quinta-feira, 10 de abril de 2014

PORQUE EXISTEM DUAS UCRÂNIAS?



Ilia Kharlamov – Voz da Rússia

As “duas Ucrânias”, a ocidental e a oriental, têm talvez uma última oportunidade para continuarem unidas na sua viagem pela história.

Essa oportunidade é a federalização do país ainda unido com base no respeito mútuo e na concessão de poderes alargados às regiões. Analisando o exemplo de um dos territórios ocidentais, o distrito de Lvov, podemos verificar quais são as diferenças entre os ucranianos ocidentais e os habitantes do Sudeste.

A orientação política, de mentalidades e cultural e religiosa do distrito de Lvov, que antigamente, em conjunto com os distritos de Ivano-Frankivsk e Ternopol, formava a Galichina ou Galícia, foi definida pela sua história. Em primeiro lugar, pelos muitos séculos de pertença à Polônia e ao Império Austro-Húngaro. Ao contrário de Donetsk, Carcóvia ou Lugansk, que até à revolução de 1917 pertenciam à Rússia, Lvov e seus arredores se consideram de certa forma como um produto da civilização ocidental. Se isso é verdade ou não, podemos verificar pelo comportamento dos ativistas do movimento Maidan e pelos combatentes de organizações radicais neonazistas que hoje atuam na Ucrânia, as quais são compostas por habitantes do Ocidente do país, incluindo do distrito de Lvov.

O cientista político Nikolai Sorokin caracteriza da seguinte forma a diferença entre o Leste e o Ocidente da Ucrânia:

“Sua identidade é completamente diferente. O distrito de Lvov, tal como os de Ivano-Frankivsk e de Ternopol, evoluíram durante muitos anos não como parte da grande Rússia, mas sob influência do Vaticano, da Igreja Católica, da Polônia e da Áustria-Hungria. Eles estiveram mais de 600 anos desligados da Rússia. Nesse contexto, sua identidade não é ucraniana ou russa, mas é uma identidade de um país completamente diferente. Se trata de pessoas diferentes, eles pensam e sentem de forma diferente, eles têm estereótipos de comportamento diferente”.

O distrito de Lvov, dentro dos seus limites atuais, só foi formado em finais dos anos de 1930 por decreto do Presidium do Soviete Supremo da URSS. Na realidade, toda a Ucrânia atual é um produto da “engenharia geopolítica” soviética. Atualmente Lvov com seus arredores tem mais de dois milhões e meio de habitantes, cuja esmagadora maioria está registada oficialmente como sendo ucranianos. A segunda etnia mais numerosa são os russos. A economia da região não é das melhores: ela nem faz parte das dez regiões economicamente mais importantes. Da sua população ativa, a maior parte dos habitantes está ocupada no comércio e na agricultura. Aliás, os radicais da Ucrânia ocidental preferem não dar atenção ao fato de eles, seus familiares, vizinhos e conhecidos viverem em grande parte à custa de uma Ucrânia oriental industrializada. Os nacionalistas se consideram a si próprios como uma espécie de “patrícios”, eleitos de Deus, enquanto a população de língua russa seriam plebeus sem direitos, nem voz, cujo lugar são as minas ou as pedreiras. Contudo, o Sudeste da Ucrânia demonstra com convicção que não tenciona aceitar essa situação.

O analista Dmitri Abzalov pensa que as raízes dos problemas atuais estão no passado:

“O próprio processo de formação da Ucrânia pressupõe diferentes orientações culturais, religiosas, políticas e econômicas. Estava previsto que todas essas tendências seriam digeridas pelo Estado ucraniano que iria formular o que é o cidadão da Ucrânia, tal como foi feito pela Rússia”.

Mas isso não aconteceu e pelas mais variadas razões. Nesse aspeto não seria demais referir uma particularidade do distrito de Lvov: a elevada religiosidade dos seus habitantes. A região conta com o maior número de comunidades religiosas de toda a Ucrânia.

O lugar principal é ocupado pelos greco-católicos ucranianos e pelos ortodoxos do Patriarcado de Kiev, não-canônico. Também estão amplamente representados os pentecostais, os batistas, as Testemunhas de Jeová e os Adventistas do Sétimo Dia. Nessa variedade de correntes religiosas estão praticamente ausentes os ortodoxos tradicionais, o que apenas comprova a diferença colossal, inclusivamente religiosa, entre as duas Ucrânias.

Mas isso não significa de forma alguma que elas não possam coexistir dentro de um mesmo país. No mundo existem muitos exemplos semelhantes. O principal é encontrar uma base mutuamente aceitável, mas isso é hoje um grande problema devido sobretudo aos esforços dos neonazistas.

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