terça-feira, 18 de março de 2014

RÚSSIA X UNIÃO EUROPEIA E EUA: UM XADREX POLÍTICO NA CRIMEIA




Muitos subestimam o quanto a Ucrânia e a Crimeia são estratégicas para a Rússia. Sebastopol é uma uma peça importante no xadrez geopolítico internacional

DemocracyNow – Carta Maior

Os EUA e a União Européia estão advertindo a Rússia a não se anexar a Crimeia depois que crimenianos votaram em um referendo apoiando que a região deixasse de pertencer à Ucrânia e se anexasse à Rússia. Autoridades crimeanas declararam que 96,8% dos votantes se colocaram a favor da anexação, mas minorias ucrânianas e tártaros muçulmanos boicotaram a votação. Ainda nesta segunda-feira, o Parlamento crimeano votou a favor da unificação da região com a Rússia
 
A situação na Crimeia deflagrou a maior crise nas relações entre o Leste e o Oeste desde a Guerra Fria. O Secretário de Estado norte-americano, John Kerry, declarou que a votação realizada na Crimeia não será reconhecida pela comunidade internacional.

John Kerry: A posição dos EUA sobre este referendo é clara. Nós acreditamos que o referendo é contrário à constituição da Ucrânia, é contrário às leis internacionais, e como o presidente coloca, é ilegal sob a constituição ucraniana. Nem nós nem a comunidade internacional reconhecerá os resultados deste referendo. E nós ainda estamos muito preocupados com o crescimento das tropas russas na Crimeia e ao longo da fronteira russa.

Às vésperas da votação, forças russas cercaram um terminal de gás natural na Ucrânia, logo na fronteira russa. O ministro das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, defendeu o referendo na Crimeia, dizendo que há um precedente histórico para os povos e regiões que perseguem auto-determinação

Sergey Lavrov: Sobre as declarações dos ocidentais sobre o a inaceitabilidade do referendo, já coloquei nossa visão. Baseamos nossa posição no fato de que ninguém acabou com o direitos dos povos à auto-determinação. Este direito é um dos princípios Carta das Nações Unidas.

A seguir, entrevista com Oliver Bullogh, editor no Cáucaso do Institute for War and Peace Report. É também autor do livro Let Our Fame Be Great: Journeys Among the Defiant People of the Caucasus.
 
Amy Goodman: Qual era a atmosfera na Crimeia durante a votação?
 
Oliver Bullough: Bem, as pessoas se dirigiram até as seções de votação de maneira bastante ordeira. Mas o clima se tornou gradativamente mais alegre com o passar do dia e ficou óbvio para onde a votação se encaminharia. O povo se juntou na praça Lênin sob a imponente estátua do fundador do estado bolchevique. Houve um show de rock, as pessoas carregavam bandeiras da Rússia e cantavam “Rússia! Rússia! Rússia!” como se estivessem em um jogo de futebol. Foi uma coisa como uma mistura entre a Rússia ganhando uma Copa do Mundo e um comício nazista. Foi uma atmosfera bastante peculiar, uma mistura de um triunfalismo perturbador que eu, enquanto não-russo, achei um pouco estranho.

Amy Goodman: E qual foi a atitude dos diferentes grupos - aqueles que estavam boicotando, aqueles que estavam votando - a atitude dos russos na Crimeia, e também da imprensa?
 
Oliver Bullough: Eu conversei bastante com uma senhora ucraniana que disse que, para os cristãos ortodoxos, existem três mães: a própria mãe, a mãe-nação e a Virgem Maria. Ela comparou a anexação com a Rússia com o câncer do qual sua mãe faleceu. Ela dizia que lhe sobrara apenas a Virgem Maria para confiar. Elas estava completamente devastada pelo que ocorreu.
 
Os tártaros crimeanos são uma minoria muçulmana aqui. Eles também estão bastante preocupados. Eles sentem que a Ucrânia garantiu seus direitos nos últimos 23 anos e eles não têm nenhum interesse de se juntar a Rússia. No entanto, a maior parte da população aqui é russa e estão muito felizes com a anexação, e um fator importante para essa alegria é o de que eles estarão dentro do sistema de seguridade social russo, o que significa que suas pensões vão, no mínimo, dobrar. Eu passei muito tempo esta manhã no banco, e já haviam pessoas perguntando aos caixas quando exatamente que o novos benefícios russos iam começar a cair em suas contas.
 
Abaixo, entrevista com Nicholas Clayton, jornalista freelance que cobre o Cáucaso desde 2009
 
Amy Goodman: No domingo, um importante apresentador de televisão estatal russa, que possui laços estreitos com Vladimir Putin, advertiu que a Russia poderia lançar um ataque nuclear contra os Estados Unidos. O âncora tinha atrás de si uma imagem com as palavras “em cinzas radioativas.” Nicholas Clayton, o que acha disso?
 
 Nicholas Clayton: Isso obviamente mostra o quanto a retórica está inflamada. Acho que devemos analisar a situação sob dois aspectos. Há o problema político interno na Ucrânia e uma batalha entre Leste e Oeste.

Creio que muitos no Oeste subestimam o quanto a Ucrânia, e particularmente a Crimeia, são estratégicas para a Rússia. O porto de Sebastopol tem sido uma base para a esquadra russa no Mar Negro desde o século 18, e é provavelmente o melhor porto no Mar Negro para uma grande esquadra. Ele é bastante grande e profundo, e está guardado em ambos os lados por montanhas, o que o protege do vento. Se a Rússia for chutada de lá, ela teria de reduzir drasticamente o tamanho de sua esquadra e gastar bilhões de dólares tentando construir uma estrutura parecida com a de Sebastopol. Além disso, a esquadra do Mar Negro é a responsável por proteger não apenas o Mar Negro, onde a Rússia tem interesses significativos, mas também o Mar Mediterrâneo até o Sinai e o Oceano Índico, e portanto, é uma região estratégica para a política externa russa nestas regiões.

Então a região é de “interesses de ferro” como os russos chamam. É uma linha vermelha, e uma retirada feriria muito os interesses e a capacidade russa de se projetar militarmente. E nós vimos como a Rússia se moveu tão rapidamente, tudo isso porque muitas figuras no novo governo de Kiev declararam que queriam cancelar a concessão que a Rússia possui para usar a base de Sebastopol. A atual concessão assegura aos russos o direito de usar o porto até 2042, no entanto, governos anteriores também tentaram colocar a Rússia fora do porto, e desde o fim da União Soviética, isso tem sido uma peça importante no jogo entre Leste e Oeste de disputa pela Ucrânia 

Este artigo foi composto por trechos de entrevistas do site DemocracyNow, que podem ser assistidas na íntegra aqui

Tradução e edição de Roberto Brilhante

Leia mais em Carta Maior: O que houve na Ucrânia?

Créditos da foto: Russian Presidential Press and Information Office

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