Bissau, 13 abr
(Lusa) - Parte do antigo quartel português de Bula, nome com que foi batizada a
viatura blindada Chaimite mais famosa do 25 de Abril, está em ruínas, mas
permanece de pé na memória de um cozinheiro guineense de 77 anos.
Naquela povoação da
Guiné-Bissau, Amadu Djaló é conhecido como Amadu "Quartel", era
cozinheiro numa das messes e ainda hoje se entusiasma ao recordar as palavras
de Spínola, a boa disposição do capitão Maia ou a alegria que foi o 25 de
Abril.
"Só se ouvia ‘agora
deixamos de morrer'. Os ‘tugas' ficaram muito, muito contentes nesse dia",
em que as notícias iam chegando pela rádio, recordou à Lusa.
Nada que o
cozinheiro não adivinhasse, depois de em 1973, ter ouvido o general António de
Spínola dizer, ali no quartel, "que a Guiné-Bissau é para os
guineenses".
"Notava-se que
já ali havia qualquer coisa", referiu.
Amadu conhecia bem
o cenário de que todos queriam fugir: tinha passado quatro anos no mato, ao
lado da tropa portuguesa, antes de a fama dos seus petiscos o colocar
definitivamente por entre tachos e panelas, paredes meias com oficiais que hoje
fazem parte da História de Portugal.
"Eu falava às
vezes com o capitão [Salgueiro] Maia, mas só de coisas do dia-a-dia, ele era
bem-disposto", recordou.
"De vez em
quando, dava-me uns trocos para ir comprar cola", pasta natural para
mascar, ainda hoje usual na Guiné-Bissau.
A vida de Amadu era
feita numa das zonas mais alegres do quartel.
Na messe havia
convívio e a culinária ajudava a matar saudades: "fazia muitos bifes com
ovo estrelado e os ‘tugas' também gostavam de bacalhau".
Saiu do quartel com
as últimas tropas portugueses, em outubro de 1974.
"O PAIGC
[Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde] não tinha os
ingredientes necessários para continuar a trabalhar na cozinha", disse,
enquanto vasculhava documentação da época, que ainda guarda numa pequena caixa.
Os militares
guineenses ocuparam o espaço, que depois também abandonaram pouco a pouco e o
que resta hoje é um amontoado de ruínas.
Há abrigos
subterrâneos e respetivas escadarias cobertos por terra e lixo, paredes prestes
a cair e o chão esburacado no meio do que terá sido a antiga parada - com o
resto de uns antigos balneários (a placa enferrujada resiste) ali ao lado.
Apenas o edifício
junto à entrada principal foi recuperado e transformado há poucos meses na
Esquadra de Polícia do Setor de Bula, mantendo na fachada a data de abertura do
antigo quartel português: 1957.
"Ao princípio,
as pessoas tinham medo do quartel e do arame farpado", contou Amadu, mas o
receio foi-se esbatendo à medida que crescia o convívio com os militares
portugueses.
Além do mais,
"no quartel sempre se serviu sopa às crianças de Bula", sublinhou.
Anos mais tarde,
tornar-se-ia num local emblemático e cujo nome ficou na história do 25 de
Abril.
Bula foi o nome
dado à viatura blindada que transportou o presidente do Conselho, Marcello
Caetano, em direção ao exílio, depois de ter apresentado a rendição do regime
ao general António de Spínola no quartel do Carmo, em Lisboa, cercado por
tropas comandadas por Salgueiro Maia, cerca das 17:00 do dia 25 de abril de
1974.
LFO // PJA/PNG – Lusa
– foto Luís Fonseca
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