Verdade (mz) - Editorial
Ruas esburacadas,
transporte público precário e educação deficitária. Isso tudo ocorre num país
normal. Nesse país normal, à beira-mar plantado, os livros escolares de
distribuição gratuita, dizem, não chegam a todos. Nesse país, passe a repetição
normal, existem dois exércitos e as pessoas não podem circular livremente.
Nesse país, dissemo-lo, normal a filha do Chefe de Estado é milionária graças
ao sangue que lhe corre nas veias e à ausência de ética de quem a impulsiona.
Mas, como já o
dissemos, trata-se de um país normal e com prioridades normais. Um país normal
importa aviões de guerra, blindados e muito mais material bélico. Um país
normal como esse de que falámos cria regalias milionárias para os ex-Chefes de
Estado e também para deputados, os tais servidores do povo. Num país normal há
cortes frequentes de corrente eléctrica e ninguém é responsabilizado. Nesse
país normal há casas de luxo para quem não precisa e pode caminhar por si.
Nesse país normal os sistemas de drenagem estão obstruídos porque é imperioso
mostrar aos cidadãos que até na Europa, nos dias de chuva, também há
inundações.
Esse país normal
não é capaz, porque não importa, de gerir melhor as cheias cíclicas que ocorrem
um pouco por todo o seu território e abreviam vidas. Nesse país normal os bens
do Estado podem ser usados para acções meramente partidárias, como a
apresentação de um seu candidato. Só num país normal é que o Estado patrocina,
com o dinheiro do suor dos seus cidadãos, a promoção de um indivíduo que
representa uma formação política.
Trata-se mesmo de
um país normal, pois há muito atum e 22 milhões de patos. Nesse país normal há,
regra geral, falta de medicamento no Sistema Nacional de Saúde. Nesse país
normal há juízes com cerca de 12 viaturas e negócios sem concurso público que
envolvem a filha do Chefe de Estado. Nesse país normal o sucesso empresarial
depende de alianças espúrias congeminadas no esgoto da mais sórdida sacanice. É
um país onde não há mérito para além da subserviência e no qual só é possível
comer na mesa grande depois de um indivíduo se estender ao comprido na esteira
dócil da genuflexão. Esse país normal, certa vez, inventou uma revolução verde,
mas não foi capaz de criar um crédito acessível ao camponês.
Esse país normal
foi buscar o Pro-Savana e matou literalmente a agricultura familiar. Esse país
normal é Moçambique. Aqui tudo é normal, com excepção da passividade dos
cidadãos. Só pessoas anormais podem coabitar com tanta sabujice sem pestanejar.
Eles, os ladrões, são normais. Nós, as vítimas, é que padecemos de qualquer
anomalia. Um povo decente jamais permitiria a emergência das Valentinas da
vida. Nunca...
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