Jornal de Angola,
editorial
Num mundo em
constante mutação, as relações bilaterais entre os Estados conhece
circunstâncias de aproximação, distanciamento e reaproximação.
Nem sempre a
conciliação de interesses leva a um estado permanente de compreensão mútuo
entre os países, o que torna inteligível o eventual surgimento de situações
inusitadas e inesperadas. É normal que as relações entre Angola e Portugal
também passem por situações menos boas, sendo o mais importante a capacidade de
se ultrapassar os percalços e evoluir-se positivamente para os pontos que unem.
E não há dúvidas de que os actores políticos têm sido exemplares na medida em
que, além da boa gestão dos acidentes de percurso, procuram institucionalmente
fortalecer os laços bilaterais, a cada dia que passa.
Para muitos, não era expectável que instituições dos dois países, independentes
e soberanos, com uma profundidade de conhecimento e interesses mútuos, pudessem
arriscar tanto os laços bilaterais por causa de questões ligadas ao vazamento
para a imprensa de documentos e informações de foro judicial. Mas foram,
sobretudo, os órgãos de imprensa, com alguma conivência ou incúria dos órgãos
judiciais, que ao promoverem a violação sistemática do segredo de Justiça em
Portugal, causaram sérios problemas à relação bilateral.
Embora os laços e a cooperação económica nunca estivessem em causa, na verdade,
os indícios de mal-estar fomentados pela imprensa portuguesa deveram-se, em
grande medida, a algum saudosismo de alguns sectores políticos que se
incompatibilizam com o estado actual das relações bilaterais.
Os tempos não aconselham tácticas e procedimentos irresponsáveis que acabam por
minar as relações entre os Estados, numa altura em que as relações políticas
são excelentes, em que cresce o volume de negócios e as trocas comerciais.
Angola e Portugal são dois países que têm muito em comum, a julgar pelos laços
históricos e culturais, e poucas dissemelhanças naqueles factores que têm
ajudado a potenciar outros.
Até muito recentemente surgiram alguns espinhos que quase inviabilizaram o
curso excelente que tomavam as relações entre os dois países com as conhecidas
vantagens recíprocas. O facto de a imprensa lusa, num gesto pouco comum em
democracias dignas desse nome, ter procurado usurpar o papel de instituições
como a Direcção de Investigação e Acção Penal e tribunais atentava gravemente
contra princípios elementares das liberdades e garantias fundamentais de altas
individualidades angolanas.
Contrariamente à ideia veiculada nalguns círculos, as instituições angolanas
nunca se opuseram aos processos de investigação de angolanos em Portugal, mas
insurgiram-se, e com razão, pela forma pouco abonatória como o sistema de
Justiça estava a ser usado como arma de arremesso contra pessoas numa autêntica
violação da presunção de inocência, do bom nome, da imagem e honra das pessoas
visadas.
Sempre esteve claro que a violação do segredo de Justiça em Portugal,
reconhecido pelas autoridades locais, constituía o pomo de discórdia nas
relações entre Angola e Portugal. “A única coisa que nós considerámos que não
estava bem era pegarem nos nomes de entidades angolanas e levarem-nos para a
praça pública como se fossem verdadeiros criminosos, quando nunca nenhuma
dessas pessoas tinha sido constituída arguida.
Achámos que se estava a brincar ao fazer Justiça. Isso não é Justiça séria”,
defendeu o Procurador-Geral da República, João Maria de Sousa.
Tratando-se de uma fase menos boas nas relações entre os dois países, importa
que tais episódios tenham servido para uma melhor aprendizagem.
Aprender o lado positivo desse passado recente que esteve ao ponto de ter pôr
em causa a perspectiva de uma parceria estratégica ajuda a encarar o futuro com
mais seriedade e responsabilidade. As relações bilaterais nunca foram tão
sólidas como as que testemunhamos actualmente, numa altura em que os laços ao
nível institucional tendem a subir de nível.
Isto graças ao papel equidistante dos actores políticos que sabiamente se
mantém distanciados das situações menos boas de violação do segredo da justiça
e “assassinato de políticos” em praça pública.
Esperamos que, tal como disse a ministra da Justiça portuguesa, futuramente as
relações bilaterais não venham a ficar reféns de casos que, ao transitarem
pelos órgãos judiciais, acabam por merecer aproveitamento com o propósito de
abalar os laços de amizade entre os dois países.
As palavras de Paula Teixeira da Cruz, referindo-se à experiência pessoal com a
visita efectuada ao nosso país - “durante esta minha vinda a Angola foi com
muita felicidade que vi que vamos intensificar ainda mais a cooperação em todas
áreas” - espelham o estado da cooperação.
Auguramos que, entre Angola e Portugal haja sempre espaço para melhorar o que
já existe, numa altura em que os dois países cooperam em quase todas as áreas,
afugentando toda e qualquer tentativa de sectores saudosistas dos velhos tempos.
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