José Manuel Pureza –
Diário de Notícias, opinião
Quarenta anos
depois do 25 de Abril, democratizar a democracia é o primeiro
"dê-ao-quadrado" que se impõe a Portugal. Haverá mais, mas este tem
de ser cumprido já. A democracia portuguesa está frágil, fustigada
fundamentalmente por duas realidades que a desqualificam aos olhos da maioria
das pessoas. Por um lado, a deslocação dos centros de decisão efetiva sobre as
nossas vidas para entidades sem rosto ("os mercados"...) torna a
prestação de contas pelos representantes um exercício que só muito limitadamente
incide sobre o que realmente penaliza a nossa economia, o nosso trabalho ou os
nossos horizontes de futuro. Por outro lado, os becos com pouca saída a que
conduziu uma democracia representativa apropriada por um centrão em que se
misturam negócios, leis, proclamações e sinecuras retiraram-nos o sentido das
alternativas e puseram a alternância entre o mesmo e o mesmo no seu lugar.
Não se pode fazer
nada? Pode. Para cada um destes fatores de esvaziamento da democracia há uma
resposta. A celebração dos quarenta anos do 25 de Abril será inútil se não
fizer da assunção destas respostas o seu propósito essencial.
A resposta para o
esvaziamento da democracia pela transferência das decisões mais importantes
para longe de nós passa pela combinação sábia da luta democrática em todas as
escalas. E a mais imediata e em que mais eficazmente podemos intervir é a
escala europeia. Fazer da luta pela nossa autodeterminação contra as troikas
uma luta gémea do combate por uma refundação democrática da União Europeia não
é uma abstração mas sim algo muito concreto. São dois rios que se unem no
confronto com todo o processo de autoritarismo político e social que a União
seguiu após Maastricht e que tem no Tratado Orçamental a sua expressão mais
acabada. As próximas eleições europeias são uma oportunidade imperdível -
porque são as primeiras em que podemos julgar as políticas de resposta (ou de
agravamento?) à crise originada pela decisão de resgatar o sistema financeiro -
para dar voz a esta dimensão fundamental do programa de resgate da democracia.
A resposta para o
esvaziamento da democracia às mãos da promiscuidade entre negócios e
representação política tem dois lados. Um é o acolhimento de caminhos da
democracia participativa como forma de transformar uma democracia de controlo
numa democracia de decisão. Enquanto a democracia se confinar aos limites da
representação, a sua degeneração às mãos do bloco central dos interesses será
sempre uma realidade pesada. O outro lado de uma resposta democraticamente
qualificada a esta promiscuidade é a exigência de muito maior rigor republicano
na representação. Não é concebível que uma democracia representativa permita
que os eleitos possam acumular funções de representação do povo com funções
profissionais vinculadas a interesses económicos particulares. É sabido que o
problema das incompatibilidades dos deputados se presta a proclamações
populistas. Mas o facto de ser assim não deve inibir os que lutam por um
resgate da democracia de exigirem rigor e transparência da representação política.
Não é admissível que advogados que defendem legitimamente os interesses dos
seus clientes sejam em simultâneo legisladores. Como não é admissível que
gestores de empresas sejam ao mesmo tempo autores do Orçamento do Estado. Se
isto é verdade para membros do Governo, para magistrados ou para eurodeputados,
tem de o ser também para os deputados nacionais. É em nome de uma democracia
mais forte e mais qualificada aos olhos de todos que a exclusividade dos
deputados se impõe.
O
"dê-ao-quadrado" da democratização da democracia é um programa de
resgate. Os credores somos todos e todas. Exigimos que respeitem os nossos
interesses. Senão ficamos nervosos. Como os mercados...
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