quarta-feira, 16 de abril de 2014

Guiné-Bissau: ELEIÇÕES VERSUS INTERESSES EXTERNOS EM JOGO



Nelson Herbert – Expresso das Ilhas (cv)

Um pouco mais de 776 mil eleitores irão às urnas no próximo dia 13 de Abril,  na Guiné-Bissau, para a eleição de um novo presidente da república,  um governo e um parlamento.

Envolto num ambiente de tensão e de incertezas quanto ao seu potencial impacto na estabilização do país, na reposição da legalidade constitucional e no fecho de um ciclo conturbado e violento na Guiné-Bissau,  à semelhança das pretéritas  experiências , estas eleições presidenciais e legislativas simultâneas, aparentemente em nada diferem dos pleitos eleitorais que o  antecederam.

E que na Guiné-Bissau , contrariando o ciclo natural da alternância do poder, própria das democracias, a convocação de novas eleições ,medeia invariavelmente golpes militares.
Um enguiço que a comunidade internacional, continental e sub-regional africana em particular,  quis ver quebrado.

Num primeiro gesto,  desencorajam  toda e qualquer veleidade  que franqueasse as candidaturas do actual presidente da república, de transição, Serifo Nhamadjo, do ex-presidente Kumba Yalá e do antigo  primeiro ministro Carlos Gomes Júnior.

Ao não anuir a candidatura de  três dos protagonistas do ambiente de tensão política que se seguiu ao anúncio dos resultados das eleições presidenciais de Marco de 2012,  neutralizam não só  um potencial foco de conflitualidade política , como  contornam a reconstituição  do cenário de tensão eleitoral, anterior ao  golpe militar  que interrompeu o então processo eleitoral em curso.

Recorde-se que tanto Serifo Nhamadjo, como Kumba Yalá e Carlos Gomes Júnior, ensaiaram ainda no período pré-eleitoral, a hipótese de candidaturas, intento que entretanto viram gorar-se por factores por certo, alheios à vontade política própria.

Um engajamento internacional e sub-regional africano, a adensar o clima de apreensão e de expectativas que paira sobre as legislativas e presidenciais simultâneas de domingo,  quanto mais não seja, pelo facto  de o período de transição que as  antecede  ter igualmente ficado marcado  por desacertos entre blocos linguísticos , sub-regionais e continentais quanto  a  “fórmula”  a se  adoptar  a reposição da legalidade constitucional, interrompida  pelos militares.

Em causa a aplicação do princípio de  “tolerância zero”, previsto no Protocolo da Democracia e da Boa Governação da  própria CEDEAO e da própria União Africana, para situações de estados membros cenários de golpes militares. 

De um lado, a  CPLP, sob a presidência de Angola, com indisfarçados interesses económicos, militares e estratégicos na Guiné-Bissau e na sub-região,    a assumir posições irredutíveis perante  cenários  que não resultassem da reposição em funções do governo deposto e na conclusão do processo eleitoral interrompido pelo golpe militar de 12 de Abril de 2012.

Uma exigência  que entretanto se viu confrontada com a resistência da CEDEAO,  Comunidade Económica dos Estados da Africa Ocidental, organização que  sob forte influência da Nigéria e da Costa do Marfim, viu no golpe militar uma oportunidade de contenção das ambições militares e estratégicas de Luanda na Guiné-Bissau   e na sub-região.

Detentor de um mandato regional,   endossado pela própria Nações Unidas no quadro da “Agenda para a Paz” da organização mundial e que decorre de experiências de cooperação com a ONU, na busca de soluções para focos de conflitualidade regional,  a CEDEAO cedo entendeu chamar a si a responsabilidade de liderança do processo de estabilização naquele país da “lusofonia”.

Uma jogada de antecipação que remeteria consequentemente o bloco lusófono para a incómoda e ingrata  posição de limitar a  integrar-se nas decisões tomadas, em Abuja, pela cúpula daquele organização sub-regional,  condicionalismo perante o qual a CPLP entretanto nunca se desarmou.

O episódio de Setembro de 2012, que tem por cenário a Assembleia Geral das Nações Unidas,  com duas delegações presidenciais guineenses desavindas, apadrinhadas respectivamente pela  CEDEAO e CPLP a disputarem o direito a representatividade da Guiné-Bissau na reunião magna,  constituiu pois o “climax”  de uma disputa diplomática entre dois blocos  e que tem a crise bissau-guineense no centro da polémica.

Um braço de ferro que acabaria entretanto por pender favoravelmente  para o lado de uma  CEDEAO  manifestamente resistente à cooperação com o bloco lusófono, sobre uma crise, num espaço territorial que elegera de sua jurisdição.

Quem o reconhece é o próprio cessante secretário executivo da CPLP  e actual líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, em declarações no cair do  pano sobre o seu mandato.

“Se considerarmos o Conselho de Segurança das Nações Unidas como a instância máxima para dirimir situações de conflito, facilmente compreendemos que as Nações Unidas falam normalmente através das instâncias regionais que normalmente têm uma definição territorial para exercer o seu mandato, e têm um mandato efectivo das Nações Unidas. Será sempre muito difícil imaginar que as Nações Unidas queiram diversificar o campo de implementação desse tipo de competências”.

A transferência da presidência  da organização da lusofonia, de uma impetuosa liderança angolana,  para  um Moçambique bem mais pragmático , na cimeira de Maputo de Julho de 2012, viria entretanto a contribuir para um reavaliar da estratégia do bloco lusófono, face à crise guineense que, convenhamos, tivera na sua opção inicial de se auto-excluir do diálogo com os golpistas e o governo que dele viria a emanar, o seu calcanhar de Aquiles.

A visita a Bissau do secretário executivo da organização lusófona, o diplomata moçambicano Muraide Murargy,  em finais de Marco de 2013, numa iniciativa apadrinhada pelo representante especial do Secretário Geral da ONU,  o timorense José Ramos, a CPLP marca assim o início de um processo de acerto do passo face ao evoluir dos acontecimentos naquele pais membro e devolve à organização da lusofonia o poder de iniciativa e de  manobra no influir de um figurino político e de governação, implementado pela CEDEAO.

Convenhamos um esgrimir de interesses  aparentemente irreconciliáveis, entre contendores internacionais, continentais e sub-regionais em presença na crise guineense, a que estas eleições presidenciais e legislativas simultâneas na Guiné- Bissau, de forma alguma poderiam ser indiferentes.

Oito candidatos de uma triagem  de  21 iniciais pretendentes à presidência do país e 15 partidos nacionais, dos 22 existentes, que viram as respectivas pretensões serem invalidadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, por caducidade de mandato  do seus órgãos internos  disputam a presidência e a liderança do novo governo nestas eleições legislativas e presidenciais na Guiné-Bissau.

Um pleito eleitoral de feições particulares que assume no embate entre os mais mediáticos candidatos, principais partidos nacionais,  o cunho de uma espécie de “tira-teimas” entre interesses sub-regionais e continentais em presença na Guiné- Bissau, quanto mais não seja, pelo facto de o perfil de algumas candidatos, reflectirem interesses de blocos e organizações envolvidas  no  processo de transição democrática daquele país. - Especial semanário Angolense (parcial)


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