José Manuel Pureza –
Diário de Notícias, opinião
A social-democracia
e a democracia cristã estão a morrer às mãos da agressividade liberal que
grassa na Europa. Elas foram os dois rostos do capitalismo europeu que o
diferenciaram do capitalismo americano e do capitalismo japonês enquanto durou
a guerra fria. Uma e outra representaram formas diferentes de articular
horizontes de crescimento e acumulação capitalista com o reconhecimento de
direitos sociais e a sua universalidade apoiada em serviços públicos. Essa
lógica de compromisso entre capital e trabalho é agora o alvo do
fundamentalismo ideológico que faz do abate dos direitos e dos serviços
necessários para a sua efetivação o seu alvo. Isto significa que a
"sensibilidade social" a que se referenciavam a social-democracia e a
democracia cristã é hoje estigmatizada pelo neoliberalismo impante como um luxo
que não se pode pagar e que deve por isso ser erradicado.
O modo desabrido
como Passos Coelho comentou a subscrição do manifesto em favor da
reestruturação da dívida por figuras que teimam em permanecer fiéis ao código
democrata cristão não é do foro da indelicadeza mas da mais pura luta
ideológica. O que Passos manifestamente não tolera é que haja quem, à direita,
recuse o caminho do esmagamento social que resulta do esmagamento económico. O
resto é uma questão de estilo. A isto, a social-democracia portuguesa chefiada
por António José Seguro responde com o autoelogio convicto da sua
responsabilidade pela assinatura do Tratado Orçamental, ou seja, do programa da
austeridade eterna para Portugal e para a Europa. Estamos conversados.
Por outro lado, a
coligação de governo entre o SPD e Angela Merkel na Alemanha dá conta de que a
social-democracia desistiu de ser alternativa e quer governar no campo
delimitado pelos capitães da austeridade e do congelamento dos salários. O mais
a que aspiram hoje os partidos europeus da Internacional Socialista é a um bem
comportado melhorismo gota-a-gota que não põe minimamente em causa, antes
reforça, os objetivos estratégicos das políticas de liberalização.
Mas onde a agonia
da social-democracia atinge contornos de paroxismo é na resposta de Hollande à
derrota estrondosa do PS francês nas recentes eleições municipais e à ascensão
eleitoral da extrema-direita. Ao nomear Manuel Valls para primeiro-ministro,
François Hollande evidencia que está disposto a dar um passo inimaginável na
descaracterização absoluta do que foi esse caminho de reformismo social de
cunho progressista. A mensagem que Hollande dá é clara: a capitulação perante o
liberalismo não chega, é preciso juntar-lhe autoritarismo. Essa é a receita
para um programa que soma cortes de 50 mil milhões de euros na despesa pública
até 2017 e alívio fiscal de 30 mil milhões para as empresas.
Valls é o
socialista predileto da direita francesa pela sua marca autoritária e pelas
posições inequivocamente xenófobas que tem adotado para com comunidades ciganas
e imigrantes em França. Que seja também este socialista de extrema-direita -
como é justamente conhecido - o predileto da direção socialista francesa para
travar o crescimento da Frente Nacional é algo muito revelador.
Entramos numa nova
fase desta conversão da social-democracia europeia a jogar o jogo do adversário
no seu campo e de acordo com as suas regras: até agora, era o campo e eram as
regras da direita liberal; com Hollande e com Valls o campo e as regras são as
de Marine Le Pen. É uma agonia que causa agonias.
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