Muitos subestimam o
quanto a Ucrânia e a Crimeia são estratégicas para a Rússia. Sebastopol é uma
uma peça importante no xadrez geopolítico internacional
DemocracyNow –
Carta Maior
Os EUA e a União
Européia estão advertindo a Rússia a não se anexar a Crimeia depois que
crimenianos votaram em um referendo apoiando que a região deixasse de pertencer
à Ucrânia e se anexasse à Rússia. Autoridades crimeanas declararam que 96,8%
dos votantes se colocaram a favor da anexação, mas minorias ucrânianas e
tártaros muçulmanos boicotaram a votação. Ainda nesta segunda-feira, o
Parlamento crimeano votou a favor da unificação da região com a Rússia
A situação na Crimeia deflagrou a maior crise nas relações entre o Leste e o
Oeste desde a Guerra Fria. O Secretário de Estado norte-americano, John
Kerry, declarou que a votação realizada na Crimeia não será reconhecida pela
comunidade internacional.
John Kerry: A
posição dos EUA sobre este referendo é clara. Nós acreditamos que o referendo é
contrário à constituição da Ucrânia, é contrário às leis internacionais, e como
o presidente coloca, é ilegal sob a constituição ucraniana. Nem nós nem a
comunidade internacional reconhecerá os resultados deste referendo. E nós
ainda estamos muito preocupados com o crescimento das tropas russas na Crimeia
e ao longo da fronteira russa.
Às vésperas da votação, forças russas cercaram um terminal de gás natural na
Ucrânia, logo na fronteira russa. O ministro das Relações Exteriores, Sergey
Lavrov, defendeu o referendo na Crimeia, dizendo que há um precedente histórico
para os povos e regiões que perseguem auto-determinação
Sergey Lavrov: Sobre as declarações dos ocidentais sobre o a
inaceitabilidade do referendo, já coloquei nossa visão. Baseamos nossa posição
no fato de que ninguém acabou com o direitos dos povos à auto-determinação.
Este direito é um dos princípios Carta das Nações Unidas.
A seguir,
entrevista com Oliver Bullogh, editor no Cáucaso do Institute for War and
Peace Report. É também autor do livro Let Our Fame Be Great: Journeys
Among the Defiant People of the Caucasus.
Amy Goodman: Qual era a atmosfera na Crimeia durante a votação?
Oliver Bullough: Bem, as pessoas se dirigiram até as seções de votação de
maneira bastante ordeira. Mas o clima se tornou gradativamente mais alegre com
o passar do dia e ficou óbvio para onde a votação se encaminharia. O povo se
juntou na praça Lênin sob a imponente estátua do fundador do estado
bolchevique. Houve um show de rock, as pessoas carregavam bandeiras da Rússia e
cantavam “Rússia! Rússia! Rússia!” como se estivessem em um jogo de futebol. Foi
uma coisa como uma mistura entre a Rússia ganhando uma Copa do Mundo e um
comício nazista. Foi uma atmosfera bastante peculiar, uma mistura de um
triunfalismo perturbador que eu, enquanto não-russo, achei um pouco estranho.
Amy Goodman: E qual foi a atitude dos diferentes grupos - aqueles que
estavam boicotando, aqueles que estavam votando - a atitude dos russos na
Crimeia, e também da imprensa?
Oliver Bullough: Eu conversei bastante com uma senhora ucraniana que disse
que, para os cristãos ortodoxos, existem três mães: a própria mãe, a mãe-nação
e a Virgem Maria. Ela comparou a anexação com a Rússia com o câncer do qual sua
mãe faleceu. Ela dizia que lhe sobrara apenas a Virgem Maria para confiar. Elas
estava completamente devastada pelo que ocorreu.
Os tártaros crimeanos são uma minoria muçulmana aqui. Eles também estão
bastante preocupados. Eles sentem que a Ucrânia garantiu seus direitos nos
últimos 23 anos e eles não têm nenhum interesse de se juntar a Rússia. No
entanto, a maior parte da população aqui é russa e estão muito felizes com
a anexação, e um fator importante para essa alegria é o de que eles estarão
dentro do sistema de seguridade social russo, o que significa que suas pensões
vão, no mínimo, dobrar. Eu passei muito tempo esta manhã no banco, e já
haviam pessoas perguntando aos caixas quando exatamente que o novos benefícios
russos iam começar a cair em suas contas.
Abaixo, entrevista com Nicholas Clayton, jornalista freelance que cobre o
Cáucaso desde 2009
Amy Goodman: No domingo, um importante apresentador de televisão estatal
russa, que possui laços estreitos com Vladimir Putin, advertiu que a Russia
poderia lançar um ataque nuclear contra os Estados Unidos. O âncora tinha atrás
de si uma imagem com as palavras “em cinzas radioativas.” Nicholas Clayton, o
que acha disso?
Nicholas Clayton: Isso obviamente mostra o quanto a retórica está
inflamada. Acho que devemos analisar a situação sob dois aspectos. Há o
problema político interno na Ucrânia e uma batalha entre Leste e Oeste.
Creio que muitos no
Oeste subestimam o quanto a Ucrânia, e particularmente a Crimeia, são
estratégicas para a Rússia. O porto de Sebastopol tem sido uma base para a
esquadra russa no Mar Negro desde o século 18, e é provavelmente o melhor porto
no Mar Negro para uma grande esquadra. Ele é bastante grande e profundo, e está
guardado em ambos os lados por montanhas, o que o protege do vento. Se a Rússia
for chutada de lá, ela teria de reduzir drasticamente o tamanho de sua esquadra
e gastar bilhões de dólares tentando construir uma estrutura parecida com a de
Sebastopol. Além disso, a esquadra do Mar Negro é a responsável por
proteger não apenas o Mar Negro, onde a Rússia tem interesses significativos,
mas também o Mar Mediterrâneo até o Sinai e o Oceano Índico, e portanto, é uma
região estratégica para a política externa russa nestas regiões.
Então a região é de
“interesses de ferro” como os russos chamam. É uma linha vermelha, e uma
retirada feriria muito os interesses e a capacidade russa de se projetar
militarmente. E nós vimos como a Rússia se moveu tão rapidamente, tudo isso porque
muitas figuras no novo governo de Kiev declararam que queriam cancelar a
concessão que a Rússia possui para usar a base de Sebastopol. A atual concessão
assegura aos russos o direito de usar o porto até 2042, no entanto, governos
anteriores também tentaram colocar a Rússia fora do porto, e desde o fim da
União Soviética, isso tem sido uma peça importante no jogo entre Leste e Oeste
de disputa pela Ucrânia
Este artigo foi
composto por trechos de entrevistas do site DemocracyNow, que podem ser assistidas
na íntegra aqui
Tradução e edição
de Roberto Brilhante
Leia mais em Carta
Maior: O
que houve na Ucrânia?
Créditos da foto:
Russian Presidential Press and Information Office
Sem comentários:
Enviar um comentário