no futuro vão aumentando!
Num exercício de
criatividade manipuladora, Luís Montenegro disse, no contexto do recente
congresso do PSD, que "A vida das pessoas não está melhor, mas não tenho
dúvidas de que a vida do país está muito melhor". Esta afirmação, tomada à
letra, coloca uma irracional dicotomia entre condições das pessoas e condições
do país. Mas merece ser analisada em duas vertentes.
Primeira, de facto
há quem vá ficando com uma vida bem melhor ao lado do aumento generalizado do
sofrimento do povo: os grandes capitalistas transformaram riqueza virtual em
riqueza efetiva; acionistas da banca, e não só, ganharam com os roubos e a
especulação que gerou a crise e continuam a ganhar com a sua gestão; os
empresários poderosos deixaram de ter qualquer risco uma vez que o Estado (o
Governo) tem agora por missão assegurar-lhes sempre lucros (veja-se os negócios
das PPP), à custa dos impostos e sacrifícios dos cidadãos; apenas no espaço de
um ano o número de multimilionários e as suas fortunas cresceram 11%; os
sistemas de saúde, de ensino, de proteção social e os recursos do país estão
agora mais disponíveis para serem explorados pelos capitalistas nacionais e
estrangeiros em seu favor. Certamente são estes interesses que os Montenegro
consideram como país.
Segunda, se
tomarmos o PIB como uma medida do estado do país, o país pode parecer melhor
quando o PIB cresce um pouco, como terá crescido nos dois últimos trimestres,
mas a situação dos portugueses continuar a piorar. Isso acontece porque são
transferidos para o exterior recursos sob a forma de juros e outros rendimentos
de capital. É esta a perspetiva de futuro próximo anunciada pelo Governo e pela
troika. Mesmo que "o país melhore" - o PIB deixe de cair - os
portugueses vão continuar pior. É a consequência de uma dívida insustentável,
que devia ser reestruturada, mas que jamais será com este Governo ao serviço
dos credores.
A austeridade mata
mas, dentro do quadro atualmente vigente no país e na UE, a morte lenta aparece
como inevitável. Como a morte certa não é algo que alguém na posse do seu
perfeito juízo possa desejar, é preciso alterar o quadro político existente no
país e na UE. Isso exige muita luta, muita vontade, muita persistência. São
precisas ruturas que pressupõem escolhas difíceis dos portugueses. Enquanto não
o fizermos, alguns ficarão sempre melhor e o povo cada vez pior.
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