Nuno Ramos de
Almeida – jornal i, opinião
A democracia está
em crise porque está esvaziada. O governo dos credores transformou-a num
simulacro. É preciso recuperá-la
Um dos dados mais
preocupantes da sondagem sobre o 25 de Abril publicada pelo i e
realizada pela Pitagórica é que apenas pouco mais de 1% dos inquiridos
consideram a liberdade de expressão uma das conquistas mais importantes da
Revolução. Numa entrevista que fiz recentemente, uma jovem dizia que a
liberdade de expressão é importante, a única coisa que falhava é que depois não
ouviam o que as pessoas expressavam. O povo sente que a liberdade não serve
para nada.
Não fechemos os
olhos: 40 anos depois da Revolução temos uma democracia que está esvaziada, em
que as pessoas foram afastadas dos centros de decisão. A liberdade e a
democracia são jogos catárticos que servem para dar uma ilusão de livre
arbítrio num regime em que tudo se decide nos conselhos de administração dos
sítios do costume e no seu braço armado, que são as instituições da troika
servidas pelo governo.
Só assim se percebe
que uma crise que começou devido à especulação desenfreada tenha sido paga
pelos cidadãos. Verificou-se uma espécie de inversão do conhecido slogan da
extrema-esquerda: "Os ricos que paguem a crise." Aqui são os que
menos têm que pagam tudo. Como dizia o filósofo Slavoj Zizek, temos uma espécie
de comunismo para banqueiros, em que os prejuízos são nacionalizados, pagos por
todos nós, e os lucros são privatizados e vão só para os ricos. Exemplo disso é
este facto revelado pelos jornais: no pico da pior crise nacional, os salários
e as reformas baixaram abruptamente, mas os rendimentos dos mais ricos e dos
gestores de topo subiram exponencialmente. Sobre estes dados publicados na
segunda-feira, o jornalista Filipe Paiva Cardoso escreve: "É de salientar
que no período analisado [2006 a 2012] os gestores das empresas portuguesas na
bolsa passaram de receber o equivalente a 25,5 salários médios dos seus
colaboradores para o equivalente a 44 salários - isto quando grande parte dos
trabalhadores viu o salário reduzido."
Sempre que há
eleições, brindam-nos com um dia de reflexão para podermos meditar sobre as
consequências do voto. Não vá um espirro afectar a calma resignação dos nossos
neurónios. Nos dias que se seguem ao sufrágio, oferecem- -nos as soluções do
costume, independentemente da nossa vontade. Dizem--nos: "Não vamos subir
os impostos", e sobem-nos até à estratosfera. Garantem-nos:
"Honraremos o nosso compromisso com os reformados", e cortam
sistematicamente as reformas. Prometem: "Não vamos aumentar o
desemprego", e produzem afincadamente desempregados e garantem que quem
trabalhe possa receber até menos que o salário mínimo.
É importante que
isto seja completamente diferente nas próximas eleições em Maio. Mais que de um
dia de carneiros precisamos de um dia de raiva. Aqueles que não estão contentes
com a sangria dos reformados, com a destruição dos serviços públicos, com o
enriquecimento dos agiotas, devem poder expressar-se e dizer basta.
Garantem-nos que as manifestações não servem para nada, e que mudar de voto não
leva a lado nenhum. Mas cada vez mais a gente tem menos a perder, e as imagens
que circulam por todo o mundo provam-nos que quando um povo é encostado à
parede a rua que instaurou a liberdade e a democracia em Portugal pode voltar a
expressar-se. Mais que de um dia de reflexão, precisamos de um dia de raiva que
mostre que nas nossas veias corre sangue, e que não aceitamos este roubo
continuado daqueles que menos têm, dos trabalhadores e de todos aqueles que
trabalharam uma vida inteira.
A palavra
"democracia" quer dizer poder do povo. Limpemos a sujidade que a
envolve e possa o povo ser quem mais ordena, como diz a canção, nas ruas e nas
urnas.
Editor-executivo - Escreve à
terça-feira
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