Fernanda Câncio –
Diário de Notícias, opinião
Disse Passos, no
congresso da risota, que no meio da pancadaria - a de Molière e a outra - com
que nos mimoseia há dois anos e meio as últimas arrochadas, mesmo se mais
fracas, podem doer mais que as primeiras. Será? Parece é que já nada dói, ou
nada já se sente, tal o estado de catalepsia em que o País mergulhou. O coma é
tal, aliás, que Relvas, o Relvas que há 11 meses saiu, choroso, por "falta
de condições anímicas", se animou a regressar de corpo à alma que é deste
PSD. Aliás levou só um bocadinho mais de tempo que Gaspar, o ministro das
Finanças que em julho reconheceu por escrito o falhanço da sua política e veio
agora, impante, congratular-se no (seu) "milagre". E bastante mais
que Portas, tão rápido a sair e reentrar que nisso (como em tanta outra coisa)
ninguém o bate.
E, depois, de que
últimas pancadas fala Passos, quando se anunciam quatro mil milhões de cortes
(o mesmíssimo valor que se anunciava no início de 2013 como equivalendo à
"reforma do Estado") e o mesmo FMI que arrepela os cabelos com a tragédia
do nosso desemprego e nega o celebrado "milagre das exportações"
prescreve baixar ainda mais os salários? Dizia esta semana o ministro Maduro,
maduramente, que "é preciso pensar mais, refletir mais, tratar as coisas
com mais profundidade." A gente já se contentava com um bocadinho menos de
desplante. Veja-se por exemplo a notícia de ontem sobre o subsídio de
desemprego.
Parece então que
Governo e troika repararam ter a percentagem de subsídios anulados (por
incumprimento das regras) vindo a descer, atingindo em 2013, ano do máximo
histórico do número de desempregados, o valor mais baixo de sempre. Que
concluem daí? Que os desempregados que recebem a prestação, apesar de serem
submetidos a cada vez mais exigências, muitas delas gratuitas, humilhantes e
persecutórias, se têm esforçado por cumpri-las? Que isso só pode querer dizer
que estão desesperados e que o mercado de trabalho não tem mesmo lugar para
eles?
Qual quê. Ante a
evidência de diminuição da fraude, Governo e troika não desarmam: vão investir
em cartas registadas para certificar que quem não responda a uma primeira
convocatória em correio normal possa ver logo o subsídio cortado ao não
responder à segunda; o número de anulações, dizem, vai compensar o gasto nos
registos. E sabem isso como? Fizeram contas. Com base em quê? Isso agora: então
não é bom de ver que há uma percentagem fixa de desempregados burlões (senão
todos), excelmente determinada, e que só falta apanhá-los?
Realmente, não se
imagina melhor forma de comemorar os 40 anos de um partido que faz uma paródia
da social-democracia senão esta espécie de Estado social por equivalência, em
que as prestações sociais existem para ser anuladas e a lei para acertar
contas. Razão têm os líderes do PSD para rir, e Relvas para voltar: estamos mesmo
no ponto.
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